Querido leitor,
Você
já ouviu falar em Abre-Campo, cidadezinha da Zona da Mata mineira? Não sei
quais os rastros de suas andanças, mas eu nunca ouvira cristão mencionar o
povoado; e olha que minha mãe costumava dizer que nasci com rodinhas nos pés...
Não
creio que Abre-Campo seja daqueles vilarejos desprezíveis, afinal, considero-me
boa gente, meio Tomé, gosto de ver pra crer, e não saio por aí repetindo
impropérios a torto e a direito, principalmente sobre um arraial aparentemente
simpático entre os morros de Minas. Mas o fato é que a Wikipedia, que aceita
tudo, pouca informação traz sobre a aldeota além de uma entrada sobre seus
“abre-campenses notórios”. Vá lá: o primeiro deles é um tal de Eduardo Costa,
cujo nome não é Eduardo Costa; os outros são os cantores que compõem a dupla
Victor & Leo, que não nasceram em Abre-Campo; por fim, mencionam José
Henrique Lisboa Rosa, este sim um abre-campense, político jurássico e sem
expressão, falecido em 2013. Deputado estadual por cinco legislaturas, alguém
sabe me dizer quem foi Lisboa Rosa? Nem eu! O fato é que as referências
notórias de Abre-Campo não ajudam: político, não preciso comentar; o cantor
Eduardo Costa, já mostrou filho da terra, ou seja, em outra vezes já mostrou
seu desprezo pela vida animal.
Pois
bem, sejamos claros, essa coisa de ser e não ser, parece-me algo fake, não é mesmo? E foi exatamente essa
a palavrinha usada como desculpa pela Sra. Flaviana, que se apresentou ao
telefone como responsável pelo departamento jurídico da Prefeitura de
Abre-Campo, fazendo uso, digamos, da famosa carteirada; já ouviram o célebre
“você sabe com quem está falando”?
Explico-me:
esta semana Abre-Campo emergiu do anonimato e veio à luz nas redes sociais por
algo nada louvável: mais um caso de maltrato aos animais. ONGs e grupos de
proteção animal compartilharam à exaustão uma cena em que um caminhão da Prefeitura
recolhe cães que, amarrados por correntes, são retirados de seus donos (há um
vídeo em que uma Sra. chora ao ser separada de seu animal de estimação). A
notícia se espalha, a revolta se amplifica, os comentários de repulsa à
administração abre-campense tornam-se exponenciais e Abre-Campo não diz nada!
Curioso,
liguei para a Prefeitura do povoado. Apresentei-me como responsável por uma
coluna semanal em um site de notícias de São Paulo e disse estar interessado em
ouvir a posição dos responsáveis sobre o fato. Fui transferido para a Sra.
Flaviana, que se disse do “jurídico”. Para um bom entendedor, meia palavra
basta! Quem não lê a invulgar “carteirada” há muito entranhada em nossa
cultura, asqueroso bordão usado por cidadãos vulgares que se outorgam
representatividade do repositório das leis e, de forma vertical, tentam
intimidar e relativizar o oponente? “Olha, sou advogado, sou filho de advogado,
sou juiz, abro processo, você sabe com quem está falando?”
E
nessa toada, ao perguntar a Sra. Flaviana, do jurídico (“Eu sou a Flaviana, do
jurídico, quem está falando?”, disse-me ela.), sobre as cenas que circulam nas
redes sociais, a moça representante da dura
lex sed lex, disse-me tratar-se tudo de fake
news e que, se quisesse, eu poderia tomar as providências necessárias. Ao
replicar afirmando que só gostaria de ouvir a posição da Prefeitura sobre o maltrato
aos animais, a Sra. Flaviana foi eficiente, bateu o telefone na minha cara,
como diz o vulgacho.
O
respeito pela vida parece-me não ser o forte de Abre-Campo, tampouco a
educação. A Sra. Flaviana, soube depois, é secretária do departamento jurídico,
mas julgou-se juíza e, arrogante, fez o que todo político e muitos servidores
fazem: consideram-se intocáveis, superiores, jamais admitem qualquer questionamento.
Tentei mais uma vez falar com a Sra. Flaviana, do jurídico, e o que ouvi? “Ela
acaba de entrar em uma reunião com o prefeito.”
Até
mesmo a desculpa criada para justificar a ineficiência e o despreparo da moça
do jurídico traz algo de despótico e impositivo que, traduzida, reflete o vácuo
que existe entre o poder público e os cidadãos, afinal, quantos cidadãos se
reúnem com o “prefeito”? O fato é que uma vez empossada a mediocridade ganha
azo e não hesita em tornar-se autoritária, perpetuando o “você sabe com quem
está falando?”.
Enquanto
animais são mortos e maltratados, o que sobra às pessoas de bem além de uma
postura refratária a qualquer humanidade como a da Sra. Flaviana que, ao
atender o telefone, dispara: “Eu sou do jurídico, por quê?”