Revista Philomatica

sexta-feira, 28 de setembro de 2018

Do porquê de a Terra ser plana


O cenário político atual não tem sido promissor só à criatividade, mas sobretudo à crença. A semana mostrou-nos ateus convictos, envaidecidos porque o discurso Papal assemelha-se àquele repetido pela cartilha do partido. Vá lá, Marx está aí e não me deixa mentir: a religião é o suspiro da criança, o ópio do povo.
Como cada um acredita naquilo que quer, a cena política, repleta de malfeitores, de uma hora para outra viu-se povoada por um sem-número de Robin-Hoods. Muitos dizem tratar de burrice pura e simples dos eleitores, contudo, especialistas (sempre os especialistas!) dizem que nosso cérebro está adaptado a extrair informações do mundo e, nessa leitura particular que fazemos do mundo, há momentos em que os dados objetivos são completamente ignorados.
Talvez seja essa a razão de muitos eleitores acreditarem que a Terra é plana. É uma questão de fé! A fé em um Salvador da Pátria. E, como dizia Voltaire, “a fé consiste em crer nas coisas porque elas são impossíveis”. Assim, basta ver um planisfério para muitos se esquecerem da esfericidade do globo. Nossos presidenciáveis que em maioria só não frequentam as manchetes policiais porque a grande impressa, ciosa de seus interesses, criou a “coluna política”, desafiam a fé do eleitor. Afinal, completa Voltaire, “a fé consiste em acreditarmos, não naquilo que nos parece verdadeiro, mas naquilo que se apresenta como errado e falso ao nosso entendimento”. Só pela fé o cidadão pode acreditar na seriedade e honestidade dos atuais presidenciáveis.
Vá lá, o leitor não é de todo culpado, contudo é inegável sua fatia de responsabilidade nesse processo espúrio. Golpe ou não golpe, a conversa de que este ou aquele não me representa, faz parte de um discurso clichê tão rasteiro e chué que só mesmo os crentes na platitude da Terra são capazes de sustentá-lo, por isso faz-se necessária a ética ao escolher um provável candidato. Mas, como dizia, a responsabilidade do eleitor está no fato de ele vislumbrar certa vantagem adaptativa caso de seu candidato sair vencedor; hipoteticamente suas chances aumentariam em relação àqueles que optaram pelo opositor. Hipoteticamente, vírgula! As vantagens potenciais são muitas, sobretudo para aqueles entranhados à máquina, conhecedores do mecanismo.
Maria, professora universitária, não acredita que políticos tenham desviado do erário. Para ela, tudo o que lemos são teorias conspiratórias. Maria acredita que se a empresa do João superfaturou a obra para beneficiar políticos, não houve nada de irregular, não se tirou caraminguá algum do pobre, não se deixou de construir mais escolas e hospitais... E Maria é professora universitária!
Pensando em Maria, não a condeno, prefiro buscar uma razão, digamos, científica, que explique sua compreensão e opiniões. Afinal, Maria é professora universitária! Talvez não tenha que chegar a tanto: arrisco que Maria, talvez, não seja versada em media literacy. Reflito e resolvo pedir ajuda aos meus botões; aquele que sempre me acorde nessas situações resolve brincar comigo e diz: “Não esqueça, ela é...”. Interrompo-o e digo: “Já sei, já sei...”. “Professora univ...”, corta-me ele”
Não condeno Maria e vou à procura de uma explicação, mas o caldo entorna quando encontro um outro professor, um tal de Whitmore, da Universidade de Kent, afirmando que a tendência em acreditar naquilo que parece falso ao nosso entendimento é uma necessidade que o cérebro tem de “receber informações confirmantes e que harmonizem com o ponto de vista já pré-estabelecido do indivíduo”.
Em que acreditas? Qual é a sua fé, Maria? Whitmore assegura que “na verdade, pode-se dizer que o cérebro está programado para aceitar, rejeitar, confundir ou distorcer informação baseada naquilo que é visto como aceitável ou ameaçador para suas crenças pessoais”.
Como disse, Maria é profess... Ah, deixa pra lá! Não, não deixa... não! Não me conformo, minha garganta arranha "a tinta e os azulejos"... uma vontade de saber se ela não se expõe a diferentes pontos de vista. Sei que é difícil, mas praticar deliberadamente este exercício, penso, deve nos ajudar a moderar nossas opiniões, a enxergarmos outros horizontes, a nos tornarmos menos extremos, enfim, a construirmos um pensamento crítico aberto que nos leve a questionar aquilo que nos disseram desde a infância - ou que nos disseram quando nos deram a cartilha do partido para decorar. Maria, por favor, seja cética, mulher! O ceticismo é salutar, Maria!
Mas deixemos Maria com suas teorias conspiratórias, o FBI, a CIA! Devo deixá-la mesmo? Maria é professora... e uma pesquisa recente apurou que de cada 3 jovens, 1 acredita que a Terra pode ser plana! O que andará ensinando Maria???




sexta-feira, 21 de setembro de 2018

As joias da Guiné


La fantasia è un posto dove ci piove dentro. (A fantasia é um lugar em que se chove dentro.) O dito de Italo Calvino, como tantos outros, na maioria das vezes não vale por si, mas por aquilo que traz nas entrelinhas. Justaposto à ficção, no entanto, já na superfície evidencia a riqueza de expressão e a opulência de ideias que orbitam o mundo ficcional. Falemos, por exemplo, de autores reconhecidamente férteis: Alexandre Dumas, que não fica muito atrás de Balzac, exibe criatividade admirável. Seu romance, O Colar da Rainha, publicado em folhetim entre os anos de 1849 e 1850, e livremente inspirado no Affaire du collier de la reine, escândalo que frequentou o cenário político e judiciário da corte de Luís XVI na década de 1780, parece-me, dada a crônica da semana, história atual e nada ficcional.
E, como a literatura fala da literatura, é bem provável que Raul Pompéia tenha se inspirado em Dumas ao escrever As Jóias da Coroa, historieta que narra as aventuras do malandro Manuel Paiva que tenta roubar as joias pertencentes ao Duque de Bragança. Mas deixemos isto de lado! Adentremos ao real imediato: a não ser algumas pequenas coincidências, as joias e a malsucedida trapalhada, a malograda viagem do vice presidente da Guiné Equatorial ao Brasil, mostrou-se um fiasco e alimentou a crônica da semana, concorrendo com a ficção.
A Guiné Equatorial é um daqueles países da África que, criado à canetada pelas potências europeias, desenha-se como um retângulo incomodado em um de seus lados pelo Atlântico. O ponto extremo da região de Bata, no Litoral, assemelha-se a um nariz adunco e, considerando-se a fábula de Pinóquio, remete às lorotas contadas por Teodoro Obiang Mang, o vice-presidente e sua comitiva.
Explico-me ao leitor que não acompanhou as peripécias deste honrado senhor: Obiang Mang e sua comitiva de mais dez pessoas desembarcou no aeroporto de Viracopos, em Campinas, trazendo duas malas que continham nada mais nada menos que US$ 16 milhões em dólares e joias não declarados à Receita Federal. A saída para explicar tal fortuna foi a alegação de ter vindo ao país para uma consulta médica. Os incautos – e neste período eleitoral os temos em demasia – acreditaram que tal monta destinava-se ao pagamento do médico e exames.
Outros, porém – e dentre eles, este que vos fala -, desconfiaram da figura sombria do vice-presidente e de seus propósitos no Brasil. Obiang Mang, filho do ditador da Guiné Equatorial, responde a processo na França, país que o condenou a três anos de prisão por ter acumulado uma fortuna considerável, segundo os franceses, construída de modo fraudulento.
Obiang Mang, que briga judicialmente com os franceses para escapar do xilindró, talvez tenha se dado conta da seriedade jurídica dos europeus e resolveu ciscar em outros terreiros. Em 2015, juntou-se ao tráfico e resolveu financiar o carnaval carioca, em especial a Beijar Flor, escola de samba que homenageou seu país.
Também é sabido que governos recentes do Brasil sorriram às desbragadas para África, sob a alegação multiculturalista e anti-imperialista. Ideologias à parte, sinto o cheiro podre da corrupção que irmana brasileiros e africanos. Afora isto, leitor, vale refletir sobre as condições de vida do cidadão da Guiné Equatorial, que vive com menos de um dólar por dia, em miséria extrema.
A desconfiança, contudo, não deve se ater a Guiné. Há uma questão que a grande imprensa eximiu-se de fazer: em período eleitoral, a quem se destinavam as joias da Guiné? Financiariam quem, uma vez que ninguém conseguiu seguir o rastro do tão eficiente médico que submeteria o ditador a tratamento? Quais eram seus contatos no Brasil? A polícia, se quiser, descobre tudo, mas é preciso vontade e, convenhamos, tudo também depende das forças em ação, dos interesses, de modo que la corruzione è anche un posto dove ci piove dentro.