Revista Philomatica

quinta-feira, 28 de fevereiro de 2019

Abre-Campo, Minas Gerais: “Eu sou do jurídico, por quê?”


Querido leitor,
Você já ouviu falar em Abre-Campo, cidadezinha da Zona da Mata mineira? Não sei quais os rastros de suas andanças, mas eu nunca ouvira cristão mencionar o povoado; e olha que minha mãe costumava dizer que nasci com rodinhas nos pés...
Não creio que Abre-Campo seja daqueles vilarejos desprezíveis, afinal, considero-me boa gente, meio Tomé, gosto de ver pra crer, e não saio por aí repetindo impropérios a torto e a direito, principalmente sobre um arraial aparentemente simpático entre os morros de Minas. Mas o fato é que a Wikipedia, que aceita tudo, pouca informação traz sobre a aldeota além de uma entrada sobre seus “abre-campenses notórios”. Vá lá: o primeiro deles é um tal de Eduardo Costa, cujo nome não é Eduardo Costa; os outros são os cantores que compõem a dupla Victor & Leo, que não nasceram em Abre-Campo; por fim, mencionam José Henrique Lisboa Rosa, este sim um abre-campense, político jurássico e sem expressão, falecido em 2013. Deputado estadual por cinco legislaturas, alguém sabe me dizer quem foi Lisboa Rosa? Nem eu! O fato é que as referências notórias de Abre-Campo não ajudam: político, não preciso comentar; o cantor Eduardo Costa, já mostrou filho da terra, ou seja, em outra vezes já mostrou seu desprezo pela vida animal.
Pois bem, sejamos claros, essa coisa de ser e não ser, parece-me algo fake, não é mesmo? E foi exatamente essa a palavrinha usada como desculpa pela Sra. Flaviana, que se apresentou ao telefone como responsável pelo departamento jurídico da Prefeitura de Abre-Campo, fazendo uso, digamos, da famosa carteirada; já ouviram o célebre “você sabe com quem está falando”?
Explico-me: esta semana Abre-Campo emergiu do anonimato e veio à luz nas redes sociais por algo nada louvável: mais um caso de maltrato aos animais. ONGs e grupos de proteção animal compartilharam à exaustão uma cena em que um caminhão da Prefeitura recolhe cães que, amarrados por correntes, são retirados de seus donos (há um vídeo em que uma Sra. chora ao ser separada de seu animal de estimação). A notícia se espalha, a revolta se amplifica, os comentários de repulsa à administração abre-campense tornam-se exponenciais e Abre-Campo não diz nada!
Curioso, liguei para a Prefeitura do povoado. Apresentei-me como responsável por uma coluna semanal em um site de notícias de São Paulo e disse estar interessado em ouvir a posição dos responsáveis sobre o fato. Fui transferido para a Sra. Flaviana, que se disse do “jurídico”. Para um bom entendedor, meia palavra basta! Quem não lê a invulgar “carteirada” há muito entranhada em nossa cultura, asqueroso bordão usado por cidadãos vulgares que se outorgam representatividade do repositório das leis e, de forma vertical, tentam intimidar e relativizar o oponente? “Olha, sou advogado, sou filho de advogado, sou juiz, abro processo, você sabe com quem está falando?”
E nessa toada, ao perguntar a Sra. Flaviana, do jurídico (“Eu sou a Flaviana, do jurídico, quem está falando?”, disse-me ela.), sobre as cenas que circulam nas redes sociais, a moça representante da dura lex sed lex, disse-me tratar-se tudo de fake news e que, se quisesse, eu poderia tomar as providências necessárias. Ao replicar afirmando que só gostaria de ouvir a posição da Prefeitura sobre o maltrato aos animais, a Sra. Flaviana foi eficiente, bateu o telefone na minha cara, como diz o vulgacho.
O respeito pela vida parece-me não ser o forte de Abre-Campo, tampouco a educação. A Sra. Flaviana, soube depois, é secretária do departamento jurídico, mas julgou-se juíza e, arrogante, fez o que todo político e muitos servidores fazem: consideram-se intocáveis, superiores, jamais admitem qualquer questionamento. Tentei mais uma vez falar com a Sra. Flaviana, do jurídico, e o que ouvi? “Ela acaba de entrar em uma reunião com o prefeito.”
Até mesmo a desculpa criada para justificar a ineficiência e o despreparo da moça do jurídico traz algo de despótico e impositivo que, traduzida, reflete o vácuo que existe entre o poder público e os cidadãos, afinal, quantos cidadãos se reúnem com o “prefeito”? O fato é que uma vez empossada a mediocridade ganha azo e não hesita em tornar-se autoritária, perpetuando o “você sabe com quem está falando?”.
Enquanto animais são mortos e maltratados, o que sobra às pessoas de bem além de uma postura refratária a qualquer humanidade como a da Sra. Flaviana que, ao atender o telefone, dispara: “Eu sou do jurídico, por quê?”


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