Revista Philomatica

sexta-feira, 26 de julho de 2019

Miriam Leitão e a intolerância




Pesquisando periódicos oitocentistas e do início do novecentos, deparei-me com uma carta publicada no Correio da Tarde maranhense de 26/8/1911. A correspondência a qual me refiro, afirma o jornal, era uma promessa aos leitores sobre “factos de Portugal”. Eis um pequeno entrecho:

Frederico o Grande, que foi alguém na história da humanidade e que manejava a pena e a espada com igual destreza, enviava em 1725 a Voltaire, o amigo íntimo com quem durante anos trocou uma correspondência que ficou célebre pelo saber profundo, pela agudeza do espírito e pela sutileza filosófica, uma carta em que se destacam essas palavras: “Felicito-vos pela excelente opinião que formais dos homens. Para mim, que em virtude da minha situação, conheço bastante esta espécie de dois pés e sem penas, afirmo que nem vós nem todos os filósofos do mundo corrigirão o gênero humano da superstição... Creio, no entanto, que a voz da razão, à força de se insurgir contra o fanatismo, poderá tornar a raça futura mais tolerante do que a do nosso tempo: e já isso será lucrar muito.”
O rei Frederico teve a admirável intuição de algumas verdades, que depois de sua morte floriram e se verificaram. Nos juízos que acabo de reproduzir, porém, ou falhou ou os formulou com muitos séculos de antecipação, antes que eles possam ser reconhecido como exatos. Com efeito, cento e quarenta e seis anos volvidos sobre a sua epístola a Voltaire, é fácil observar que a rez pensante do nosso tempo é tão intolerante ainda como o foi nos dias em que Frederico o Grande reinava. Reside nela o mesmo orgulho, a mesma vaidade, a mesma ânsia do domínio, a mesma vontade do triunfo sobre o seu semelhante: - e ativamente pretende impor a sua opinião à opinião dos outros e fazer prevalecer as suas ideias sobre as ideias alheias.

O articulista escreveu tais palavras em 1911, referindo-se a um contexto de 1725. E hoje, o que temos? Algum avanço na esfera das ideias? Avanços no respeito à diversidade e à opinião contrária? Parece-me que não! Quando um país inteiro pensa de um só modo, isto é algo bastante perigoso. Obrigar cidadãos a pensarem do mesmo modo, na historiografia moderna, tem um nome: ditadura, fascismo, nazismo etc. Etc porque nesses nossos dias em que a modernidade é líquida e a razão já não oferece qualquer garantia de compreensão do mundo, uma vez que, muitas vezes, comprometida com os jogos do poder, insurge-se como agente de repressão, o que dizer do episódio envolvendo a jornalista Miriam Leitão?
Miriam Leitão, ainda que tenha militado no PCdoB, penso, não come ou comeu criancinhas. Gostem ou não os apoiadores do presidente, os quais, destacaram-se publicamente no cenário nacional por clamarem por democracia, Miriam Leitão tem direito à sua opinião. No caso, é claro, ela não é apoiadora do atual presidente, assim como não era dos anteriores, um dos quais mencionava o nome da jornalista nos palanques, aventando a sua desaprovação à política econômica que praticava. Miriam foi achincalhada em um voo pelos asseclas do tal presidente, que a chamavam de direitista e neoliberal. Quem viu o vídeo constatou tratar-se de uma situação aterradora, beirando a fronteira da agressão física. Não por outra razão, a Profa. Maria Sylvia afirmava que a “ideologia emburrece”.
Na bola da vez, com a alternância das forças políticas, Miriam Leitão novamente sofre ataques, mas agora não foi insultada pela massa cuja ideologia aliena, mas pelo próprio presidente. E tudo isso por quê? Segundo nosso articulista, por causa da “vaidade, [d]a mesma ânsia do domínio, [d]a mesma vontade do triunfo sobre o seu semelhante”. Por isso, e só por isso, Miriam Leitão pode – e deve – ser aviltada, afinal, ainda que as forças e os jogos de poder tenham se alternado, a máxima continua a mesma: “a ideologia emburrece”, o que faz com que as pessoas não enxerguem muito além dos umbrais de suas portas, protegidas em sua zona de conforto. Talvez por isso, os comentários animosos e violentos direcionados à jornalista por apoiadores do presidente.
Voltaire, o interlocutor de Frederico o Grande e paladino da tolerância, perguntava: “O que é a tolerância? É o apanágio da humanidade. Somos todos cheios de fraquezas e de erros; perdoemo-nos reciprocamente as nossas tolices, tal é a primeira lei da natureza.”
Dito isto, parece-me que sua eminência, o presidente, esqueceu-se inclusive do aforismo que encoraja os crédulos a jogar a primeira pedra caso jamais tenham pecado. Trocando em miúdos, sejamos mais humildes, respeitemo-nos, afinal, homens demais já decepcionaram Voltaire e fizeram com que Frederico o Grande incorresse em erro. 


Imagem: Tolérance, por Boussoussa.
Publicado anteriormente em https://www.z1portal.com.br/miriam-leitao-e-a-intolerancia/

sexta-feira, 19 de julho de 2019

Sísifo: revolte-se e mereça a vida!


 “É porque há revolta que a vida de Sísifo merece ser vivida,
a razão por si só não lhe permite dar sentido ao absurdo do mundo.”
Albert Camus


Em busca do carro das ideias, leio as notícias da semana e agradeço ao universo por ainda termos a literatura. A literatura, diferente dos Evangelhos, não nos pede nada – sequer que amemos uns aos outros -, não nos promete coisa alguma, contenta-se tão somente em alimentar-nos o espírito. Tudo depende de nós. Muitos, porém, nutrem por ela certo asco, sobretudo ignorantes e os poderosos, cuja função não é outra que cercear as liberdades em proveito de interesses.
Troca-se a canalha política no poder e tudo continua igual, até mesmo a ideia de que o livro é arma perigosa. E talvez seja mesmo, afinal, ali a verdade das ideologias é esmiuçada a ponto de o leitor perspicaz subtrair dos discursos a máxima de que todos eles são alienantes. Por essa razão, creio, a presença de Miriam Leitão e Sérgio Abranches foi vetada pela comissão organizadora da 13a Feira do Livro de Jaraguá do Sul, em Santa Catarina.
Por isso, leitor, se as coisas não estão indo bem hoje, diga a si mesmo que você poderia ter sido Sísifo. Ou pode vir a ser, quem sabe? Do jeito que a banda tem tocado, manadas de gados felizes encurralando junto ao abatedouro os revoltosos... e estes, só assim chamados porque discordam dessa ou daquela cartilha. Ainda assim, afirmo, somos agradecidos e felizes, pois temos a literatura e nos revoltamos.
A revolta, diferente do que muitos afirmam, é maná distribuído feito pão a nós homens perdidos no deserto da ignorância. Portanto, revoltemo-nos. Isso me leva a Sísifo, um Sísifo feliz, tal como disse pela primeira vez o pensador japonês Kuki Shuzo, antes mesmo de o ser por Albert Camus. Mas Sísifo não se deixa imaginar facilmente na alegria. Sísifo, nos poemas de Homero, é o mais inteligente dos homens, é um navegador, um grande comerciante, um homem muito seguro de si mesmo, pois não hesitou em desafiar Zeus, revelando ao deus-rio Azopos, onde se encontrava sua filha Aegina, que Zeus havia raptado porque a desejava.
Por vingança, Zeus pediu a Thanatos que matasse Sísifo, mas Sísifo conseguiu acorrentá-lo, impedindo-o de levá-lo ao inferno. Tudo isso provocou a ira de Zeus, que condenou Sísifo a rolar com suas mãos uma rocha até o topo de uma montanha, de modo que toda vez que estivesse quase alcançando o topo, a pedra rolaria montanha abaixo até o ponto de partida em razão de uma força irresistível, invalidando todo o esforço empreendido
As interpretações variam: para alguns, Sísifo encarna os movimentos perpétuos da natureza, o sol, as marés; para outros, Sísifo personifica a infelicidade do homem, o absurdo da vida. Esta é, em particular, particular a concepção de Albert Camus em seu mito de Sísifo. Mas para Camus, Sísifo também é um lutador, ele não cede ao desespero porque continua a rolar sua pedra, ele escolhe a vida contra e apesar de tudo. Ele se revolta, não se desespera.
É por isso que Sísifo encarna, segundo Camus, a única questão filosófica realmente séria, a do suicídio. Viver, claro, nunca é fácil, escreve Camus, continuamos a fazer os gestos que a existência comanda por muitas razões, a primeira das quais é o hábito. Não há punição mais terrível do que a de um trabalho inútil e absurdo como o de Sísifo, um trabalho absolutamente sem sentido, um trabalho sem fim. O que dá sentido à existência dessa personagem é, em última análise, o modo como ela desafia os deuses, se liga à vida, enfim, o modo como se revolta.
O significado de sua existência é a luta. Esse mito é trágico porque essa personagem está ciente disso, ela sabe muito bem que seu destino enfrenta uma punição irracional (assim como hoje temos enfrentado decisões irracionais!). Por fim, como disse Camus: “Sísifo, proletário dos deuses, impotente e rebelde, conhece toda a extensão de sua miserável condição. É nela que ele pensa durante a descida, e a lucidez que deveria constituir sua tortura, pela mesma ação consome sua vitória. É porque há revolta que a vida de Sísifo merece ser vivida, a razão por si só não lhe permite dar sentido ao absurdo do mundo.”
Por isso, leitor, alegre-se, se você já não é um Sísifo.

Imagem: Sisyphus, por Antonio Zanchi, c. 1660=1665.



segunda-feira, 15 de julho de 2019

Amores difíceis


A prosa de hoje é mais um desabafo, o que não impede o leitor experimentado de associar o título à obra de Italo Calvino – Os Amores difíceis (Gli amori difficili). Mestre da narrativa curta, o conto, do calibre de Tchekhov, Maupassant, Borges, Cortázar e outros, Calvino é daqueles autores cuja estranheza nos assimila de tal modo que, original, deixa de nos ser estranha. Sua escrita, por mais que esperneiem as patrulhas empenhadas em fazer trigo do joio, é canônica, e Os Amores difíceis são uma mostra de narrativas do desencontro, em que “o não encontrar-se não é um simples motivo de desespero, mas elemento essencial da própria relação amorosa”.
Mas a vida real é diferente. Não à toa Balzac, ao escrever seu Père Goriot, pedia ao leitor que creditasse qualquer exagero ou poesia aos infortúnios de Goriot, pois o drama não é nem uma ficção, nem um romance: All is true, disse Balzac. A vida é real, tão real que até mesmo elementos fisgados da ficção, em lances de imaginação tão grotescos quanto as mais extravagantes narrativas, não se equiparam a ela. Tudo é verdade, por isso, a vida real é completo desespero.
Em tempos em que discursos radicais têm-se imposto e o povo (agora cito Chomsky) “não sabe o que está acontecendo, nem mesmo sabe que não sabe”, muitos, que escondem sua hipocrisia e seus preconceitos sob o escudo da religião, por interesse, sim, porque é o interesse que move o mundo, revelam seu jeito próprio de ser, qual seja, a fruta dentro da casca, e, nesses casos, o sabor é amargo e repugnante.
Tome-se, a título de exemplo, essa narrativa que pincei da vida real, ocorrida com um casal de amigos, companheiros de uma jornada de quinze anos. Sim, dois amigos gays. É deles que vou falar e, se você leitor, estiver investido de sua pureza moral e for um desses guardiões da família tradicional, hipócrita (salvo raras exceções) e preconceituosa, interrompa a sua leitura agora e procure a estante de livros mais próxima, ali, apanhe um volume dos Evangélicos e verá que o Mestre, cujas palavras hoje são tão vilipendiadas, defendeu prostitutas, andou ao lado de pobres e leprosos e disse que deveríamos amar-nos uns aos outros. Ah vá lá! Mas isso é o óbvio, pode você contra-argumentar. Não, não é, replico! Caso fosse, não estaríamos vivendo dias tão assustadores quanto os de hoje.
Pois bem, retorno à minha narrativa: L. conheceu D. há quinze anos, respeitaram-se, amaram-se e resolveram que viveriam juntos, compartilhando o respeito, as alegrias e as tristezas. Ocorre que semana passada, D. partiu, expirou durante uma noite de sono tranquilo. A tranquilidade dos justos, de alguém que não roubava, não caluniava, não cometia falsos testemunhos, mas só queria viver, viver a arte, viver a vida.
L., desesperado, sim, para L. não encontrar-se mais com D. tornou-se seu grande desespero logo no café da manhã, quando descobriu que seu companheiro não mais existia. Repito, tomado pelo desespero, L. procurou ajuda. A família de D., ausente por longos quinze anos, apareceu. Apareceu como um raio, algo divino, mas atravessado, movida pelo interesse. L. viu-se obrigado ao desprezo e ao constrangimento, imposto pela família de seu companheiro, ausente até o dia anterior. E não bastasse isso, sofreu também com o descaso, os risinhos e os cochichos dos colegas de trabalho de D., machões, hipócritas e falsos moralistas, daqueles que defendem a família, mas passam suas horas de happy hour relaxando em prostíbulos.
Por que contar a síntese da síntese desse relato? Ora, por duas únicas razões: a primeira é que sob a égide do bom mocismo e da religião, famílias, por interesse, e amigos, por sarcasmo, sabem ser cruéis, perversos, hediondos e impiedosos; a outra, é que aqueles que se respeitam, devem fazer valer seus direitos e não mais se submeterem a esse tipo de violência. O que mais posso dizer quando noto que a humanidade é pura retórica?



sexta-feira, 5 de julho de 2019

Memórias de um editor


Lembro-me de Umberto Eco ter dito em um de seus livros que, às vezes, não somos nós que escolhemos os livros, mas são eles que nos escolhem. Olhamos suas capas, apanhamo-los das estantes, manuseamos, cheiramos (sim, bibliófilos cheiram livros como glutões se deixam levar por aromas e memórias gastronômicas) e, por fim, levamos para casa livros cuja leitura é incerta, mas, quando acontece é descoberta, aventura, encanto e conversão.
Há cerca de um mês, em uma livraria de Sampa, à procura de uns livros que não encontrei, fiz o que fazem os viciados em livros e, como Calvino, abri caminho “através da densa barreira dos Livros Que Nunca Li, das mesas e prateleiras, olhei-os de esguelha tentando intimidá-los, mesmo sabendo que não devia deixar-me impressionar, pois estavam distribuídos por hectares e mais hectares os Livros Cuja Leitura é Dispensável, os Livros Para Outros Usos Que Não a Leitura, os Livros Já Lidos Sem Que Seja Necessário Abri-los, pertencentes que são à categoria dos Livros Já Lidos Antes Mesmo De Terem Sido Escritos”... Por fim, ao atravessar em meio às falanges e falanges de livros, um pequeno volume, frágil, pequeno, porém robusto de conteúdo, lançou-me um olhar cândido. É preciso que diga ao leitor que estava de joelhos e o olhar do livrinho, cândido, porém imponente, trouxe-me algo do frescor das ideias potentes, assegurando-me da força das palavras ali escritas. Capitulei. Trouxe comigo Memórias de um editor, de Kurt Wolff, editado pela Âyiné, de Belo Horizonte.
A obra editada pela Âyiné me foi uma dessas verdadeiras descobertas: o primor da edição faz dela uma preciosidade; a capa de Julia Geiser é daquelas que se justapõem ao relato, complementa-o, torna-o memorável. E por falar em memória, as Memórias de Kurt Wolff são circunscritas à sua empreitada como editor, ainda que temperadas aqui e lá por preciosismos e esquisitices dos autores com os quais trabalhou.
O livro de Wolff é sobre autores e livros e só por isso vale transcrever um fragmento tornado público pelo editor de sua obra em 1965:

A ideia que o leigo tem do editor e de como ele trabalha é surpreendentemente primitiva: ele lê o manuscrito ou dá para alguém de sua confiança ler (há sempre enorme quantidade de manuscritos à espera) e manda para a gráfica as obras que agradaram a ele ou a seus colegas. Para o livro ficar bonito e com aspecto agradável, ele capricha na encadernação e contrata um ilustrador para desenvolver a capa. Se o livro terá sucesso ou não, é pura obra do acaso.
A realidade, porém, é outra. É difícil explicar quão complexa é essa profissão e como há uma série de elementos que devem funcionar coordenadamente para se ter um conceito real, legítimo e positivo de editoração. Como vira e mexe, nessa profissão, o irracional se sobrepõe ao plano racionalmente desenvolvido, jogam-se todas as previsões no lixo. Vive-se em uma situação permanente de incertezas e surpresas; uma fonte interminável de alegrias e decepções.

De fato, Memórias joga com essa sua afirmação. Editor de Franz Kafka, Heinrich Mann, Max Brod, Gustav Meyrink, Karl Kraus e tantos outros, Wolff tenta elucidar a complexidade da profissão. O primeiro capítulo “Livros e aventuras” procura responder ao leitor como ele, Wolff, tornou-se editor, além de responder a questões sobre como os manuscritos chegam à editora, os critérios empregados na escolha do que se publica ou ainda, como se dá o encontro entre autor e editor. Ao elencar muitos dos autores que publicou na fase inicial de sua editora, Wolff explica “a odiosa pecha de editor do expressionismo” que lhe fora atribuída.
O segundo capítulo, intitulado “‘Afanar’ ou como autores e editores se distanciam” traz ao leitor um panorama sobre as relações entre ambos, editor e autor, e também entre editor e editor, à vista dos deslocamentos dos autores de uma editora a outra. Wolff trata do assunto com refinada diplomacia, assegurando seu “desejo de manter a inviolabilidade da liberdade de decisão do autor”, embora confesse que é sempre frustrante para um editor ter um de seus autores “afanados” por outro editor, sobretudo se o autor “afanado” é, digamos, rentável.
O terceiro capítulo é dedicado à aventura de publicar. Destaca-se nesse capítulo o périplo para publicar Avant et Après, de Gauguin, à época (1913) um pintor ainda não tão cortejado pelos museus. Wolff conta suas tratativas com os herdeiros e como, quarenta anos depois, teria notícia do manuscrito em Nova York. Vale ressaltar ainda que nesse capítulo Wolff confessa certo “arrependimento” por não ter publicado um dos livros de James Joyce, antes que o escritor escrevesse Ulisses, fato que me fez lembrar de Gide, que se negara a publicar Proust, quando editor da Nouvelle Revue Française (NRF).
Na segunda parte do livro Wolff traz um capítulo dedicado aos autores Carl Sternheim Franz Kafka e Karl Krauss. Não é preciso dizer que o ponto alto desse capítulo é o aclamado Kafka. Wolff relata como fora apresentado a ele por Max Brod, quando estes, em uma viagem de férias, passaram por Leipzig. Segundo Wolff, Kafka mostrou-se “calado, acanhado, tênue, vulnerável, intimidado como um colegial diante do examinador, convencido da impossibilidade de satisfazer as expectativas oriundas dos elogios do empresário”, no caso, papel atribuído a Max Brod, que o levara até Wolff. Este, ao despedir-se de Kafka naquela tarde de junho de 1912, diz ter ouvido algo do escritor que jamais ouvira de outro autor, nem antes, nem depois dele: “Agradeceria o senhor ainda mais pelo retorno do manuscrito do que pela publicação.”
Os anexos trazem alguns momentos particulares da vida de Kurt Wolff, as dificuldades com a editora em razão da inflação galopante, os frequentes deslocamentos pela França e Itália em razão da guerra, até sua imigração aos Estados Unidos, onde se fixaria e fundaria a editora Pantheon Books que, a exemplo da editora Kurt Wolff seria um empreendimento bem sucedido. Wolff desapareceria em 21 de outubro de 1963, a caminho de um encontro com o Grupo 47 (grupo de autores e críticos alemães empenhados em revitalizar a literatura alemã no pós-guerra), mas, como os autores que publicou, está aí, vivo e presente, nos contando histórias e histórias sobre livros, autores e editores.




Imagem: capa do livro publicado pela Editora Âyiné.
Publicado originalmente em https://z1portal.com.br/memoria-de-um-editor/