Revista Philomatica

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

A Semana: a fusão do útil e do fútil

Em 6 de janeiro de 1855, Machado de Assis, aos 16 anos, publicou no jornal Marmota Fluminense, o poema Palmeira, dedicado a seu amigo Francisco Gonçalves Braga. Essa colaboração marca o início de uma atividade jornalística que se prolongaria por toda sua carreira, salvo raros intervalos. Seus primeiros ensaios em prosa, para a mesma Marmota Fluminense, de Paula Brito, foram em 1856. Nesse mesmo ano - e até 1858, empregou-se na Marmota como tipógrafo, o que o aproximou mais do jornal e das letras e onde também conheceu Manuel Antônio de Almeida, de quem seria amigo até a morte deste, em 1861.

Ainda em 1858, torna-se revisor no Correio Mercantil, onde publica a novela chamada Madalena e seu primeiro ensaio, O passado, o presente e o futuro da literatura, marco inicial de uma atividade crítica que se estenderia até 1879 e que nos legou dentre outros, o singular Instinto de Nacionalidade, texto crítico publicado em 1873, no periódico O Novo Mundo. Ali, com a intenção de avaliar a produção literária da época, Machado de Assis, sustenta que quem olhar para a produção literária da segunda metade do século XVIII, seguramente irá perceber certo instinto de nacionalidade e a presença de certa cor local; enfoca as relações entre nacionalismo e literatura e questiona aqueles que consideram o primeiro como critério para se questionar e julgar a segunda. Dali vem a célebre afirmativa: "O que se deve exigir do escritor antes de tudo, é certo sentimento íntimo, que o torne homem do seu tempo e do seu país, ainda quando trate de assuntos remotos no tempo e no espaço" (ASSIS, 1973:804).

Logo após sua passagem pelo Correio Mercantil, vê-se um crescente aumento de suas colaborações em inúmeros jornais e revistas, tais como o Paraíba, de Petrópolis, e O Espelho (1859). Em 1860, a convite de Quintino Bocaiúva, entra para o Diário do Rio de Janeiro. Já considerado jornalista, trava conhecimento com vários intelectuais da época. No Diário do Rio de Janeiro, assina a coluna "Comentários da Semana", crônicas onde Machado fala das novidades teatrais e literárias e, sobretudo, de política. Depois, no mesmo Diário, assinaria a coluna "Ao Acaso", estas, mais amenas no que tange à política. Sua participação em diversas publicações é intensa: passa pela Semana Ilustrada (1860-1876), a revista O Futuro (1862-1863), ainda na década de 60, o Jornal das Famílias, a partir de 1863. Anos mais tarde, deixa o Diário do Rio de Janeiro e assume o cargo de adjunto do diretor do Diário Oficial. Passou ainda pela Ilustração Brasileira (1876-1878) e O Cruzeiro (1878).

Em 1883, Machado começa uma longa parceira com o jornal Gazeta de Notícias, donde sairá as crônicas mais famosas e saborosas de Machado. Ali, escreve para a coluna "Balas de Estalo" (1883-1886), "Bons Dias" (1888-1889) e a "A Semana"(1892-1897).


Geralmente preteridas em relação a seus romances, contos e poemas, suas crônicas, não só são reveladoras de uma época, descrevendo modos e costumes da sociedade carioca do século XIX, como também exibem sua habilidade e talento no trato do texto jornalístico. Na quase totalidade desses escritos - e em correspondência à identidade da crônica, ao narrar, o cronista se debruça sobre acontecimentos periféricos do noticiário, de cuja estranheza extrai um efeito ficcional. Na maioria das vezes as manchetes do dia passam à larga de sua atenção. Em crônica de 13.8.1893 (ASSIS,1961:437) Machado revela seu processo de criação: "Eu gosto de catar o mínimo e o escondido. Onde ninguém mete o nariz, aí entra o meu, com a curiosidade estreita e aguda que descobre o encoberto. [...] eu [aperto] os meus [olhos] para ver cousas miúdas, cousas que escapam ao maior número, cousas de míopes". E acrescenta: "A vantagem dos míopes é enxergar onde as grandes vistas não pegam".

Pensando na semana, lembrei-me de "A Semana" e tracei paralelos:

Na Feira do Livro, da USP. Levas, multidões emaranhadas, empurra-empurra, filas, catas de livros ao léu, filas e paciência, paciência e filas, sacolas, muitas sacolas, esfrega-esfrega, ora meio sem querer, ora querendo mesmo!

Fora, um ar mais fresco e a canabis invadindo o espaço e entorpecendo as folhas das árvores, a tiazinha que vende trufas e ri às bandeiras despregadas, as raras borboletas azuis que, ao meio-dia, já não sabem se voam em agradecimento ao sol que teima em apagar os vestígios da chuva do dia anterior ou porque estão mesmo zonzas pela fumaça.

Logo à frente, o pedreiro, que palita os dentes após o almoço observa curioso o dois mocinhos das letras que caminham de mãos dadas jurando carícias eternas. Bem diferente das últimas agressões na Paulista, mostra de intolerância não diferente daquela narrada por Machado em sua crônica de 1896 (ASSIS, 1961:103-107), relato da história de uma amiga que se mata para que a outra não padeça. A outra era diariamente espancada, por causa da "amizade" entre elas. Ambrosina, a que buscou o veneno e deu fim à vida, quis vencer a morte e deixou rascunhado para a amiga: "Adeus, Matilde; recebe o meu último suspiro".

Nos jornais, a absolvição (já previsível; quem achou que seria outra a sentença?) do iletrado Tiririca. Imagino as estripulias a partir de janeiro na Casa da Mãe Joana, digo, no Congresso nada sério. Aqui também, não me esqueci da "Semana": em 1873, no Senado, o senador Jobim evoca Voltaire, retomando sua correspondência ao Duc de Richelieu. De arrasto vem à tona Montesquieu, com o De l'esprit des lois e Duvergier de Hauranne. A partir de janeiro pas de Voltaire, pas de Montesquieu, pas d'Hauranne e pior que tá, fica! Talvez alguma discussão sobre a Florentina de Jesus... arrhhh!!!

Dia seguinte: Como tudo agora me faz lembrar as rosas de Malherbe, ouço da janela: ia, ia, ia, queremos .... Atônito, pensei: meu Deus, o povo pede poesia!? Saí, na varanda constatei: não era poesia e sim moradia! Voltei à leitura desencantado e triste achando que até a poesia vive ce qui vivent les roses, l'espace d'un matin.





ASSIS, Machado de. Obra Completa. Rio de Janeiro: Companhia José Aguilar Editôra, 1973, Vol. III.

______. Obra Completa. Rio de Janeiro: Editora Jackson, 1961, Vol. 28.

______. Idem.

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