Revista Philomatica

quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

O Egito sob o olhar de Napoleão

Embora chova torrencialmente e as previsões não façam outra coisa que anunciar mais chuva, até sábado, dia 19, ainda é tempo para se matar as saudades do sol e ver uma pequena amostra da aventura empreendida por Napoleão no Egito, em fins do século XVIII, na exposição O Egito sob o olhar de Napoleão, no Itaú Cultural, na Avenida Paulista, hoje, lugar para se andar com guarda costas, considerando-se os gostos e prazeres do cidadão.
Napoleão é ímpar e exatamente por isso faz parte daquela categoria de homens que desperta amor e ódio, um espécime que poderia muito bem ter sido definido por Vautrin em suas lições a Rastignac, um homem que se fez pelo talento. Nesses casos, afirma Vautrin, dobra-se ante o talento, acaba-se por odiá-lo, tenta-se de todas as formas caluniá-lo, até mesmo porque talento não se divide. Face ao talento, ao gênio, não há meio termo, se é ou não talentoso, genial. Se o homem talentoso persiste, então é adorado. Como talento é coisa rara, àqueles que não fazem parte desse pequeno grupo de eleitos - caso sejam arrivistas, é claro - não sobra nada além da corrupção e do ódio.
Paul Jonhson, historiador inglês, afirma que depois de Cristo, Napoleão é o indivíduo sobre quem mais se escreveu livros; também já ouvi de um professor que essa informação é velha e que Napoleão há muito está no topo da lista.
Curiosidades à parte, o fato é que o corso tomou a dianteira em muito do que fez. Dentre suas inúmeras iniciativas, o Código Civil, por exemplo, que teve um êxito sem precedentes e influenciou a vida de milhões de pessoas é - ainda hoje - modelo para vários paises do mundo. O divórcio que lá já estava pelos idos de 1804, por aqui, só apareceu em 1977!!! Mas reclamar de quê? Isso é coizinha à toa, sem importância, prova chinfrim da nossa sociedade célere e moderna. Nós tupiniquins nos preocupamos - sempre - com algo de maior vulto, a exemplo dos aumentos que variam de 62 a 123% para deputados e outros figuras da Casa da Mãe Joana, em regime de urgência... Isso sim, leitor, algo importantíssimo para a nação, decisão crucial que se não fosse tomada agora, às pressas, nos afundaria a todos em miséria e caos profundo às vésperas do Natal.
Mas revenons à nos moutons: Napoleão entrou para história não só por razões ligadas à política e à economia, mas também pela singular redescoberta da civilização egípcia. Atribui-se a ele, então general e comandante-em-chefe do exército francês quando da ocupação do Egito, em 1798, a célebre frase dita aos seus soldados: "Do alto destas pirâmides quarenta séculos vos contemplam".
A expedição ao norte africano, embora fosse parte de uma estratégia político-militar de confrontação com a Inglaterra, que bloquearia o contato desta com a Índia, também refletia a influência de suas leituras sobre o Mundo Antigo, incluindo-se aí a trajetória de Alexandre, o Grande.
Parte do legado dessa aventura, a ocupação do Egito, é um conjunto de 22 volumes, publicados entre os anos de 1809 e 1822, intitulado Description de l'Egypte, base da mostra exibida no Itaú Cultural, em São Paulo. A instituição possui uma raridade, uma das poucas coleções completas remanescentes da publicação original em todo o mundo. Além dos volumes parcialmente digitalizados, há matrizes de gravuras em bronze vindas do Museu do Louvre e cinco peças de uma coleção particular.
Através dos livros tem-se um panorama do Egito do século XVIII, sua vida, seu povo, seus costumes e suas ruínas, muitas das quais à época ainda adormecidas sob a areia escaldante do deserto.
Acompanhando a força militar napoleônica composta por 34 mil soldados, havia uma missão científica de 167 estudiosos, dentre os quais, nomes como Monge, Laplace, Bertholet e Dominique Vivant Denon, além de escultores, impressores, artistas, astrônomos, engenheiros, geógrafos, orientalistas, médicos, zoólogos, botânicos, escritores, intérpretes etc.
Diz-se que Napoleão determinou cuidados especiais aos estudiosos e que dentre outras disposições, ordenou que os animais e os sábios deveriam permanecer no meio da expedição, protegidos pelas colunas de soldados ao lado.
Assim que chegaram ao Egito, os franceses criaram o Instituto do Egito, dividido em quatro áreas, responsáveis pelo mapeamento e registro de impressões não só do Estado Moderno, mas principalmente do que restou da antiga civilização. Parte do resultado deste trabalho são os estudos que dão base à mostra.
Esse olhar francês sobre o Egito reflete na reconstrução de detalhes de esfinges, na adição de cores que já não faziam parte das pinturas originais de templos e colunas e, segundo o curador da exposição, Vagner Carvalheiro Porto, na sensualidade exagerada com que foram retratadas as mulheres.
Na exposição, alguns volumes de um metro e meio de altura, estão abertos em página fixa e podem ser vistos através de uma vitrine. As ilustrações, vistas nesses volumes, apresentam, ao lado, as matrizes em cobre vindas do Louvre, correspondentes aos desenhos.
Cerca de vinte páginas de cada livro foram fotografadas e podem ser vistas em tela plana, folheadas virtualmente, tecnologia que possibilita, inclusive, a ampliação das gravuras para a análise de detalhes. Surpreendente é a delicadeza de alguns visitantes ao tocar em equipamento tão sensível. Tem-se a impressão de que estão tentando fechar a porta emperrada de uma Fusca anos 70: resultado? impossível folhear as páginas de alguns dos livros virtuais e as gravuras, assim como as ruínas, jazem sob mistérios... (Ao menos no dia em que lá fui, foi o que presenciei; mas olhem, nada que diminua o brilho da iniciativa.)
Também faz parte da exposição um dos dois volumes de Voyage dans la Basse et la Haute Egypte, publicados pelo barão Dominique Denon, em 1802, antes da publicação do conjunto da expedição. O sucesso da publicação de Denon foi tanto que motivou a publicação da coleção Description de l'Egypte, o que fez com que os olhos do mundo se voltassem então para o Antigo Egito. Uma melhor compreensão da história do país só foi possível depois de Champollion decifrar os hieróglifos, em 1822, também a partir da Pedra de Rosetta, recolhida pela expedição de Napoleão.
A exposição que segue até o dia 19 de dezembro, está dividida em cinco temas, mais ou menos como a Description: cartografia, religião, arquitetura, o Estado Moderno e História Natural.
" ___ Qué um chocolate?
___ Ichi, tô por aqui ó, meu lanche du Mac ainda tá na garganta.
___ Te falei, num falei? Ainda quis tomá duas coca...
___ Tô afim de i nu banheiro...
___ Fala cu moço lá de paletó preto, ele deve sabê onde é..."
Para quem puder abstrair o papinho adolescente século XXI, mergulhar nas gravuras do XVIII, cair de cabeça no Mundo Antigo é algo formidável.

Imagens: Napoléon et le Sphinx, Jean-Léon Gérôme, 1862; Monuments de l'Egypte, Charles-Louis-Fleury Panckoucke, ca. 1821-1824 e Napoléon en Egypte, Jean-Léon Gérôme, ca. 1867-1868.

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