Revista Philomatica

sexta-feira, 24 de agosto de 2018

Notícias falsas: o que move a imprensa






Os jornalistas, e sobretudo os cronistas, são os maiores mágicos do meu conhecimento. Iludem o público de maneira singular e impingem-lhes, pelo valor de uma assinatura, a mesma novidade que recebem grátis das mãos do respeitável público.”





A epígrafe, leitor, subtraí-a de Machado de Assis, cronista por excelência, que frequentou a redação dos jornais por mais de quarenta anos. Nela, Machado refere-se à cata de notícias a que todo jornalista, quotidianamente, empenha-se na tentativa de produzir seu grande furo de reportagem. Mas dela também podemos subtrair algo menos romântico - digo romântico porque me vem ao espírito o grande escritor perambulando pela Rua do Ouvidor em conversas com homens do poder, escritores e toda a gente de sua época, a colher notícias para, depois, republicá-las, recheadas de imaginação e pitadas de filosofia, induzindo o leitor àquilo que degustara aos escrevinhá-las, qual seja, a dúvida, ao provar da fruta dentro da casca. Esta, é preciso que se diga, vinha polida com um verniz literário que, mesmo hoje, ido mais de um século, ainda nos dá água na boca.
Bebido o leite romântico, o que sobra é ácido e também amargo. A facilidade com que jornalísticas (e jornais), a serviços de ideologias e incorporações, ludibriam todos os dias leitores desavisados, têm feito da leitura de jornais uma tarefa árdua e cansativa, ato que exige até mesmo do leitor mais experimentado um exercício ad eternum de análise do discurso. Isto, é claro, não deve ser deixado de lado – nunca, mas, tem sido difícil lidar com a malandragem, vá lá, intelectual.
O curioso é que a imprensa, que produz notícias falsas diariamente, induzindo e cooptando leitores aqui e ali, semeia reflexões sobre o assunto. O Estadão publicou recentemente um artigo em que afirma estar os usuários da rede mais treinados a identificar notícias falsas. Não nego, assim como não nego que a imprensa tem-se esmerado em burilar seus textos à procura de uma tournure em que o gato é vendido por lebre com ressaibos de alta reflexão.
Ocorre que o dito artigo sustenta o argumento de que a atenção do leitor para elementos como o otimismo, promessas grandiosas, falta de referências, erros ortográficos etc, tem sido algo eficaz na identificação de uma notícia falsa, provocando sua desconfiança. Vá lá, isto conta, mas é muito pouco! Bons falseadores de notícias como a Globo, a Folha de São Paulo, a UOL e inúmeros outros órgãos da imprensa tradicional fazem isso diariamente e recheiam seus textos com referências, otimismo – e/ou pessimismo, uma vez que tudo depende do lado em que a banca toca. Os erros ortográficos, bem, estes deixaram de ser gralhas há muito tempo, tornaram-se multiculturais, arroz de festa!
A título de exemplo, sugiro que vejam um vídeo publicado no youtube em que um Sr, chamado Luciano Ayan, durante uma entrevista, mostra ao jornalista como a empresa que ele representa produz notícias falsas. A ironia, no caso, reside no fato de que o jornalista produzia uma matéria sobre as fake news.
Voltemos à reportagem do Estadão que destaca o fato de o leitor e/ou usuário de aplicativos recusar-se a compartilhar uma notícia que desconfia seja falsa. Ora, o grande jornal atem-se a toda essa farelagem ora simplória ora maldosa que é repassada via whatsapp, quando o grosso da maledicência é produzida pela imprensa (da qual faz parte) que recebe verbas governamentais, milita por interesses próprios, elege deputados, senadores e presidentes, enfim, que manipula e aliena!
Discute-se ainda que a disseminação de notícias falsas depende mais da sociedade que de instrumentos jurídicos ou ações de repressão. Isto é um fato, j’suis d’accord, mas, vejam, não falo daquele blogueiro que disse o que todo mundo sabe sobre certo candidato à presidência e que, sob a batuta da lei, penalizado, terá seus canais de comunicação retirados da rede, resultado de uma ação na qual candidato, advogado e juiz corroboram o dito de que fazemos parte de uma sociedade essencialmente hipócrita, já que preferimos a mentira à acidez da verdade.
Falo sim dos estratagemas e armadilhas usados pela grande imprensa, soturna e sorrateira, que, em conluio com o poder, induz as pessoas a consumirem e a acreditarem em algo que visa aos seus próprios interesses, ao imobilismo da sociedade e sustenta um sistema em que a maioria dos cidadãos são mantidos reféns de condições miseráveis intelectual e economicamente, tudo em proveito de uma casta de políticos, juristas e poderosos que se julga superior aos demais. Dessa corja toda, a mais nociva talvez seja a imprensa que “ilude o público de maneira singular”!

#amigos


Há dias, lembro-me de haver divagado sobre a solidão. Creio haver dito algo sobre como a solidão tem sido levada à condição de abandono. Malgrado deste meu ponto de vista, à busca do carro das ideias, deparei-me com as ideias de Zygmunt Bauman sobre a questão, que não são muito mais animadoras. Bauman, dentre outras observações, comenta em um vídeo disponível na rede (prova de que nesse mar de lixo, pode-se, com alguma perseverança garimpar uma ou outra pérola) a solidão em nossos dias.
Bauman ataca sobretudo a liquidez das amizades em nosso mundo contemporâneo. Estas, mensuradas nas redes sociais por um ícone cujas imagens estilizadas de homenzinhos sob um círculo vermelho anunciam novos e incógnitos amigos, são despossuídas de afeto e humanidade e, lidas matematicamente, não passam de números que, somados ou diminuídos, traduzem a sociabilidade do sujeito.
Isto posto, o sociólogo discute a definição de amigo em nossos dias. O que é ter um amigo? Ao fazê-lo, responde a questão comparativamente, colocando-se como sujeito cujos anos avançados lhe conferem alguma credibilidade, ainda que, ontem, tenha ouvido algo de um professor que desmerece o que acabo de dizer. Para este meu colega, a democracia derruba a barreira do tempo e da experiência, contudo, ao proferir sua máxima, começou justamente por ressaltar seus anos na instituição! Ao fazê-lo, o que ouvi foram só ruídos, nada além de esquisitices.
Mas, revenons à nos moutons: Bauman, que não é bobo nem nada e, acredito, nada panfletário como aquele meu colega do parágrafo anterior, evidencia justamente o fator etário para entabular seu argumento, de modo que afirma: “Um viciado em Facebook me confessou, não confessou, de fato, mas gabou-se para mim de que havia feito 500 amigos em um dia. Minha resposta foi que eu tenho 86 anos, mas não tenho 500 amigos. Eu não consegui isso. Então, provavelmente, quando ele diz 'amigo' e eu digo 'amigo', não queremos dizer a mesma coisa. São coisas diferentes”.
Assim, ligo os meus pontos a partir do nó central da trama - os amigos: de um lado, um ser solitário, no centro, milhares de “amigos” - hoje mesurados pela letra K (khilioi) -, e, no outro extremo, o mesmo ser solitário, que exclui ou adiciona amigos que desconhece, acumulando ou descartando-os ao sabor do humor e ou das opiniões.
Digo opiniões porque as amizades virtuais não são compatíveis com a pluralidade de pontos de vista, de modo que amigos, para a maioria, é aquela classe de pessoas que pensa exatamente como eu penso. Nessa lógica, criamos bolhas nas quais nos sentimos confortáveis e seguros. Ao menor sinal de um desacordo de pontos de vistas, o clique certeiro apaga comentários, perfil e tudo o mais que a tecnologia permite; quando não, o desafeto é conspurcado face aos ‘verdadeiros amigos’; sim, verdadeiros porque pensam como eu penso.
O que há de perigoso nessa adição e subtração voraz de cliques é que em nossas sociedades contemporâneas, as pessoas descartam relações, amor, companheirismo e, acreditem, amizades! Conectamos e desconectamos pessoas como fazemos tão logo encerramos uma compra ou consultamos uma informação na rede. Amigos virtuais não têm rosto. Sabe aquela história de que o corpo fala? Pois então, dos amigos virtuais desconhecemos o olhar, o gesto, o semblante que conforta, transmite calor, amor, compreensão, enfim, amizade, mas também impaciência, desacordo, repulsa e – por que não? - raiva. Amigos discordam, mostram caminhos, indicam-nos desvios, discordam!
Já, os amigos virtuais, estes não são muito afeitos ao diálogo, afinal, nas redes sociais é muito fácil evitar a controvérsia, algo que aparentemente indica suposta condescendência, contudo a desinteligência é tão salutar quanto a amizade, uma vez que nos afasta do eco de nossas próprias vozes, de nossas zonas de conforto, dos nossos reflexos, de modo que continua valendo o velho adágio de que mais vale um pássaro na mão que dois voando. Por isso, ainda que você tenha alguns poucos amigos, poucos mesmo e em quantidade que talvez não consiga fazer uso de todos os dedos da mão para contá-los, ainda assim, isto é preferível a contá-los em khilioi e jamais poder contar com eles.

sexta-feira, 17 de agosto de 2018

Você se arrepende de quê?


A justiça e a honestidade pairam sobre a Terra. Ao menos, sobre nosso torrão tupiniquim, haja vista a proximidade das eleições. Índices sociais e educacionais são edulcorados e se o gringo daqui se aproximar há de crer que somos uma Finlândia perdida nos trópicos. Vá lá: deixemos a canalha de lado. O que me vem ao espírito enquanto deito estas garatujas sobre a folha – que, de fato, não é folha, mas tornou-se hábito isto dizer do espaço em branco sobre a tela -, foi-me suscitado por um pequeno texto, bastante pessoal, de um amigo. Nele, meu amigo discorre sobre uma questão que lhe fora feita: se ele se arrependera de algo na vida. Para este meu amigo, o arrependimento foi ter ignorado uma luz que vira aos 20 anos, quando lera a regra de São Bento – Ora et Labora.
Meu amigo acredita que ao ignorar tal chamado perdeu a oportunidade de, no silêncio e no anonimato, galgar certa espiritualidade que, para além de algum estudo, lhe permitisse o exercício da contemplação silenciosa por meio da qual pudesse adentrar o mistério e o sentido das coisas (palavras dele, que transcrevo de modo parafrástico). O desejo arrependido de meu amigo implica o abandono das vaidades mundanas, sejam elas pessoais ou profissionais. Algo que não só a filosofia nos ajudaria entender, mas sobretudo a religião. Ainda que esta última tenha sido vilipendiada em demasia em nossos dias, que leitor não faria uma meia volta até os célebres versos do Eclesiastes, nos quais o pregador discorre sobre as vaidades: “Que proveito tem o homem, de todo o seu trabalho, que faz debaixo do sol?”
O mundo moderno nos aponta uma felicidade medida através da hierarquia (nas universidades os títulos são sintomáticos medidores da fogueira das vaidades) e do ruído. A contemplação silenciosa sonhada por meu amigo figura-se algo medieval, típica de claustros e monastérios, se comparada a este nosso mundo ruidoso, em que os discursos são analisados em exaustão, estripados em suas palavras, em se fala muito e pensa-se pouco, muito pouco.
Em nossos dias a solidão tem sido levada à condição de abandono, por isso renegada. A sociedade cria artimanhas para subtrair as almas dos eremitérios pessoais e espirituais: o casamento e a procriação tem sido sinônimo de convivência, mas também de convivialidade, de modo que desde pequenos somos condicionados não só a raciocínios especiosos e vazios, mas sobretudo a vivermos sobre o crivo de poderes repressivos e disciplinados. Explico-me: a convivência, o estar junto, por mais salutar que seja, não é algo unilateral, haja vista que até mesmo o escudo de Aquiles, que Homero descreve um dos lados com maestria, do outro, certamente havia rústicas enarmas para que o guerreiro pudesse sustentá-lo. E é de se crer que as enarmas pressionassem seus dedos.
Conviver nada mais é que a constatação de que somos dois, uma vez que diante do outro nossa consciência nos olha de fora e nos avalia o tempo todo, de modo que nos constituímos enquanto ser em presença física e em virtualidade - por mais que essa palavra pareça deslocada. Assim, a solidão é a condição sine qua non de – e para – a existência do homem no mundo, jamais um abandono. É na solidão que podemos – e somos – nós mesmos! É na solidão que podemos nos expandir, crescer! Na solidão não temos os a vigilância de outros sobre nós, portanto, deixamos de sofrer com o poder repressivo e, isto sim, é salutar! Também não partilhamos do poder disciplinar, aquele em que nós mesmos nos punimos, às vezes, na tentativa de sermos aceitos e de compartilharmos de igual para igual da convivência.
Por fim, a solidão que nos leva ao autoconhecimento, à descoberta de nós mesmos, de modo a podermos suportar o outro sem, talvez, sufocá-lo, ou nos deixarmos sufocar neste mundo de prosas e versos em demasia!