Revista Philomatica

terça-feira, 27 de julho de 2010

Machado de Assis sob a aura de André Roswein

Não raro, quando estamos às voltas com o ensino e aprendizagem de um novo idioma, deparamo-nos com as tais expressões idiomáticas. Na transposição de um idioma para outro algumas sofrem transformações radicais; outras, no entanto, não se sabe bem por quê, guardam certas semelhanças. Vejam, por exemplo: voltar à vaca fria, expressão que comumente usamos para retornar ao assunto principal duma conversação; os franceses, na mesma situação, valem-se de revenons à nos moutons (voltemos aos nossos carneiros). A fauna permance e não se sabe qual o motivo. Poderíamos muito bem dizer - voltemos ao jardim, voltemos à sala, o que falávamos mesmo?, voltemos ao início, ou ainda, voltemos ao que eu tinha pensado... Mas essa, leitor, só vale para o enunciador, o narrador, o que tem a chave do segredo, enfim, é uma saída extremamente egoísta. A não ser que o outro resolva dividir o que pensava ou pensou.
Pois vá lá, em épocas em que o politicamente correto é dividir tudo, desde a terra até os óculos e a escova de dentes (eca!), dividamos as ideias, o que pensamos, ainda que o assunto não tenha lá a profundidade exigida dos acadêmicos, ávidos por citações e pela verborragia que condiciona o leitor - não raro - ao inelutável vai-e-vem, ou seja, desvendar Proust, Barthes, Céline, Stendhal, Guimarães Rosa, Clarice, Machado, Céline, ou ou ou ou ou passa a ser um eterno retorno ao início do parágrafo, um martírio. Leia o grande teórico LUCOLI (Uma espécie de anagrama, claro; afinal, não vou dar minha cara a bater por causa de um comentariozinho qualquer! rsrrsrsrs) e vejam só!!! Aposto, leitor, que concordará comigo. Como já disse, aqui terás não mais que um comentário e, em se tratando de tal, não espere muito.
De fato, pensava em comentar sobre Octave, personagem central de Confession d'un enfant du siècle, sobre o qual já foram escritas milhares de páginas. mas, vejam só, assim como Brás Cubas soube pelo pai que sua possível noiva chamava-se Virgília a partir do verso de Virgílio que escrevinhava sobre o papel, deu-se o mesmo comigo: parti do Octave, de Musset e, à força dos homônimos, acabei em André Roswein, de Octave Feuillet. Ignore você, leitor, a relação personagem/autor, autor/personagem.
Ocorreu-me, num estalo, a quantidade de referências que Machado de Assis faz à personagem André Roswein, de Feuillet. Obra e personagem transitam pelas crônicas, críticas e poesias de Machado a tal ponto que Sílvio Romero[1] ao pensar a poesia machadiana, tasca: "A poesia para ele é uma abstrata mansão, onde habitam a esperança e a saudade, é um refúgio tranqüilo, um sossegado asilo, terra pura e santa, onde há um suave remédio para os tristes, onde a musa verte seus bálsamos e converte as lágrimas em pérolas, onde se transforma o viver, acalma-se a tristeza, a dor se abranda e cala, canta a alma e suspira; enfim, alguma causa de comparável à Alemanha por que sonhava a ingênua moça, amante de André Roswein, no drama Dalila de Octave Feuillet!...
Farpas de Sílvio Romero à parte, revenons à nos moutons: quem é André Roswein? Roswein, protagonista do drama Dalila, de Feuillet, é um jovem artista que se apaixona por Marthe (Amélia, na versão brasileira), filha de Sertorius, seu antigo professor de música. A história tem início justamente em dia de grande ansiedade para Roswein e todos os outros, afinal, é a apresentação da primeira obra do antigo pastor de cabras. Roswein promete a Marthe que ao voltar, caso obtenha sucesso, aproveitará o momento para pedir sua mão em casamento. Como em toda boa trama, no outro extremo acha-se Carnioli, protetor de Roswein e louco amante da música. Carnioli, grande inimigo do casamento, acredita que as esperanças matrimoniais do jovem maestro será o suicídio do artista, a quem ama como a um filho. Na esperança de dissuadí-lo da ideia, faz entrar em cena a princesa Falconieri, mulher experiente, sedutora e de muitos amantes que, como bem afirma Dumas[2], será "Le vampire à la robe de dentelles et au collier de diamants [qui va soucer] a sucé tout le sang du beau jeune homme, tout le génie du pauvre maestro..."
Como toda boa história romântica há encontros e desencontros, lágrimas, sofrimento e a morte dos jovens amantes fadados a perecer pelo abandono: Marthe, ante a indiferença de Roswein e esse, que segundo Carnioli, não era um músico, mas a própria música, com o desprezo de Falconieri, que parte para Gaëte com um tenor que interpretava Boadbil.
O interessante é comparar a crítica feita por Alexandre Dumas para Le Monte-Cristo, Journal Hebdomadaire, em 18/6/1857 e a de Machado de Assis para a Revista Dramática[3], no Diário do Rio de Janeiro, em 13/4/1860. Ambos, em princípio, demoram-se mais em contar a trama que tecer um comentário crítico da encenação teatral em si. Machado opta por um viés ligado ao mito bíblico da mulher fatal, Dalila, e, a partir disso, reconta o drama de um André Roswein meio ingênuo e enredado pelos enleios da Dalila Falconieri, porém, entre a fragilidade da arte e um amor fadado à ruína, opta por comentar a derrota desse amor. Dumas, contudo, escolhe um tom em que procura mostrar a arte que se exaure frente às intempéries do amor. Roswein de maestro prodígio, termina com o coração e talento corroídos pela paixão e ao fim de seus dias "n'est plus qu'un homme ordinaire, ne pouvant pas exécuter l'opéra qu'on lui a payé d'avance, et vivant, comme les domestiques, au compte de la princesse".
Porém, ambos os críticos são unânimes quanto ao vigor literário da obra de Feuillet. Machado inicia sua crítica afirmando que "Octave Feuillet, à imitação de muitos, escreveu a Dalila, como um romance em diálogos. É assim o Aldo de Georges Sand, e as cenas dramáticas de Alfredo de Musset", conclui. Dumas começa por afirmar que o Vaudeville apresenta uma obra distinguée et vivante e completa, cheio de entusiasmo: "Comme œuvre, c'est remarquable, distingué, littéraire surtout; l'auteur y a mis tout son tempérament, c'est maladif et fiévreux, enfant et vieillard. Si quelque chose fait défaut dans l'œuvre, ce n'est ni le sentiment, ni la délicatesse, ni la poésie. C'est la virilité ! Le drame est taillé en plein dans le manteau étoile de la fantaisie, il côtoie presque constamment ce précipice, qu'on appelle en art, le faux, mais s'il y penche souvent.' il n'y tombe jamais"[4].
Bref, mais uma prova de que mesmo em pensamentos, ao divagar, sempre há uma boa razão para se voltar às vacas frias e aos moutons!


Imagens: Samson et Dalila (1882), de Gustave Moreau; Octave Feuillet e página de Le Monte-Cristo, o jornal editado por Dumas.

[1] ROMERO, Sílvio. História da literatura brasileira. 5ª Ed. Organizada e prefaciada por Nelson Romero. Rio de Janeiro: José Olympio, 1954. V. 5, pp. 16171638.
[2] DUMAS, Alexandre. Le Monte-Cristo, Journal Hebdomadaire de romans, d’histoire, de voyages et de poésie. Paris : Délavier, Éditeur, 1857, p. 139-143.
[3] ASSIS. Machado de. Crítica Teatral in Obras Completas de Machado de Assis. Rio de Janeiro: W. M. Jackson Editores, 1955, p. 153-162.
[4] DUMAS, Alexandre. Op. cit., p. 139-143.

terça-feira, 20 de julho de 2010

Maupassant, Le Horla e a sífilis

Em 1494, ano que o exército de Carlos VIII, rei da França, invadiu a Itália para conquistar a cidade de Nápoles, também ficou registrado como o ano da primeira infecção em massa causada pela sífilis, doença traiçoeira devido à combinação de duas características assustadoras: a ágil capacidade de transmissão e o silêncio, já que os sintomas sequer são notados pelo portador. A invasão de 1494 ganhou, então, um atributivo: “guerra da fornicação”. Isso porque se estima que a metade dos 12000 soldados franceses que dela fizeram parte, foi acometida pela sífilis que, à época, passou a ser chamada de “mal francês”.
Ao descrever a doença, o poeta italiano Girolano Francastoro, referiu-se ao mito grego do pastor Syphilus, que amaldiçoou Apolo e foi punido com o que seria essa doença venérea, daí o nome atual – sífilis.
A doença, sexualmente transmissível, causada pela bactéria Treponema pallidum, tem três fases distintas: primária, secundária e terciária. Cada um dos estágios apresenta sintomas muito diferentes (quase, ou mesmo imperceptíveis, não mais que algum desconforto que o paciente jamais liga à doença), porém, algumas pessoas experimentam uma fase latente – sem sintomas, entre a fase secundária e terciária. Essa latência pode durar anos ou até mesmo décadas, o que faz com que muitos pensem que não estão mais doentes, quando, já em etapa avançada a sífilis causa os maiores estragos e a bactéria começa a matar os neurônios. Em fase inicial, o processo infeccioso é estancado pelo uso de antibióticos, procedimento que, no final, nem sempre é eficaz.
A origem geográfica da sífilis é muito discutida. Enquanto alguns cientistas acreditam que o mal tenha se originado no Velho Mundo, outros responsabilizam Cristóvão Colombo por tê-la levado para a Europa a partir do Novo Mundo. Independentemente da sua origem, a sífilis difundiu-se gradualmente em toda a Europa, ganhando muitas alcunhas à medida que se alastrava. Hoje, a sífilis é mais comum em países do terceiro mundo, embora casos continuem a surgir nos Estados Unidos, especialmente no sul do país.
Muitas personalidades históricas sofreram ou tiveram causa mortis atribuída à infecção por sífilis: Guy de Maupassant, Flaubert, Scott Joplin, Hugo Wolf, Al Capone, Joyce, Schubert, Beethoven, Oscar Wilde, entre outros. Em muitos destes casos, a morte foi precedida de psicose, provavelmente como resultado de neurossífilis. Leo Tolstoy teve sífilis quando adolescente, mas foi tratado com sucesso fazendo uso de arsênico. Outros, que acreditam ter sofrido de sífilis incluem Henrique VIII, Vincent van Gogh, Adolf Hitler e Friedrich Nietzsche. Na maioria dos casos, a infecção não foi documentada, mas os doentes apresentaram sintomas que sugerem fortemente a sífilis.
Maupassant contraiu a doença ainda muito jovem, por volta dos 20 anos. Os primeiros problemas apareceram a partir de 1875 ou 1876. A doença evoluiu e causou crescente desordem mental. Primeiro, sofreu de palpitações, irritações da pele e insuficiência respiratória agravada pelo fato de fumar, depois, os sintomas aumentaram. Em 1880, começou a ter problemas de visão e perdeu progressivamente a visão do olho direito. Terríveis dores de cabeça o levaram a fazer uso do éter, substância que acreditava aliviar suas constantes enxaquecas e despertar sua criatividade literária. A doença não deu trégua: Maupassant é vítima de alucinações e vê frequentemente seu double – seu outro eu. Sobre isso, escreveu a Paul Bourget: “Une fois sur deux, en rentrant chez mois, je vois mon double”. Aos 43 anos, em 6.7.1883, internado em uma clínica em Passy, se suicidou cortando a garganta.
Os críticos têm traçado o desenvolvimento de sua doença através de suas histórias semi-autobiográficas de psicologia anormal. Porém, o tema de transtorno mental está presente em La Maison Tellier (1881), publicado no auge da sua saúde. Uma das histórias mais perturbadoras de Maupassant é o conto Le Horla (1887), curiosamente, um caso de loucura progressiva rumo ao suicídio. O protagonista sem nome talvez seja um sifilítico.
Impossível não ser tocado pelo Le Horla, de Maupassant. O conto é uma história perturbadora inteiramente deslocada do tempo e do universo das fábulas, algo geralmente fornecido pelo autor. A narrativa – talvez pelo fato de soar semi-autobiográfica é uma exploração íntima, uma violação da alma humana, tal a precisão da escrita, a clareza, a delicadeza de detalhes e a escolha de cada frase, de maneira a imprimir uma tensão crescente, que se transforma em pânico e desemboca numa loucura que, pouco a pouco, em tom crescente, consome a personagem.
A exemplo de muitas histórias, outras tantas de Maupassant podem ser lidas e, depois, esquecidas. O conto Le Horla, entretanto, tem um jeito de segredo contado às escondidas, em momento imprevisível, uma confidência cercada de uma série de detalhes que impedem seu esquecimento e faz com que nos lembremos da confissão sempre que nos deparamos com um objeto, uma cor, uma luz, um som, enfim, algo similar ao que se experimentou no instante da revelação. Impossível não levar o segredo consigo por todo e qualquer lugar.
Quelle journée admirable! É 8 de maio e o herói desta história, às margens do Sena, vê passar um navio brasileiro de três mastros, todo branco, admiravelmente limpo e reluzente. Sente tanto prazer que acena alegremente para o navio. Logo, em 12 de maio, começa a sentir uma agitação que se tornará cada vez mais intensa. Nas suas alucinações, imagina um ser em forma humana, que talvez tivesse saltado do barco para assombrá-lo. Descreve-o em seu diário e afirma que ele é capaz de feitos cada vez mais improváveis: à noite, esse fantasma, vampiro - seja lá o que for, debruça-se sobre ele para beber-lhe a vida e a razão. A partir de então passa a conviver com essa criatura, numa coabitação insuportável, a ponto de providenciar que sua casa seja queimada, na esperança de se livrar desse seu double, porém, esquecendo seus empregados no interior da casa. Só então percebe que talvez a criatura esteja em si mesmo: “Non… non… sans aucun doute, sans aucun doute… il n’est pas mort… Alors… alors… il va donc falloir que je me tue, moi!”
Esse duplo – diabólico? de nome Horla soa como uma imposição, um exorcismo sem efeito. Além disso, o conto - em formato de diário, leva, evidentemente, o leitor a hesitar entre o fantástico e a loucura do narrador – no caso, do autor. Donde a pergunta: Onde acaba a realidade; onde começa a arte? De qualquer forma Le Horla soa autobiográfico, uma confissão de um autor paranóico a bordo de uma esquizofrenia galopante.
Maupassant morre três anos mais tarde, consumido pela loucura, depois de duas tentativas de suicídio. Uma história curta e eficiente, uma narrativa de equilíbrio perfeito entre a razão e a intuição. É Maupassant a buscar em seu próprio terreno Edgar Allan Poe.
Para encerrar a prosa: por que me lembrei da sífilis e de Maupassant? Inacreditavelmente, semana passada, li um artigo descrevendo o aumento da sífilis no país. Hoje, oficialmente, há um milhão de infectados, mas, acredita-se, na verdade, esse número é muito maior.
E eu que pensei que a sífilis fosse um mal do século XIX...


Le Horla - Manuscrit - Última página

La maison, maintenant, n'était plus qu'un bûcher horrible et magnifique, un bûcher monstrueux, éclairant toute la terre, un bûcher où brûlaient des hommes, et où il brûlait aussi, Lui, Lui, mon prisonnier, l'Être nouveau, le nouveau maître, le Horla ! Soudain le toit tout entier s'engloutit entre les murs et un volcan de flammes jaillit jusqu'au ciel. Par toutes les fenêtres ouvertes sur la fournaise, je voyais la cuve de feu, et je pensais qu'il était là, dans ce four, mort... Mort ? Peut-être ?... Son corps ? son corps que le jour traversait n'était-il pas indestructible par les moyens qui tuent les nôtres ? S'il n'était pas mort ? Seul peut-être le temps a prise sur l'Être Invisible et Redoutable. Pourquoi ce corps transparent, ce corps inconnaissable, ce corps d'Esprit, s'il devait craindre, lui aussi, les maux, les blessures, les infirmités, la destruction prématurée? La destruction prématurée ? toute l'épouvante humaine vient d'elle ! Après l'homme, le Horla - après celui qui peut mourir tous les jours, à toutes les heures, à toutes les minutes, par tous les accidents, est venu celui qui ne doit mourir qu'à son jour, à son heure, à sa minute, parce qu'il a touché la limite de son existence ! Non... non... sans aucun doute, sans aucun doute... il n'est pas mort... Alors... alors... il va donc falloir que je me tue, moi !...



Imagens: Ilustrações para o conto Le Horla; Guy de Maupassant e Manuscrito do conto Le Horla; todas disponíveis no Google Images.

quinta-feira, 15 de julho de 2010

Os fanqueiros literários

É inacreditável como, às vezes, os assuntos vêm até nós sem que para isso façamos qualquer esforço. É um redizer sucessivo que, acredito, seja também necessário acrescentar um ponto ao conto. Lembro-me do livro que li recentemente de Eco e Carrière onde diziam que, não raro, os livros vêm até nós. Pois afirmo que com os assuntos não muda nada.
Reli, há pouco, uma crônica machadiana de 11/9/1859, publicada em O Espelho, Revista de teatro, de propriedade de Euletério de Sousa. Embora a revista primasse pela crítica teatral, o texto de Machado de Assis é de fato uma crítica à atividade de fanqueiro literário, indivíduo que se sustentava da venda de um subproduto literário, ofício considerado pelo cronista como "obra grossa", "loja manufatora do talento", por isso o desqualificava. No século XIX, os chamados fanqueiros eram negociantes de tecidos, porém, Machado discorre sobre aquele que desenvolve uma estratégia de mercado para a edição, distribuição, divulgação e comercialização de seus próprios livretos, com expectativa de lucro - evidentemente. Machado crê que a atividade desvaloriza a literatura, pois desenvolve-se à margem da produção literária oficial.
Em suma, o fanqueiro literário era um misto de escritor, negociante e bajulador. Cultivava amizades e circulava por espaços onde desfilam pessoas que colecionavam seus folhetos em troca de cortesias desmedidas. Casamentos, nascimentos, batizados, tudo era razão para se fazerem escritores e poetas porque, como bem assinala o cronista, o fanqueiro literário tinham a espinha dorsal mais flexível, e, chegavam mesmo a valer-se do expediente da sátira ao próprio freguês. No entender do cronista, a atividade do fanqueiro literário repugna[va] à natureza da própria intelectualidade.
A repulsa do jovem e frondeur Machado é tanta que chega à fronteira do radicalismo e, pasmem! - clama pela destruição dos livros e brada: "Mas tudo isso é causado pela falta sensível de uma inquisição literária! Que espetáculo não seria ver evaporar-se em uma fogueira inquisitorial tanto ópio encadernado que por aí anda enchendo as livrarias!".
No entanto, o tipo de comércio que Machado condenava era comum nas ruas do Rio de Janeiro, tanto que João do Rio, em 1908, ano da morte de Machado, elogiava em crônica a profissionalização da atividade literária: "Hoje o scriptor trabalha para o editor e não manda vender como José de Alencar e o Manuel de Macedo por um preto de balaio no braço, as suas obras de porta em porta, como melancias e tangerinas". Estariam, então, Alencar e Macedo inclusos no rol dos fanqueiros renegados pelo Machado da juventude? Jamais saberemos. O fato é que o reduzidíssimo público leitor[1] nem sempre estava à mão: Manuela Carneiro da Cunha, ao relatar alguns hábitos comerciais vigentes no Brasil em meados do século XIX, afirma que "Por preceito, por decoro, para evitarem o espetáculo tido por indecente que os negros seminus oferecem no centro da cidade, as mulheres brancas pouco saem de casa. Em contrapartida, todo o comércio vem a elas: vendedores de flores, de maçãs importadas dos Estados Unidos, de frutas e legumes, de galinhas e perus, de livros edificantes ou de novelas, de tecidos, gorros de seda, sapatos, facas, moringas, cristais, porcelanas"[2].
Hoje, porém, já distantes dessa época, como numa espiral, tudo se repete. Há uma semana li um artigo sobre as chamadas vendas "porta a porta", segmento que, se antes era encarado como bico, hoje passou a ser a atividade principal de milhares de brasileiros. Vendem-se cosméticos, roupas, carnês, perfumes, os famosos potes plásticos Tupperware (Deixe a reunião acontecer na sua casa e ganhe um brinde!) e livros!
O interessante é que a Avon; - é inacreditável, mas me vem à memória a loirinha do filme Little shop of horrors, com sua voz agudíssima: Avon calling!, mas revenons à nos moutons: a novidade é que a Avon incluiu livros em seus catálogos e a ideia tem sido um sucesso. Em Cabreúva, a 80 quilômetros de São Paulo, conta-se que a revendedora da Avon é esperada com ansiedade. Os títulos passam por uma remodelação antes de entrar nos catálogos: são edições compactas, sem orelha, com capa simples e letras bem apertadas - o que faz o custo cair em até 50%. Os best-sellers, é claro, e os livros de auto-ajuda, são os mais procurados. Compram-se também guias para programas básicos de computador e livros destinados ao estudo para concursos públicos.
O diretor da Avon no Brasil, um peruano de nome Luis Felipe Miranda, orgulha-se: "O mais importante é saber que criamos o hábito da leitura em pessoas que não o tinham". Parabéns à ideia e viva aos fanqueiros literários modernos que, imagino, podem hoje bradar: Avon calling - books.

[1] Hélio de Seixas Guimarães em Os leitores de Machado de Assis: o romance machadiano e o público de literatura no século 19. São Paulo: Nankin Editorial; Edusp, 2004, p. 68, afirma: “Em 1872, apenas 18.6% da população livre e 15,7% da população total, incluindo os escravos, sabiam ler e escrever, segundo dados do recenseamento; entre a população em idade escolar (6 a 15 anos), que somava 1.902.454 meninos e meninas, apenas 320.749 frequentavam escolas, ou seja, 16,9%. Já em 1890, a porcentagem diminuiu: apenas 14,8% sabiam ler e escrever.” Dos 18%, apenas 2% seriam capazes de ler livros!
[2] Manuela Carneiro da Cunha, Olhar escravo, ser olhado, in Paulo César de Azevedo; Maurício Lissovsky (org.), Escravos brasileiros do século XIX na fotografia de Christiano Jr. São Paulo: Ex Libris, 1988, pp. xxvi-xxvii.
Ilustrações de Henry Chamberlain que fazem parte de uma série realizada entre 1819 e 1820, intitulada Vistas e costumes da cidade e arredores do Rio de Janeiro. Em ambas as ilustrações nota-se escravos carregando livros entre outros objetos.

terça-feira, 13 de julho de 2010

O diabo na livraria do cônego

Ao longo da história a perseguição, o martírio e o extermínio foram constitutivos da trajetória de muitos povos. Com o livro não tem sido diferente: parece-me que em sua aventura o fogo sempre foi seu mais cruel algoz. Quem já não ouviu histórias sobre a destruição da célebre biblioteca de Alexandria? Na idade moderna, porém, é difícil de esquecer os livros considerados “degenerados” que arderam nas fogueiras patrocinadas pelos nazistas. No cinema, no filme 451 Fahrenheit, o diretor Bradbury, leva a crueldade à tela e imagina uma sociedade avessa aos livros que quer a todo custo desvencilhar-se das memórias que esses objetos insistem em trazer à tona. Os bombeiros são então encarregados da destruição. Detalhe: 451 graus Fahrenheit é precisamente a temperatura necessária para a queima do papel. A representação continua nas artes: no quadro A pregação de São Paulo em Éfeso, do pintor Le Sueur, vê-se São Paulo, de pé, sobre uma estela com uma barba e uma túnica, bem ao estilo dos modernos aiatolás. Os fiéis o escutam atentamente; na parte inferior do quadro, de joelhos, um escravo negro queima livros. Aproximando-se (para quem vê a pintura no Louvre), é possível ver detalhes das páginas: figuras e fórmulas matemáticas. É o escravo, provavelmente, recém convertido, a queimar a cultura grega.
E sempre foi assim: o vencedor se encarrega, primeiro, de apagar as linhas, os traços e o saber do povo subjugado. Assim fizeram os mongóis quando invadiram o oriente, assim fizeram os cristãos na época das cruzadas (Jerusalém foi praticamente destruída quando os cruzados lá entraram!). Os espanhóis não fizeram outra coisa quando eliminaram os vestígios das extraordinárias civilizações pré-colombianas sob as ordens de Cortés e Pizarro e, na Espanha, Isabel de Castela mandou incinerar todos os livros muçulmanos encontrados em Granada. Em 2003, a biblioteca de Bagdá, também padeceu com a destruição como se ainda estivéssemos em tempos selvagens, d’antanho.
Mas, o mais triste é quando o livro conhece inimigos em seu próprio seio: em torno dos movimentos de 1968, na França, existiu um Comitê de Ação Estudantes-Escritores que agia sob ardor psicodélico. No fervor contra o ensino tradicional, tão na moda nos anos 60, o grupo clamava por um novo saber. Maurice Blanchot – acreditem! militava nesse comitê, que pedia, em especial, o desaparecimento do livro, acusando-o de manter o saber aprisionado[i].
No Brasil, a perseguição ao livro tem capítulo curioso com os movimentos ditos revolucionários, em especial a Inconfidência mineira e o Movimento democrático baiano. Muito embora rebelião armada ou transformação violenta de uma forma de governo apareçam entre muitos de seus significados, parece haver consenso geral entre os estudiosos de que a palavra revolução soa forte para definir os movimentos revoltosos brasileiros. Melhor o uso de adjetivos que, menos sonoros, se adequam com mais precisão à extensão dos acontecimentos, como sublevação, agitação ou mesmo perturbação.
“No Brasil, o processo de emancipação não chegou em nenhum momento a ser um processo revolucionário, e (...) nenhum dos homens, mesmo os mais atrevidos, que forjaram o clima de sentimentos propício à nova ordem de coisas, pensou, então, em termos de autêntica revolução”, afirma Sérgio Buarque de Hollanda em introdução ao livro Cultura e Sociedade no Rio de Janeiro 1808-1821, de Maria Beatriz Nizza da Silva; entretanto, Hollanda afirma o caráter radical da agitação baiana, apesar de considerá-la natimorta, resultado provocado por esperanças mentirosas e aspirações mal articuladas. Sobre a Inconfidência mineira, Wilson Martins[ii], lembra que muitas das “racionalizações posteriores foram ideológicas (sobretudo por parte de historiadores imaginosos), mas cujas raízes e intenções eram limitadamente econômicas”, enquanto José Veríssimo a esses acontecimentos se refere como “pomposa e impròpriamente apelidados de revoltas e até de revoluções pelos historiadores indígenas, contra o governo colonial”.[iii]
Ora, se extensos, influentes e capazes de desorganizar a sociedade e a política da metrópole ou não, para o governo reinol o que importava era eliminar a origem. E na origem das ideias conspiratórias havia a filosofia e os teóricos iluministas, termos que à época em Portugal, sobretudo politicamente, tinham conotação pejorativa e evocavam a Revolução Francesa. Voltaire, Rousseau, Montesquieu, D’Alembert, Diderot eram considerados pensadores notoriamente anticatólicos; seus nomes, portanto, sinônimos de ateu e materialista. Assim, tê-los à mão significava atuar como elemento multiplicador de ideias que iam de encontro àquelas aceitas pelo Estado e a Igreja. O desterro e a pena capital foram punições comumente aplicadas aos envolvidos, a exemplo de Tomás Antônio Gonzaga, o criador de Marília de Dirceu, que no degredo, na África, quis a vontade romântica a morte do poeta em extrema miséria física e moral. Tais fatos, porém, foram revistos e corrigidos por Frieiro a partir do estudo do Professor M. Rodrigues Lapa (Marília de Dirceu e mais poesias de Gonzaga, Livraria Sá da Costa, Lisboa, 1937).[iv]
Muito do que se sabe dos inconfidentes provém dos Autos de devassa, que Eduardo Frieiro esmiúça em seu O Diabo na Livraria do Cônego, estudo que aponta as leituras dos perseguidos poetas, oradores, eruditos, jurisconsultos e homens de ciência. Das bibliotecas aí apontadas, sem sombra de dúvida, se destaca a do Cônego Luís Vieira da Silva, lente de filosofia no Seminário Episcopal de Mariana e considerado o mais instruído e eloquente dos conjurados. Dentre livros, os quais, hoje, só nos chamam a atenção como simples curiosidades da história literária, estão aqueles que, se há muito já não influenciam os espíritos como no tempo do Cônego, nos interessam por se tratar de veículos transmissores das ideias enciclopedistas e racionalistas, enfim, o espírito da Revolução.
A atração que desperta a biblioteca de Luís Vieira da Silva não é tanto pela quantidade, já que possuía cerca de oitocentos volumes, de um total de 270 obras, mas sim a qualidade das obras ali reunidas, capazes de satisfazer qualquer exigente leitor da época. Mais da metade delas era em latim – o idioma internacional de então; havia ainda originais em espanhol, inglês e italiano e cerca de noventa deles em francês. Como se vê, homem que, embora austero e desprovido materialmente - conforme a relação dos bens sequestrados, conseguiu reunir uma biblioteca notável para o seu tempo e lugar.
A julgar pelos livros não se tem só a prova da falha dos mecanismos de censura, como também se pode atestar o adiantado e alto índice de ilustração em que viviam os inconfidentes. “Não é pois arriscado afirmar que os intelectuais de Vila Rica leram tudo o que quiseram ler”[v]. De Voltaire, Luís Vieira da Silva, possuía as Oeuvres de M. Voltaire e a obra do jesuíta l’Abbé Claude-François Nonnotte - Erreurs de M. Voltaire, de 1762. Em se considerando ser o cônego um intelectual, um ideólogo, as tais Oeuvres de M. Voltaire, provavelmente se tratavam de obras as quais o colocavam no rol dos indivíduos que ora tramavam contra os sustentáculos da ordem, suposição em parte devida às imprecisões das anotações registradas nos autos de sequestros, na maioria das vezes generalizadas, cujas indicações não se estendem para além do nome do autor.
Em se tratando ainda da biblioteca de Luís Vieira da Silva, já não é sem tempo defini-lo como bibliófilo, tal a diversidade de autores presentes em suas estantes. Nomes como Descartes, Montesquieu, Diderot, d’Alembert, Condillac, Mably, Corneille, Racine, Milton, Cícero, Suetônio, Quintiliano e Voltaire pululam entre dezenas de outros condenados ao ostracismo. Os instrumentos de censura eram claros em relação a Voltaire – baniam-no. Não por outra razão sua presença ganha destaque entre os livros do cônego. Além do que, sua leitura era conjugada a do “Contrato Social, que andava de mão em mão no Brasil, como em toda a América. [Assim] Voltaire fora o bota-fogo número um, o incendiário principal de uma época que o absolutismo dos governantes, a corrupção dos aristocratas, a depravação do clero e a licença geral dos costumes já haviam carcomido”[vi], razão pela qual o iluminista figura também entre os bens sequestrados de Alvarenga Peixoto, Coronel José Resende Costa e Cláudio Manuel da Costa, com o Essai sur la poésie épique, fonte de inspiração para Vila Rica, seu poema épico.
E é ao lado de textos revolucionários como a Fala de Boissy d’Anglas, de 30 de janeiro de 1795 e Orador dos Estados Gerais, de 1789, em cujas páginas se pode encontrar a afirmativa de que "ce sont les Nations qui ont fait les Rois, et non les Rois qui ont fait les Nations", uma heresia à época, que vamos encontrar o Dictionnaire Philosophique de Voltaire, na opinião de Borba de Moraes, o único texto que podia ser verdadeiramente taxado de ser contra ‘o Trono e o Altar’[vii], encontrado na biblioteca do tenente Hermógenes Francisco de Aguilar Pantoja.
A segunda das bibliotecas existentes à época do levante de 1798 era pertencente ao cirurgião e lavrador de canas Cipriano José Barata de Almeida, totalizando vinte e dois títulos, entre os quais, obras clássicas como Elementos de Euclides, além de Condillac, Bomare e Vertot com sua Historia das revoluçoens acontecidas no Governo da Republica Romana, de 1718.
Pouco mais de três décadas depois e todos esses acontecimentos estarão envoltos pela poeira do tempo. O cenário político-social sofrerá transformação radical. A guerra que se travará no outro extremo do país não mais será de estrito cunho ideológico; mas sim em busca da atualização, da promoção e do progresso da cultura nacional, iniciativa que se inicia logo após o governo regencial.

[i] CARRIÈRE, Jean-Claude; ECO, Humberto. Não contém com o fim do livro. Trad. de André Telles. Rio de janeiro: Record, 2010, p. 213.
[ii] MARTINS, WILSON. História da inteligência brasileira (1550-1794). São Paulo: T. A. Queiroz, Editor, Ltda., 1992, Vol. I, p. 530.
[iii] VERÍSSIMO, José. História da Literatura Brasileira de Bento Teixeira (1601) a Machado de Assis (1908). Rio de Janeiro, 1969, p. 86.
[iv] FRIEIRO, Eduardo. O diabo na livraria do cônego. Eis os fatos segundo o autor: “Mas o que temos agora como certo, segundo as informações trazidas a lume pelo Professor M. Rodrigues Lapa, é que o poeta não perdeu o juízo; ao invés disso, ‘deitou muito boas contas à sua vida’, apenas chegado ao exílio. Um ano depois estava prosaicamente casado com Juliana, jovem, rica e sem letras – perfeito ideal doméstico. Advogou, tratou com bom tino os negócios do casal, teve um herdeira que Juliana lhe deu e, com os rendimentos provindos da advocacia, acrescentados aos vultosos bens da mulher, tornou-se uma das principais pessoas de Moçambique. Num documento coletivo de janeiro de 1800, é intitulado uma ‘das principais pessoas’ daquela cidade, onde exerceu, primeiro, a função de Procurador da Coroa e, depois, a de juiz da Alfândega, elevado cargo que desempenhou até sua morte, que teria ocorrido, segundo admite o ilustre gonzaguista acima citado, em princípios do ano de 1810, talvez em fevereiro.” Veja página 87.
[v] FRIEIRO, Eduardo. Op. cit., p. 20.
[vi] Idem, p. 47.
[vii] MORAES, Rubens Borba de. Livros e Bibliotecas no Brasil Colonial. Rio de Janeiro: Livros Técnicos e Científicos; São Paulo: Secretaria da Cultura, Ciência e Tecnologia do Estado de São Paulo, 1979, p. 29.


Imagens: La prédication de Saint Paul à Ephèse, de Eustache Le Sueur (1649) - e detalhe da obra; nazistas queimando livros em Berlim, 1939; e, Jornada dos Mártires, de Antônio da Silva Parreiras, retratando a marcha dos inconfidentes presos como réus.

segunda-feira, 5 de julho de 2010

Trapaça com a língua

Há dias me veio à memória uma historieta que ouvi de uma professora que tentava incutir em mim e nos colegas a importância dos sinais gráficos. Um ponto, uma vírgula podem decidir destinos, dizia. E contava:

"Há muito tempo, em um reino muito, muito distante, numa época de guerras, os soldados, poucos antes de partirem para guerra, ansiosos e temerosos com o que pudesse lhes acontecer, procuravam uma cigana. A cigana, impassível, predizia o futuro de todos. Na guerra, claro, reuniam-se e comentavam sobre os dizeres da cigana. Constatavam então que ela dissera a todos a mesmíssima coisa. Acontece que durante as batalhas muitos deles morreram. Os que voltaram, dirigiram-se à cigana. Disseram-lhe: disse a todos nós o mesmo, no entanto, muitos de nossos amigos pereceram na guerra, e, nós aqui estamos. Pediram-lhe explicações, ao que a cigana respondeu-lhes: "Vocês é que não compreenderam bem. Na verdade disse a cada um algo diferente. Vejam: a cada um de vocês disse: Irás, voltarás, não morrerás na guerra. A cada um daqueles que ficaram disse: Irás, voltarás não, morrerás na guerra". Eis aí, a cada um a sua sentença. Dito isso, os soldados, resignados, deixaram a cigana.
O porquê dessa pequena narrativa? Trapaças em Brasília.
Semana passada li na impressa o golpe criativo do senador Francisco Dornelles, autor de uma emenda que criou polêmica sobre a abrangência da Ficha Limpa, lei votada recentemente, de inciativa popular, que o governo apostara que morreria na praia. Pois bem, o sr. Dornelles, ao constatar manchas nas fichas nada limpas de seus companheiros de tropa e, na tentativa de beneficiá-los, decidiu apelar. Partiu com sua esperteza e contou com a ingenuidade de outros, no caso, dos ministros do TSE. E o que fez Dornelles? Alterou a lei. Segundo ele, uma pequena alteração de tempos verbais. Vamos aos fatos: na Lei da Ficha Limpa, Dornelles trocou em cinco dispositivos a expressão "tenham sido" por "os que forem". Diante dessa alteração, a interpretação poderia ser equivocada, seriam inelegíveis, então, os políticos que forem condenados pela justiça - futuro, e não o que já tenham sido, ou que já foram - passado, condenados. Parece simples, não? Mas não é: essa pequena alteração equivaleria a manter a porteira aberta, ou quebrar a cerca e deixar o gado faminto (pela grana pública) invadir a plantação, regada pelo dinheiro do contribuinte e diariamente solapada pelo interesse privado.
É certo que a nova lei não vai banir de vez todos os políticos que têm ficha suja da vida pública, pois boa parte deles não têm condenação colegiada e poderá tranquilamente se candidatar nas próximas eleições. Achar que a partir de agora as eleições estarão expurgadas desse mal, puras, é pura ingenuidade, no entanto, me parece que nesse primeiro round, quem morreu na praia foi Dornelles, uma vez que os ministros do TSE consideraram que a mudança de redação introduzida no Senado foi de redação e não alterava o mérito do projeto. Parabéns ao TSE que não se deixou enredar pela emendinha malandra, supostamente ingênua, mas pensada para proteger amigos. Dornelles ficou na berlinda, embora, acredito, tenha acrescentado ao seu curriculum o quesito facilitador de candidaturas comprometidas, os famosos fichas sujas, pela intenção de trapaça na língua. Tivesse ele pensado alguma falcatrua com a vírgula, talvez até empurrasse alguma sujeira para debaixo do tapete. Felizmente não foi o caso.
Algumas historietas envolvendo a vírgula como mote:

A Fatalidade da Vírgula

Certa vez a czarina russa Maria Fyodorovna salvou a vida de um homem pela simples alteração de uma vírgula. Capciosa, ela não concordou com a decisão do marido, Alexandre II, em um determinado caso. Para isso, usou o seguinte artifício:
O Czar havia condenado o prisioneiro à morte em um calabouço, na Sibéria e ao final da ordem de prisão escrevera: "Perdão impossível, enviá-lo para a Sibéria". Maria ordenou que redigissem nova ordem e, fingindo ler o documento original, alterou a posição da vírgula, transformando a ordem para: "Perdão, impossível enviá-lo para a Sibéria".

A Vírgula e Alguns Milhões de Dólares

Inacreditável, mas uma única vírgula causou uma confusão e prejuízo enormes para os cofres do governo americano. Eis a história: na lei de tarifa alfandegária aprovada pelo congresso Americano em 6 de junho de 1872, uma lista de artigos livres de impostos incluía: “plantas frutíferas, tropicais e semi-tropicais”.
Ao redigir o documento, um funcionário público acrescentou distraidamente uma nova vírgula, alterando o texto para: “plantas, frutíferas, tropicais e semi-tropicais”.
Isso fez com que todos os importadores de plantas americanos pleiteassem o direito de importação livre de impostos, o que causou a perda de uma fortuna em impostos aos cofres dos EUA. A lei só foi reescrita em 9 de maio de 1894 e o distraído funcionário público, ao que parece, sequer foi demitido.

A Vírgula da Blasfêmia

A vírgula já causou embaraço também para os religiosos. Em várias edições da Bíblia do Rei James, no Livro de Lucas, o capítulo 23, verso 32 é inteiramente alterado por uma vírgula. Não exatamente por ela, mas sim por sua inexistência. Na passagem que descreve os outros homens crucificados com Cristo, as edições erradas dizem: “E havia mais dois outros malfeitores”. A falta da vírgula colocou Cristo como malfeitor na própria Bíblia. O correto seria: “E havia mais dois outros, malfeitores”.

Campanha dos 100 anos da ABI (Associação Brasileira de Imprensa)

Vírgula pode ser uma pausa… ou não.

Não, espere.

Não espere.

Ela pode sumir com seu dinheiro.

23,4.

2,34.

Pode ser autoritária.

Aceito, obrigado.

Aceito obrigado.

Pode criar heróis.

Isso só, ele resolve.

Isso só ele resolve.

E vilões.

Esse, juiz, é corrupto.

Esse juiz é corrupto.

Ela pode ser a solução.

Vamos perder, nada foi resolvido.

Vamos perder nada, foi resolvido.

A vírgula muda uma opinião.

Não queremos saber.

Não, queremos saber.

Uma vírgula muda tudo.

ABI: 100 anos lutando para que ninguém mude uma vírgula da sua informação.

Detalhes Adicionais : SE O HOMEM SOUBESSE O VALOR QUE TEM A MULHER ANDARIA DE QUATRO À SUA PROCURA.
Se você for mulher, certamente colocou a vírgula depois de MULHER.
Se você for homem, colocou a vírgula depois de TEM.

Imagens: Todas disponíveis no Google Images.