Revista Philomatica

quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

DNA de ditador

O ácido desoxirribonucleico (ADN, em português: ácido desoxirribonucleico; ou DNA, em inglês: deoxyribonucleic acid), é um composto orgânico cujas moléculas contêm as instruções genéticas que coordenam o desenvolvimento e funcionamento de todos os seres vivos e alguns vírus. Essa estrutura, descoberta conjuntamente pelo estadunidense James Watson e pelo britânico Francis Crick em 7/3/1953, lhes valeu o Prêmio Nobel de Fisiologia ou Medicina em 1962, juntamente com Maurice Wilkins. A descoberta como se vê, é impar. No entanto, os renomados cientistas foram obtusos: detiveram-se no estudo da genética e seus implicadores - moléculas, vírus, proteínas, etc, para então afirmar o principal papel DNA - armazenar as informações necessárias para a construção das proteínas. Esqueceram-se, porém, de especular se tais moléculas ou proteínas determinam o perfil ideológico, o que, invariavelmente, determinaria não só o universal direito de escolha do indivíduo, como também sua capacidade em aceitar as escolhas do outro. E, como se sabe, negar ao outro seu natural direito de escolha é tolher sua liberdade, é ser um pouco ditador. É uma espécie de síndrome do pequeno poder: eu gosto do vermelho, portanto, todos, sem exceção, devem gostar do vermelho. Caso contrário, merecem ser punidos, banidos, seja lá o que for. Parece óbvio, não é? Mas a síndrome existe e, parece-me, sempre esteve atrelada ao genoma humano, desde seus primórdios. O problema, porém, se complica quando a síndrome, de seus aparentes sinais patológicos, é ampliada e ganha dimensão de metástase. Migra para esferas mais altas e poderosas. Aí, nesse plano dita-se normas, condutas, gostos e tudo o mais.

Fernando Báez, escritor venezuelano (prova de que a Venezuela, felizmente, está muito além de Chaves), escreveu um livro interessantíssimo, que vale a pena ler. Trata-se de História Universal da Destruição dos Livros. Não é preciso dizer mais nada. Saber, por exemplo, que Platão queimou livros é um tiro no pé. Pois é, Platão, na juventude, quando conheceu Sócrates, queimou todos os seus poemas. Mais tarde, fez o mesmo com os tratados do filósofo Demócrito, muito provavelmente para esconder a semelhança de suas ideias com as de seu inimigo.

Báez, traça um percurso aterrador da destruiçào dos livros ao longo da história. O objetivo, claro, sempre foi erradicar a memória e o patrimônio de ideias que as diferentes civilizações depositam nesses objetos aparentemente inofensivos. Ocorre, porém, que uma vez abertos, as palavras ali guardadas ganham vida, ressoam, o que faz deles, os livros, potencialmente perigosos. As razões para a destruição são várias e vão desde o medo, o ódio, a intolerância e a soberda, até a infinita sede de poder.

Como de costume, a história é narrada pelo vencedor. Ao perdedor, nesses casos, a única possibilidade de construir uma narrativa fica por conta de arqueólogos e historiadores - os não oficiais. Nas guerras a preocupação maior, uma vez vencida a batalha, é apagar a memória do outro. E é isso que Báez nos conta em seu estimulante livro. O último dos exemplos é a completa destruição da Biblioteca de Bagdá, quando da invasão norte americana. Tabletas de argila dos sumérios, de 5300 anos, arquivadas na Biblioteca, desapareceram. Nossa mídia, sempre atenta, preferiu o silêncio.

O autor, em seu percurso, nos mostra exemplos contundentes: a destruição da biblioteca de Assurbanipal, talvez o primeiro grande colecionador de livros da antiguidade, pelas tropas de Senaquerib; a queima de papiros patrocinada por Akhenatón, o primeiro faraó monoteísta, assim que sucedeu Ramsés II; a destruição constante de livros na Grécia Antiga, o que fez com que, das 120 obras incluídas no catálogo de Sófocles, hoje só nos restassem sete!; a destruição da Biblioteca de Alexandria, cujo acervo foi, ao longo de seis meses, usado para acender o fogo dos banhos públicos da cidade (A Biblioteca, estima-se, possuía perto de um milhão de livros. Ali havia papiros com textos de Hesíodo, Platão, Górgias e Safo, entre tantos outros.).
Há ainda a biblioteca de Aristóteles, desaparecida logo após a morte de Alexandre Magno, de quem foi tutor. A série de destruições continua e se aproxima de épocas mais documentadas: quem já não ouviu falar da obra de Umberto Eco, O Nome da Rosa, que narra a progressiva destruição da Poética, estudo de Aristóteles dedicado à comédia? O esforço da Igreja é incomparável e vem até o século XIX com seu famoso Index. Representada ora por São Paulo, que lutou contra o que considerava 'livros mágicos', ora pelas Cruzadas, que destruiu milhares de manuscritos quando da chegada da Quarta Cruzada a Constantinopla, ora pelo papa Inocêncio III, que ordenou a queima da obra de Abelardo (o da Heloísa), ora pelo Santo Ofício, que excomungou a obra de Lutero, ora por Felipe II, que fortaleceu a censura católica... e por aí vai. A França, quem diria... a França também patrocinou a queima de livros. Carlos IX ordenou a queima de livros que considerava perigosos. Voltaire, teve Dictionnaire Philosofique, banido. A Revolução Francesa estimulou a destruição de livros: foram mais de 8 mil queimados em Paris. A Comuna de Paris, em 1871, fez o mesmo.

A lista, infelizmente, é enorme. Não se pode esquecer ainda de Hitler, de Pinochet, de Fidel, da Revolução Cultural Chinesa, do Kmer Vermelho, no Camboja, da ditadura Argentina, das tropas russas na Checênia, enfim, todos, ditadores ou ditaduras, que não suportam a opinião e a memória do outro. Todos, sem exceção, com desvio ditatorial de DNA.

Nota: História Universal da Destruição de Livros; Fernando Báez, Editora Ediouro.
Fotos: O Pentateuco, livros, antigos, estrutura do DNA.

quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

Conto clichê e quase pornô

Dizem que há quinze anos Deoclécio já era tão falado e conhecido quanto é hoje. Homem alto, forte, fazia-se impressionar logo à primeira vista pela vasta cabeleira loura e pelos olhos azuis feito duas bolinhas de gude. Filho de fazendeiro da vizinha Rio das Antas, Deoclécio, ele, descendente de alemães que se instalaram na região logo no final do Império, puxara ao pai, que puxara ao avô, que puxara ao bisavô, que viera para este Brasil desconhecido logo que soubera por um Conde amigo seu que aqui a riqueza sobejava das matas e dos mananciais. Na família, diziam que o ancestral viera para se estabelecer nas Minas Gerais, mas, encantado com o sul, acabara ficando. E ali, na pacata Rio das Antas, que naquela época nem vilarejo era, acabou fincando pé o bisavô, o avô e o pai de Deoclécio.

Certa vez alguns membros da família, revoltosos, armaram motim para que fosse feita a partilha e a mudança para Mato Grosso, onde, diziam aqueles, era lugar ideal para se aumentar o patrimônio.

Deoclécio, com a parte que lhe coube, partiu para não muito distante, a mais pacata ainda, se comparada a Rio das Antas, a pequena Morro Branco que, como qualquer vila do interior, tinha tudo o que era preciso para a tranquilidade dos não muito ambiciosos, que buscavam a paz do dia-a-dia, sem surpresas.

Com uma fazenda de porte médio e alguns empregados, Deoclécio começou a prosperar atraindo para a pequena cidade um frigorífico que se incumbia do abate do gado que ele e mais três outros fazendeiros sangravam regularmente.

O trabalho tomava-lhe quase todo o tempo, pois tinha certo de que o princípio deve ser repleto de todo esforço para que então pudesse vislumbrar a fartura. Havia dias em que, junto dos empregados, apartava o gado, o que o levava à exaustão. Sabia, porém, que tudo isto era necessário, visto que, se deixasse ao léu, nas mãos dos poucos empregados, corria o risco de ver seu esforço perder-se.

Foi num desses dias de completa exaustão que Deoclécio passou no boteco de seu Raimundo à procura de uma bebida forte. O cansaço tomava-lhe o corpo por completo.

Pensava, a cada gole, na caminhada de volta que teria que desenhar até a fazenda. Naquele final de julho o frio teimava em se fazer forte e Deoclécio sentiu um leve frêmito percorrer-lhe o corpo. Tremeu por um instante. Num impulso colocou as mãos entre as pernas distendendo os braços ao mesmo tempo em que soprava a bebida depositada no copo sobre a mesa. Observava as pequenas ondas que o sopro de ar produzia na bebida, que rebatia nas bordas do copo. Aos poucos, adicionava mais vodka e depois soprava, vendo o pequeno furacão que se formava ao centro. Já perdido nos domínios de Baco cuspiu no copo e depois soprou percebendo a densidade do cuspe que atrapalhava as pequenas ondas, desenhando novos contornos. Em seguida desviou os olhos do copo e passou a observar o chão, que era composto de velhos tijolos que antes fizeram parte de uma construção qualquer e hoje, gastos, resistiam em meio às cusparadas e ao catarro que grudava nas solas dos bêbados, dos operários, dos bóias-frias, do mulherio, das gentes da cidade.

Deoclécio esfregava as mãos na tentativa de afugentar o frio. Enquanto fazia isto começou a pensar por que é que sempre o frio lhe oprimia mais as mãos. Sentindo os dedos congelados meteu as mãos de novo entre as pernas e continuou a friccioná-las para que, no contato com as calças, pudesse esquentá-las. Com o movimento, Deoclécio sentiu seu sexo enrijecer-se e, como estivesse todo encolhido e tenso, incomodou-lhe a dor provocada pela pressão das calças. Como que para livrá-lo de uma força contrária, Deoclécio meteu uma das mãos entre as calças e começou a massageá-lo.

No boteco, na penumbra do canto onde estava, excitava-lhe a situação de estar entre outros homens com o pau duro, teso, pronto para o sexo. Inconsciente, Deoclécio engoliu um outro gole de vodka e libertou o primeiro botão das calças. Com uma das mãos dentro das calças conseguiu livrar a cueca, que lhe apertava. O que o fez voltar a si foi a gargalhada de Jairo, um negro falante, conhecido pelas piadas que interpretava. Neste instante, Deoclécio, que até então fitava os tijolos sem nada ver, levantou os olhos e deparou-se com Zulmira.

Solto pela bebida, Deoclécio olhou uma, duas vezes. Não acreditava. Zulmira era a encarnação do próprio pecado. Os peitos saltavam-lhe através do decote avantajado. Sua cor de jambo acentuava seus lábios carnudos como que pedindo para serem mordiscados. Deoclécio desceu o olhar para as ancas de Zulmira e, sem controle qualquer, começou a se masturbar dentro do boteco. Não ouvia nada, só via; a imagem de Zulmira dançava a sua frente em câmara lenta, gelatinosa, desfocada às vezes, nítida logo depois, ora se aproximando, ora flutuando e alçando vôo. Os lábios de Zulmira se movimentavam enquanto falava com seu Raimundo. E à medida que a via rindo e falando Deoclécio intensificava os movimentos que, presos por causa das calças obrigavam-no a esticar as pernas numa procura de espaço, enquanto sua mão trabalhava desenfreadamente, num frenesi. Deoclécio começou a despir Zulmira com os olhos enquanto se masturbava. Num êxtase crescente, apostava corrida com as mãos de seu Raimundo, que colocava a mercadoria sobre o balcão, e Zulmira, que falava e ria. Deoclécio acelerava os pensamentos e a masturbação até que, no ápice do gozo, ouviu a risada aveludada de Zulmira que ele completou com um grito. Grito de gozo e prazer. Todos, sem exceção, voltaram-se para ele.

Uma cabeleira loura que cobria parte de um copo caído sobre a mesa foi o que Zulmira viu pouco antes de sair.

____ Tá delirando!, disse Zulmira.

Deoclécio, sem forças, pensou mais uma vez no caminho de volta antes de tirar a mão de entre as calças sujas de porra pelo recente gozo. Um gozo para Zulmira.

Nesta noite, durante a madrugada, Deoclécio acordou várias vezes e em todas tentava reconstituir em detalhes o perfil de Zulmira. Na última das vezes em que acordou ouviu os passos quietos de Irene. Levantou-se meio trôpego pelo sono e entreabriu a porta. Não tardou um quarto de hora e Irene entrou e se aconchegou entre as cobertas junto de Deoclécio que, fingindo dormir, esperava pelos afagos da galega. Nua, Irene encostou-se em Deoclécio, roçando por inteiro o corpo frondoso do homem. Quase nunca se falavam, tudo era feito silenciosamente e isto agradava tanto a Deoclécio quanto a Irene e também ao seu marido que, sabia, ficava espiando pela fresta da porta.

Relaxado, Deoclécio se submetia às carícias de Irene que nunca pedia nada em troca (o marido meio que se intitulara capataz da fazenda, o que Deoclécio permitiu sem mais inconvenientes). Pouco depois Irene esgueirou-se como cobra por entre as cobertas e começou a roçar-lhe com os lábios desde o pescoço. À medida que sua boca úmida escorregava pela barriga, Deoclécio sentia gelar a espinha e pedia mais. Agora pedia imaginando ser Zulmira.

Irene, obediente, trabalhava com a boca e com a língua sofregamente, enchendo de lambidas e chupadas toda a pélvis para depois, como presente, apanhar com a boca úmida o pênis de Deoclécio e começar a chupá-lo, sorvendo e lambendo cada contorno. Deoclécio puxou as cobertas para o lado e, deitado de costas, contemplou aquela visão que o encheu de um tesão maior. Irene chupava-o prostrada, como que em oração, com os peitos desenhando em suas coxas duas paralelas com os bicos intumescidos.

Ávido, Deoclécio sempre queria mais. Foi quando disse a Irene que a queria inteira.
____ Já sou sua seu Deoclécio – respondeu com cara de gula e os cabelos emaranhados pelo rosto, descabelada ao extremo.
____ Quero te comer todinha – disse Deoclécio, empurrando-a e sobrepondo seu corpo ao dela.
____ Não, não posso. Sou mulher casada.

Irritado, Deoclécio tentou à força, mas a mulher se esperneou e no desespero chegou a esbofeteá-lo para, logo em seguida, sair do quarto correndo. Meio atordoado, Deoclécio ainda pôde ouvir os passos do marido que a acompanhava de volta aos aposentos, que ficavam num outro anexo.

Cansado e sem querer nada entender, adormeceu.

Passou-se algum tempo e Deoclécio só fazia pensar em Zulmira. Perguntava à quase totalidade do mulherio de Morro Branco, pois acreditava que na cidade todas se conheciam; umas diziam nada saber, outras diziam ter ela ido visitar a tia em São Paulo, o que mais tarde acabou se confirmando.

Os dias lhe contemplavam com o brilho e o azul que antecedem a primavera. Nesse tempo passou a ocupar-se da riqueza que o fazia prosperar rapidamente. As noites, algumas delas, eram gastas com as putas da cidade já que Irene não mais o visitara desde o dia em que tentara possuí-la. Sabia, entretanto, que as chupadas que lhe fremiam a espinha agora eram do negro Manecão, boiadeiro que contratara há pouco, atlético e bem dotado, segundo as putas de Morro Branco.

Morro Branco era uma cidade singular. Todos supunham que por ter ela sido colonizada por europeus é que se assemelhava hoje a um pequeno burgo. Na cidade despontavam cidadãos que seriam considerados clichês da comédia humana a qualquer tempo. Prefeito, delegado, padre, comerciantes, fazendeiros, beatas, putas e explorados, todos compunham o quadro de uma vida cujas mazelas eram muito mais frequentes que os raros momentos de felicidade, apesar de as beatas clamarem por eles quase todo o tempo e, na ausência, culparem descaradamente as putas. Estas, lideradas por Madame Sarah, pouco se preocupavam, e a cada frege ecumênico, como diziam, respondiam às beatas com passeios cada vez mais ousados.

Madame Sarah, por sua vez, pouco se abalava com a produção de qualquer pequeno estardalhaço provindo da cidade. Mulher forte e decidida, conhecia profundamente a posição que ocupava. Jamais se esquecia do esforço que tivera que dispender para galgar estorvos que sempre se interpuseram a sua frente. Do alto de seu porte físico e de sua cabeleira ruiva era respeitada até mesmo pelas religiosas, prova disto é que, no advento de qualquer ameaça contra o meretrício, Madame Sarah raramente era citada. Em Morro Branco reinava absoluta, merecendo o respeito dos religiosos e o conluio dos poderosos da cidade.

Dona Margarida, a líder das beatas, organizadora de uma ou duas passeatas culpava a geografia e sempre dizia que, fosse a residência de Madame Sarah na parte baixa da cidade, teria ela muito mais condições de escorraçá-la para bem longe. As ameaças não passavam daí, o que confortava Madame Sarah, fazendo-se mesmo singela com Dona Margarida, se bem que esta nunca respondeu aos cumprimentos da outra.

Dotada de uma geografia cansada, Morro Branco ainda tem o que muitas pequenas cidades têm: um morro – assim como Itabira teve o seu, no alto esquerdo, para quem olha da igreja. A igreja, é claro, no centro da praça. A prefeitura também do lado esquerdo da igreja, na rua que leva o nome do avô de Deoclécio. Há ainda um centro assistencial liderado por Dona Margarida que, segundo dizem, funciona melhor que redação de jornal e agência de notícias. A delegacia - que também é prisão, na maioria das vezes abriga alguns bêbados e arruaceiros, além de um casario que, sabe Deus porque, é predominado de um fulvo entremeado de um vermelho fogo e um azul céu esplendor.

Por razões desconhecidas do populacho, Madame Sarah não só adquirira, como também habitava a antiga construção que coroava o morro da pequena cidade. De início, enfrentara a desconfiança de muitos dos poderosos que, hoje, em sua companhia passavam as horas livres. As beatas, porém, continuaram desconfiadas e acreditavam que a casa possuía uma passagem secreta, pois, muitas das mulheres, quando do desaparecimento de seus maridos, tinham certeza de que eles estavam no morro, mas depois de horas vigiando a entrada, não viam ninguém nem entrar nem sair.

A casa possuía muralhas espessas à maneira de uma construção medieval.

Quando chegou à cidade, Madame Sarah tratou de estabelecer contatos com os influentes, pois sabia de outras épocas do ranço que imperava nestas pequenas povoações. Tranquilidade assegurada, procurou restaurar o que restava da velha construção. Muitos que imaginavam aquilo um dia poder virar museu se perguntavam onde aquela mulher teria arrumado tanto dinheiro para comprar a construção, feito que nem a prefeitura conseguira.

As beatas logo ligaram o poder de compra à profissão, respondendo a todas as dúvidas emergentes, porém, logo após a restauração se apaziguaram. A razão? Simples. Madame Sarah mandara cobrir de gerânios as bordas da rua que dava acesso a casa. Eram frequentes, depois, singelas senhoras e virgens inocentes posando para fotos ao lado das flores en fleurs.

Havia noites em que por uma mágica qualquer, quase todos os homens do povoado desapareciam. Nessas noites a casa de Madame Sarah se iluminava e parecia avivar mais ainda o branco que cobria as paredes fazendo, mesmo à noite, justificar o nome do pequeno vilarejo.

Lá dentro, nas festas afrodisíacas, das personalidades presentes ora faltava um, ora outro, porque afinal de contas ninguém é bobo, muito menos as beatas. Em meio aos prazeres discutia-se política, história, religião; tramava-se golpes e ardis e, acima de tudo, tentava-se adivinhar quem teria sido o primeiro habitante deste pequeno castelo que nomeara o vilarejo e que, apesar das intempéries, mantinha-se forte. Mas isto não durava muito tempo não, pois quando as divagações divagavam, Madame Sarah apimentava a festa com garotas para lá de apetitosas.

Era a alegria geral!

Morro Branco tinha sim muitas vantagens; uma delas era que a natureza antecipava sempre a primavera, agora com muito mais flores. As encostas do morro floresceram de mil cores depois que Madame Sarah contratou um especialista em fazer chover sementes.

Na semana que antecedeu ao sete de setembro só não percebeu quem era mesmo muito descuidado: todos os homens, sem exceção, pareciam compartilhar alguma coisa em comum.

As mulheres, por sua vez, ansiosas e ao mesmo tempo angustiadas por saberem do que se tratava, fizeram de tudo. Dona Margarida, na condição de líder, chegou a desviar verba do fundo de assistência aos carentes na tentativa de subornar um espécime masculino. Pagou pela informação errada.

No sete de setembro, na missa pela Pátria, alguma coisa acontecia.

Os homens esperavam com ardor e um fervor histérico - jamais visto, a reunião noturna pelo progresso, que seria realizada em Rio das Antas, cidade vizinha.

Pouco depois da meia-noite Madame Sarah adentrou-se triunfante ao salão principal de sua reservada, porém pública e sofisticada fortaleza. A essa hora todos já sabiam o que tanto antes almejaram; Madame Sarah trouxera de São Paulo, acreditem se quiser, uma virgem de lábios de mel e cabelos negros qual as asas da graúna, que agora, era disputada a preço de ouro, de gado e de tudo mais que se possa imaginar. Todas essas negociatas eram caracterizadas por uma discrição tamanha que, mesmo entre os interessados, o tom de voz não ultrapassava o habitual e a linguagem adquiria um signo totalmente adverso e desigual à semântica que se propunha.

Num jogo aparente e teatral todos se portavam como se nada os interessasse. Momentos depois, Zulmira apareceu suntuosa ao lado de outra jovem tão parecida a ela que diziam ser uma só.

Deoclécio, ante a visão, quase teve uma vertigem e repentinamente jurara ter Zulmira só para si. No cair da madrugada declarara à Madame Sarah sua paixão pela moça, deixando um carro e algumas cabeças de gado à proprietária do morro e jurando casamento, para a decepção de toda a assembleia presente.

Passada uma semana Zulmira já estaria instalada em sua casa.

...

Na cama Deoclécio acariciava Zulmira pensando na primeira na noite em que estiveram juntos. Agora, passado o calor daqueles momentos, ainda pensava se alguém acreditara quando Madame Sarah comentara a inocência de Zulmira; sabia desde o início que fora enganado, mas não se importava. Todavia não conseguira dizer nada quando, perguntando a Zulmira sobre seu ar ingênuo e virginal, ela, meiga e sedutora, disse: “Ora, amor, por você faço tudo!” E metendo a mão dentro de suas calças, explicou: Madame Sarah é muito desenvolvida quando se trata de relações, são outros conceitos entende? E, de mais a mais, para você sou virgem, acabei de ser sua pela primeira vez. Isto já bastou, Deoclécio sentiu-se dominado ao extremo.

Agora nada mais tinha valor e só de lembrar-se da tarde anterior voltava a se excitar. Gozara tanto que seu sexo, duro, latejava ao imaginar a série de lances que marcaram a última transa que tivera com Zulmira. Resolvera ausentar-se alguns dias do trabalho, para melhor aproveitar esses momentos de descoberta com sua beldade.

Lembrou-se ter sido acordado por Zulmira, no dia anterior, que, nua arranhava-lhe o pescoço com os dentes, mordendo-lhe as orelhas. Deoclécio sabia que ia fazer tudo que fizera na noite anterior e um pouco mais, já que Zulmira era dotada de uma imaginação surpreendente e ele deixava-se levar. Zulmira começou a beijá-lo ardentemente enquanto lhe bolinava, apertando-o às vezes. Em um momento Zulmira apertou-o tanto que Deoclécio sentiu o prazer da dor. A partir daí entregou-se totalmente. Foi quando Zulmira mordeu-lhe o peito para, em seguida, sentar-se sobre seu sexo ereto, ansioso por penetrá-la. Deoclécio sentiu o calor de possuí-la aos poucos e Zulmira, como que trotando, subia e descia vagarosamente, levando-o à loucura.

Quando os gemidos de Deoclécio ganharam proporção animal Zulmira saiu como uma gata e, apanhando duas fitas vermelhas que até então estavam depositadas ao lado da cama, passou a amarrá-lo na cabeceira. Deoclécio sentia-se leve e deixou-se dominar. O fato de não poder erguê-la com seus braços fortes lhe intrigara um pouco, mas logo concordou com o jogo de Zulmira, que lhe tapou os olhos com uma terceira tira. A sensação de estar perdido e de estar sendo violado no âmago, na alma, fazia-no mais excitado, ao mesmo tempo em que seu sexo, teso, doloria, agitava as pernas. O próximo passo foi Zulmira amarrar-lhe as pernas. Imobilizado e vedados os olhos, Deoclécio deixou-se levar prestes ao gozo. Sentiu-se tomado por uma paixão intensa, contrária a qualquer fio de razão, pois imaginava-se num outro plano. Sentiu mesmo sua boca adormecer. Sentia a linha tênue entre a razão e a loucura. Jamais acreditara que o prazer pudesse chegar a tal êxtase.

Achava-se louco e acreditava que Zulmira, agora, eram duas. Estava delirando, pois era impossível que Zulmira fosse capaz de fazer tudo o que sentia. Com os olhos vedados, Deoclécio chupava Zulmira avidamente, chegando a introduzir quase que inteira sua língua no sexo de Zulmira, depois de tê-la explorado em cada milímetro. Esforçava-se por mais, procurando dar-lhe um prazer maior. Ao mesmo tempo, sobrepondo-se aos gemidos de Zulmira, alguém lhe sugava o sexo, engolindo-o inteiro. Deoclécio tinha dificuldades para respirar quando Zulmira retirou-lhe dos olhos a venda e, no êxtase, a surpresa de Deoclécio foi nenhuma, vendo a prima de Zulmira chupar seu sexo com gula. O tesão dominava-o por completo. Aos poucos Zulmira foi libertando-o e Deoclécio ora penetrava Zulmira, ora sua prima virgem, como passou então a chamá-la, sempre alternando as posições. Acreditava ter feito quase tudo quando a prima de Zulmira implorou-lhe que lhe fodesse o cu. Deoclécio, generoso, não se fez de rogado e penetrou-a com vontade. Neste instante Zulmira posicionou-se frente à prima que lhe chupava primeiro os peitos e depois o sexo com ardor. Suas mulheres gozaram prazerosamente para, depois, passarem a chupá-lo, dividindo seu sexo como um troféu. Deoclécio, depois de amar Zulmira e a prima, ouviu os passos de Irene. Não se importou.

...

Ontem, logo de manhã dirigiu-se ao povoado à procura do delegado para que viesse ver Irene que, não se sabe por que, suicidou-se de maneira bizarra, inovando. Mais que pesar, provocou surpresa e muita conversa entre o populacho.

terça-feira, 26 de janeiro de 2010

Só de sacanagem! (Elisa Lucinda)




Só de Sacanagem - (Elisa Lucinda)

Meu coração está aos pulos!
Quantas vezes minha esperança será posta à prova?
Por quantas provas terá ela que passar?
Tudo isso que está aí no ar, malas, cuecas que voam entupidas de dinheiro, do meu dinheiro, que reservo duramente para educar os meninos mais pobres que eu, para cuidar gratuitamente da saúde deles e dos seus pais, esse dinheiro viaja na bagagem da impunidade e eu não posso mais.
Quantas vezes, meu amigo, meu rapaz, minha confiança vai ser posta à prova? Quantas vezes minha esperança vai esperar no cais?
É certo que tempos difíceis existem para aperfeiçoar o aprendiz, mas não é certo que a mentira dos maus brasileiros venha quebrar no nosso nariz.
Meu coração está no escuro, a luz é simples, regada ao conselho simples de meu pai, minha mãe, minha avó e dos justos que os precederam: "Não roubarás", "Devolva o lápis do coleguinha", " Esse apontador não é seu, minha filhinha".
Ao invés disso, tanta coisa nojenta e torpe tenho tido que escutar.
Até habeas corpus preventivo, coisa da qual nunca tinha visto falar e sobre a qual minha pobre lógica ainda insiste: esse é o tipo de benefício que só ao culpado interessará.
Pois bem, se mexeram comigo, com a velha e fiel fé do meu povo sofrido, então agora eu vou sacanear: mais honesta ainda vou ficar.
Só de sacanagem!
Dirão: "Deixa de ser boba, desde Cabral que aqui todo o mundo rouba" e eu vou dizer: Não importa, será esse o meu carnaval, vou confiar mais e outra vez. Eu, meu irmão, meu filho e meus amigos, vamos pagar limpo a quem a gente deve e receber limpo do nosso freguês.
Com o tempo a gente consegue ser livre, ético e o escambau.
Dirão: "É inútil, todo o mundo aqui é corrupto, desde o primeiro homem que veio de Portugal".
Eu direi: Não admito, minha esperança é imortal.
Eu repito, ouviram? IMORTAL!
Sei que não dá para mudar o começo mas, se a gente quiser, vai dá para mudar o final!

Veja vídeo com Ana Carolina:






Foto: Elisa Lucinda, Google Images
Vídeo: Ana Carolina - You Tube

segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

Avatar e seus clichês

Sábado último resolvi enfrentar a chuva e ver Avatar, de James Cameron, a coqueluche da hora. A caminho, um amigo se disse surpreso por ter eu me rendido ao cinema comercial americano. Primeiro clichê: não se deve ler ou ver nada comercial. Mas, cá entre nós, leitor: você nunca, 'nunquinha', teve lá seu dia brega, de estar em um lugar qualquer, ouvir uma música do Fábio Júnior, se deixar embalar pela melodia e ficar com aquela canção martelando por horas a fio no seu ouvido? Ou ter ido ao cinema só para curtir, relaxar, sem se obrigar a papo cabeça, a teorias ecléticas, muitas das quais apanhadas aqui e ali e, sem qualquer fecho que as façam valer por si só? É isso: fui ao cinema, paguei pra ver um filme 3D, só para ter um momento détente. O que tem isso?
É claro que vi clichês desde o início. Impossível não se lembrar da colonização europeia na América, quando essa ainda se mostrava de natureza exuberante, intocada por mãos ambiciosas e menos puras, enfim, quando ainda fazia valer mitos como o do Paraíso na terra (leia Visão do Paraíso de Sérgio Buarque de Holanda) ou o bon sauvage, de Rousseau. Eis aí outro clichê.

Antes que continue a deslindar os clichês, bom saber que eles não são lá muito bem vistos pela crítica. Sinônimos de chavão ou lugar comum, essas expressões idiomáticas, usadas reiteradas vezes, em contextos dissociados daqueles de origem, enfim, gastos pelo tempo, perdem o sentido, e o tiro sai pela culatra, ou seja, têm efeito inesperado e contrário quando usadas, empobrecem o texto.

Talvez seja por isso que muitas cabeças pensantes criticam o filme; excesso de clichês, muito embora se saiba que a crítica especializada tem falado bem do filme. Mas, vamos aos clichês: 1. devassar, sem piedade, um paraíso, nisso inclue-se a população nativa, ingênua e indefesa, subjugada pelo opressor; 2. o opressor é mau mesmo, do começo ao fim da história, não tem piedade ou qualquer nesga de arrependimento como se vê em dramas água com açúcar (no filme o coronel só morre no finalzinho com duas flechadas no peito); 3. o mocinho invasor fica com a mocinha nativa (quem não conhece a historinha de Pocahontas?); 4. o guerreiro ou invasor, seja lá o que for, infiltra-se entre os nativos, conhece seus hábitos e costumes para, depois, melhor subjugá-los; 5. o guerreiro, em combate renhido, irá defrontar o inimigo e derrotá-lo; 6. a mocinha, que também é guerreira, luta heroicamente ao lado do mocinho (aqui, o mito das amazonas, é só ler sobre Francisco de Orellana que, em 1541, rumo ao imaginário País da Canela, aparentemente depois de atravessar a foz do Madeira, deu de cara com as míticas amazonas) e, finalmente, 6. herói e mocinha ficam juntos e felizes para sempre, ou seja, a narrativa, tem até o fim, palavra temporal e lógica, que obedece ao modelo cultural que marca o pensamento de organização ocidental, da poética e da lógica, ou seja, a catarse do espectador está completa - começo, meio e fim, não se deixa o cinema com aquela cara de ué, mas o filme não acabou.

Li muita bobeira de gente mal 'jantada'. Li até que Cameron conseguiu transformar Sigourney Weaver em uma tiazona chata. Outro clichê: chata ou não, quem já não teve uma tiazona? Ou ainda, como fugir do inelutável destino de transformar-se em uma tiazona (isso para elas e para eles!). Comparações com 2001 - Odisséia no espaço, Star wars, Alien, Matrix, etc, que poderiam ter sido ingredientes para Avatar, isso deixo para cinéfilos. Eu quis me divertir e, confesso, viajei nos efeitos e na natureza exuberante mostrada no filme (Puro surto de criatividade! Ótimo.). Esta, mais um clichê: quando a vemos ser destruída não há como não se lembrar do que fazemos diariamente com nosso já moribundo planeta. Aí, me pergunto: a vida não é feita de clichês? Veja-se aqui, na terrinha onde ainda tem palmeiras e o sabiá teima em cantar: não saber de nada já não é um clichê? A imprensa notíciou há dois dias que foi descoberta transferência de verbas da Petrobrás para a Fundação Sarney, (Ele de novo!) e ele, claro, não sabia de nada! Assim, como o Genuíno do PT não sabia que haviam depositado pequena fortuna em sua conta bancária e seu irmão, José Nobre Guimarães, transportava valor equivalente a um prêmio de loteria na cueca, ou mala, sei lá. Exemplos aparecem aos montes: 'o cara' que não sabia de nada (falo do Mensalão), aliás, nunca soube de nada e, mais recentemente, o Sr. Panetone, em Brasília, que embora tenha sido filmado em flagrante ato de propina, insiste que não sabe de nada... É tudo clichê. A verdade é que, clichês ou não, empobrecem... e muito, o país.
Foto: Google Images.

sábado, 23 de janeiro de 2010

Ermida do Guaibê: patrimônio histórico e descaso secular

Às margens do canal de Bertioga, próximo à balsa que liga Guarujá a Bertioga, jaz a Ermida do Guaibê, também conhecida por Capela ou Igreja de Santo Antônio de Guaíbe (ou Guaibê). Em tempo: jaz, do verbo jazer, que lembra jazigo, sepultura, ou seja, aquilo que permanece em estado ou condição tal que parece não existir, que está enterrado. Pois bem, é esse o estado atual da Ermida do Guaibê. Está literalmente enterrada entre a vegetação e o descaso do Poder Público e das instituições responsáveis pela conservação do Patrimônio Histórico. Malgrado as poucas iniciativas tomadas (Ministério Público Federal - leia abaixo), a situação permanece quase inalterada. Quase, porque quando lá estive, notei a ausência de pedras seculares que faziam parte do portal da igreja - roubadas não se sabe por quem. Também havia um novo barraco em construção, diga-se, em local onde se pretende criar o Parque Arqueológico São Felipe. É lamentável o ritmo das iniciativas públicas. Qualquer empresa privada que tralhasse em tal velocidade, estaria fadada ao fracasso. E parece-me ser este o destino da Ermida - o fracasso, o que, no caso, é seu total desmoronamento.
Construída por volta de 1560 (afirma-se também que foi entre os anos de 1563/1565), por José Adorno, a Ermida que, no século XVII, já foi chamada de Capela de Santo Antônio da Armação, tem suas ruínas localizadas no extremo nordeste da Ilha do Guaíbe ou Santo Amaro (Guarujá). A importância histórica dá-se pelo fato de que naquela região ocorreram acontecimentos marcantes para a história do Brasil. Ali desembarcou a armada de Martim Afonso de Souza, dando início ao povoamento da Capitania de São Vicente. Ali ocorreram os grandes conflitos entre portugueses, tupiniquins e tamoios, interrompidos graças à intervenção dos jesuítas José de Anchieta e Manoel da Nóbrega. A Ermida, afirma-se, é um patrimônio setecentista, embora muitos estudiosos acreditem tratar-se de ruínas remanescentes de uma capela construída no século 16, onde José de Anchieta e Manoel da Nóbrega pregavam e catequizavam os índios. Ali afirma-se, José de Anchieta teria escrito seu célebre poema Milagre dos Anjos.
A Ermida jaz em completo abandono, sem que o Poder Público adote medidas para sua recuperação e preservação. Há uma trilha pela qual se chega até o conjunto arquitetônico: um muro secular que traça o entorno da Ermida e a capela propriamente dita, com o aspecto do abandono ressaltado pelas inúmeras pichações deixadas por frequentes visitas de vândalos, além do que, não há qualquer sinalização que indique a existência das ruínas e seu valor histórico. O local permaneceu por muito tempo esquecido, em razão da densa vegetação que escondia por completo as ruínas. Armando Lichti mandou limpá-las, em 1945, mantendo-as em condições de acesso e visitação turística. Fez isso enquanto viveu, de lá para cá, parece-me, nada foi feito. Espera-se que um dia, nos subterrâneos da burocracia, alguém tropece nos documentos do referido patrimônio e resolva de vez iniciar os trabalhos de sua recuperação. E detalhe: não se pode esperar muito por tal tropeço, caso contrário, quem cai é a Ermida.

Fontes: www.novomilenio.inf/guaruja/gfoto009.htm e site do Ministério Público Federal?SP
Nota: No site do Ministério Público Federal, em Notícias do MPF, há documento disponível, de 25/6/2008, com o seguinte título: MPF/SP recomenda que Iphan preserve patrimônio no Guarujá. A notícia começa assim: "O Ministério Público Federal em Santos (SP) recomendou ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) que apresente, em 45 dias, um relatório com diagnóstico completo das atuais condições estruturais e dos riscos mais evidentes de degradação, desabamento ou qualquer outra condição que cause danos às ruínas do Forte de São Luiz, da Armação da Baleia e da Capela de Santo Antônio do Guaibê." Sobre o inquérito, diz o Ministério Público: "Em um inquérito civil, realizado pelo Ministério Público Federal, foi apurado que o patrimônio arqueológico está em total estado de abandono, sujeito à ação modificadora e destrutiva por condições climáticas e de tipologia da vegetação verificada na área. Outro risco detectado é a ocupação da área por moradores, particulares e populações caiçaras, inclusive sobre áreas do próprio sítio da Armação das Baleias, além de pichações. Para o procurador da República Antonio Arthur Barros Mendes, autor da recomendação, os problemas fundiários ali existentes em virtude de a área ser composta de terras da União, do estado e do município e a ocupação das terras por parte de populações caiçaras não são motivos para que o poder público fique inerte, permitindo a deterioração progressiva dos bens tombados.'É necessário que o Iphan assuma a iniciativa de preservação e coordene juntamente com as autoridades estaduais e municipais o processo de intervenções necessárias para a preservação do sítio', afirma. A atual persistência dos órgãos responsáveis pelo patrimônio em manter uma postura passiva diante dos problemas pode levar os monumentos tombados a perder suas feições atuais, o que acarretaria em uma maior dificuldade de manutenção e pesquisa das ruínas e, conseqüentemente, no seu desaparecimento, com danos irreparáveis à memória da formação da sociedade brasileira. Consulte: http://noticias.pgr.mpf.gov.br/noticias-do-site/meio-ambiente-e-patrimonio-cultural/25-06-08-mpf-santos-recomenda-que-iphan-preserve-patrimonio-no-guaruja/.

sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

Língua viva

É sabido que a língua, a exemplo de um ser vivo, tem lá suas transformações. Nós, os humanos - satirizam, nascemos, crescemos, passamos por um momento de total confusão mental (nem todos!), nos casamos, procriamos e morremos. O ciclo da vida: começo, meio e fim. Pois bem, com as línguas dá-se o mesmo. Os hieróglifos egípcios estão aí como prova: desvendou-se seus significados, porém, a oralidade (a fonética) foi totalmente perdida, além do que, se você me trouxer um habitante qualquer que se comunique usando os tais hieróglifos, retiro tudo o que disse. O latim, idioma internacional no século XVII, hoje, está restrito a pequenos grupos que o falam mais por pura nostalgia que necessidade. Os motivos das mudanças são vários. A dinâmica segue a lógica inexorável do atual processo de globalização mundial, o que, naturalmente, traz suas implicações culturais. A homogeneização de mercados financeiros e a livre circulação de capitais, inclui-se aí, a estabilidade das moedas, tem seu correspondente cultural: padrões e comportamentos culturais se equalizam e a longo prazo, diferenças flagrantes que marcam determinadas culturais, passam a ser vistas como exóticas, mantidas apenas como parte da historicidade cultural, do folclore. Certo é que o exemplo não se ajusta tão bem, mas veja-se o caso dos índios pataxós, na Bahia. Hoje, tiveram sua área indígena demarcada pela FUNAI e tentam recriar os ritos de seus ancestrais, contudo, o que se vê, é um grupo de baianos desinibidamente cantando canções do grupo Ciclete com Banana, dançando a dança do tchan e outras cositas mais. Vi em um noticiário, uma adolescente da tribo que simplesmente desconhecia polvilho de araruta, diga-se, tubérculo que fazia parte da ração diária de seus antepassados. Mas revenons-en à nos moutons (o francês tem essa expressão para quando, numa conversa, a prosa toma outro rumo, aí, para voltar ao assunto anterior, é preciso voltar aos carneirinhos). Pois bem, o fato é que línguas ficam soberanas por determinados períodos da história, a exemplo do latim já comentado aqui, e depois deixam de existir como comunicação com a ruína desses impérios ou sobrevivem através de uma transformação, um esfacelamento, como o que ocorreu com as línguas neolatinas que, originaram, entre outras, o português nosso de cada dia. Hoje, parece, não mais é necessária a ruína de impérios, o mercado dita a regra: a globalização financeira e da tecnologia, dos meios eletrônicos e da comunicação, criam jargões específicos que poderão, creiam, ser usados por qualquer pataxó - deletar, orkut, facebook, you tube, twitter, spam... Mesmo as resistências ideológicas sucumbem à fidelidade de mercado. Mas tudo isso foi pra falar de algo que ocorre em círculos mais estreitos e que, de certa maneira, é resultado desse enorme turbilhão em que vivemos. Ontem, num ônibus ouvi o seguinte diálogo: __ E aí véi? ___Oh, mano, maió nóia onti. ___ E a mina lá? ___ Se sabe. Tá ligado, bati o maió Kaô na oreia dela (fim do diálogo). Me perguntei: que língua estão falando? Fiquei sem entender se ET eram eles ou eu. Acho que envelheci, assim como envelhecem as palavras. Pra divertir, segue uma lista que recebi com mudanças ocorridas desde os anos 70 até hoje, dias politicamente corretos e não raro, hipócritas:

ANTES e AGORA ; ANTES e AGORA
favela - comunidade ; empregada doméstica - secretária do lar
creme rinse - condicionador ; faxineira - diarista
obrigado - valeu ; É complicado. - É foda.
Vou verificar. - Vou estar verificando. ; collant - body
madureza - supletivo ; rouge - blush
vidro fumê - insufilm ; ancião, coroa - véi
Posso te ligar? - Posso te add? ; tingir uma roupa - customizar
bailinho e discoteca - balada ; dar no pé - vazar
japona - jaqueta ; embrulho - pacote
nos bastidores - making off ; lycra - stretch
cafona - brega ; tristeza - deprê
programa de entrevistas - talk show ; beque - zagueiro
reclame - propaganda ; rádio patrulha - viatura
calça cocota - calça cintura baixa ; atlético - sarado
paquerar, flertar - dar mole ; peituda - siliconada
oi, olá, como vai? - E aê? ; cópia, imitação - genérico
professor de ginástica - personal trainning ; curtir, zoar - causar
quadro negro - lousa ; babosa - aloé vera
Mamãe, posso ir? - Véiaaaaaa, fui! ; lepra - hanseníase
legal, bacana - maneiro, irado ; Ave Maria! - Affff!!!!
mulher de vida fácil - garota de programa ; caramba - caraca
legal o negócio - xapado o bagúio ; namoro - pegação
pasta de dente - creme dental ; laquê - spray
cansaço - stresse ; De montão! - Pra carai!
desculpe - foi mal ; derrame - AVC
Oi, tudo bem? - E aê, belê? ; chapa dos pulmões - raio-x do tórax
ficou chateada - ficou bolada ; médico de senhoras - ginéco
Sua benção, papai. - Qualé, coroa! ; superlegal - irado
Você tem certeza? - Fala sério aê! ; banha - gorgura localizada
primário e ginásio - ensino fundamental ; casa de fundo - edícula
preste atenção - se liga na bagaça ; bar no fim do expediente - happy hour
por favor - quebra essa ; costureiro - estilista
recreio - intervalo ; negro - afro-descendente
radinho de pilhas - ipod ; professora - tia, prof
manequim - modelo atriz ; aquele senhor - aquele tiozinho
retrato - foto ; Bela bunda! - Que popozão!
jardineira - macacão ; Amorrrrrrr!!!! - Bennhhêêêêê!!!!!
mentira - kaô ; saquei - tô ligado
Olha o barulho! - Ó o auê aí ó! ; Entendeu? - Copiou?
folhinha - calendário ; gafe - mico
fofoca - babado ; ha ha ha !!! - uhauuuuuuuuuuuu!
fotocópia - xerox ; bola ao cesto - basquete
brilho labial - gloss

E por aí vai.....

Foto: Página de livro antigo em latim - Google Images; SPQR é um acrônimo para a frase latina Senatus Populusque Romanus. A tradução é "O Senado e o Povo Romano".


quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

Supérfluo: desnecessário, caracteriza gratuidade, extravagância, etc

Dias desses soube de uma campanha provocativa do Ministério da Cultura da Itália. Trata-se de expor pelas ruas do país imensos painéis com obras de arte sendo transportadas para fora do país. Ali estão David, de Michelangelo, içado por helicópteros e suspenso por cordas; o Coliseu sendo demolido por guindastes; a Última Ceia, de Da Vinci, sendo transportada pelas ruas de New York... O intuito é, através da provocação, sensibilizar os cidadãos italianos a valorizar o próprio acervo cultural, diga-se, invejável. Nos cartazes, pode-se ler: "Se non lo visiti, lo portiamo via". (Se você não nos visitar, vamos levar embora.) Não sei porque, numa fração de segundos, meus neurônios acessaram informações de arquivo esquecido. Ligaram dados, estabeleceram conexões e, via de regra, pensei nos livros. Pensei no teatro, pensei nas artes. As artes, dizem, não só espantam a ignorância do universo humano como traduzem sua sensibidade; nelas e por meio delas expressamos certa fineza da alma, certa genialidade. Talvez por isso esteja cada dia mais acontonada em guetos e exercida por grupos. Talvez sempre tenha sido assim. A massa não se envolve, é conduzida. Veja-se na Itália, é preciso provocar, para se ver o que é sublime. No Brasil, há décadas, séculos, vivemos problemas semelhantes. No início dos anos 90, me lembro de ter participado de um encontro com atores que encenaram Fedra, em Campinas. Fernanda Montenegro, afirmava ser o teatro um ato de resistência. Ainda me soa nos ouvidos sua fala: "Se os teatros forem fechados, certamente não haverá nenhuma passeata, nenhum protesto na praça com as pessoas gritando: queremos teatro, queremos teatro". Ou seja, teatros fechados, o que se veria e verá é a completa indiferança à arte.

Exemplo latente é o caso na Biblioteca Mário de Andrade. Fechada para reforma desde o início de setembro de 2007, com promessa de ser reaberta em julho de 2008 (Isto está escrito nas placas ao lado da biblioteca.) até hoje continua... em reforma e fechada. Não soube de um cristão que tenha elevados sua voz aos céus (voz alta ainda que seja na imprensa) para implorar ao poderoso - ou poderosos, que agilizem a reabertura do templo do saber. Eu aguardo ansioso. Espero que haja lá uma sala de leitura, silenciosa, onde possa dedicar-me à leitura (Antes não havia. Só se podia entrar e consultar livros do acervo.) Espero também que os arredores sejam mais limpos e convidativos. É constrangedor ter que desviar dos corpos entorpercidos e em prostração que normalmente jazem pelas calçadas. Como se vê, mais uma prova de que o envolvimento com a arte é restrito, embora seja ela alardeada todos os dias pela mídia, ou seja, é coisa para categorias marginais - amantes da leitura, do teatro, da pintura,.. das bibliotecas. Pena é que, em se tratando da biblioteca, não podemos sequer usar o slogan italiano se non lo visiti. Visitar como? Quando? A sensação que fica é de que tudo isto é supérfluo. Já os shoppings...
E já que o assunto é a Biblioteca Mário de Andrade, em São Paulo, bem que se poderia reservar parte do vil metal da generosa verba destinada à reforma para erigir uma escultura a Machado. A que está no Rio de Janeiro, em frente ao Petit Trianon, como é chamado o edifício da Academia Brasileira de Letras, é de autoria do escultor Humberto Cozzo e um dos símbolos da casa, afinal, impossível desvincular da instituição a imagem do escritor, visto ter sido ele um dos que mais lutaram por sua criação. Também no Rio, no Centro Cultural Banco do Brasil, ao lado da Academia, adendo do Prédio Austregésilo de Athayde, no segundo andar, há o Espaço Machado de Assis. Homenagens da cidade a um de seu mais ilustres cidadãos. Acontece, porém, que Machado, literariamente, extrapolou as fronteiras cariocas. (A saber: Machado, em vida, não foi só até Niterói como dizem, mas chegou até Barbacena e, pelos relatos, parece ter voltado com mais apreço pela cidade maravilhosa.) Na literatura é patrimônio nacional. Camões, Goethe (A de Goethe, se não me trai a memória, já foi roubada.) Dante (Esta, depois da reforma na Praça D. José Gaspar, ficou no meio de uma passagem de pedestres e tem seu pedestal implorando por cuidados!), Cervantes e Chopin estão representados nos arredores da Mário de Andrade. Por que não Machado? É preciso abaixo-assinado? Se for o caso, redijo a introdução e começo a espalhar os tais dos spams. Aí cabe a São Paulo.
Notas: Revenons-en à nos moutons: a expressão é usada para chamar a atenção para um assunto do qual se falava. teve sua origem na comédia La Farce du Maître Pathelin, do século XV, de autor desconhecido.
Título: parte da definição dada pelo dicionário Houaiss para a palavra supérfluo.
Fotos: Cartaz do Ministério da Cultura da Itália - A Última Ceia sendo transportada pelas ruas de New York e fachada da Biblioteca Mário de Andrade.

terça-feira, 19 de janeiro de 2010

Proteção aos animais

Ontem, assinei mais um abaixo-assinado em defesa dos animais. O documento em questão não só solitava a assinatura, como também trazia uma série de fotos aterradoras mostrando como o homem??? consegue transformar a vidas dos animais em verdadeiro inferno. O maltrato aos judeus, conhecido como holocausto, tornou-se o mais indigno exemplo de como o homem pode tornar-se contra seu semelhante, embora haja gente??? como o tal Mahmoud Ahmadinejad, presidente do Irã e cortejado pelo "cara", que insiste em dizer que o morticínio não existiu. Caso Roosevelt não tivesse orientado seus soldados a fotografar e documentar a dimensão da tragédia, é bem possível que hoje tudo não passasse de ficção à maneira dos filmes de guerra hollywoodianos. Já li que na Inglaterra houve uma determinação do governo para não se discutir a ocorrência do holocausto nas escolas afim de não ferir a sensilibidade dos muçulmanos, já que, evidentemente, a questão iraniana e o nome do tal Mahmoud viriam à tona. Até que ponto isto é verídico, não sei, mas se existir lá um fio de verdade, é deplorável tanto quanto negar o holocausto. Isto tudo para falar do lado B do ser humano, diga-se, lado nada humano e que, comparando-se com os animais, leva até o mais obtuso a se questionar: quem são os verdadeiros animais?
Machado, em crônica de 12/4/1896 - A Semana, relata a indenização de 60 contos de réis paga ao proprietário de um cavalo, morto por um dos carros da Companhia Vila Isabel. O cronista conclui: "Não é demais, tratando-se de um animal de fina raça. Conheço pessoas que não valem tanto..." Prova de que, em algum instante, o cronista desconfiou da superioridade humana. Em inúmeras outras crônicas Machado, volta-se aos animais. Vejamos:

Crônica de 15/3/1877 - História de Quinze dias: "... E querem saber por que detesto as touradas? Pensam que é por causa do homem? Ixe! é por causa do boi, unicamente do boi. Eu sou sócio (sentimentalmente falando) de todas as sociedades protetoras dos animais. O primeiro homem que se lembrou de criar uma sociedade protetora dos animais lavrou um grande tento em favor da humanidade; mostrou que este galo sem penas de Platão pode comer os outros galos seus colegas, mas não os quer afligir nem mortificar. Não digo que façamos nesta Corte uma sociedade protetora de animais; seria perder tempo. Em primeiro lugar, porque as ações não dariam dividendo, e ações que não dão dividendo... Em segundo lugar, haveria logo contra a sociedade uma confederação de carroceiros e brigadores de galos. Em último lugar, era ridículo. Pobre iniciador!..." Como se nota, o cronista ainda descrê da criação de uma sociedade protetora dos animais, afinal, o lucro...


Crônica de 13/2/1889 - Bons Dias: "...Fiquei meio jururu, porque o principal motivo que me levara a procurar a dita pessoa, não era aquele, mas outro. Era saber se existia a Sociedade Protetora dos Animais.

Afinal, prestes a ir ver o cometa, tornei atrás e fiz a pergunta. Respondeu-me que sim, que a Sociedade Protetora dos Animais existia, mas que tinha eu com isso? Expliquei-lhe que era para mim uma das sociedades mais simpáticas. Logo que ela se organizou, fiquei contente, dizendo comigo que, se Inglaterra e outros países possuíam sovidades tais por que não a teríamos nós? Prova de sentimentos finos, justos, elevados; o homem estende a caridade aos brutos...

Parece que ia falando bem, porque a pessoa não gostou, e interrompeu-me, bradando que tinha pressa; mas eu ainda emiti várias frases asseadas, e citei alguns trechos literários, para mostrar que também sabia cavalgar livros. Afinal, confiei-lhe o motivo da pergunta; era para saber se, havendo na Câmara Municipal nada menos de três projetos ou planos para a extinção dos cães, a Sociedade Protetora tinha opinado sobre algum deles, ou sobre todos.

A pessoa não sabia, nem quis meter a sua alma no Inferno asseverando fatos que ignorava. Saberia eu o que se passava em Quebec? Respondi que não. Pois era a mesma coisa. A sociedade e Quebec eram idênticas para os fins da minha curiosidade. Podia ser que os três projetos já a sociedade houvesse examinado quatro ou mesmo nenhum; mas, como sabê-lo?

Conversamos ainda um pouco. Fiz-lhe notar que os burros, principalmente os das carroças e bondes, declaram a quem os quer ouvir, que ninguém os protege, a não ser o pau (nas carroças) e as rédeas (nos bondes). Respondeu-me que o burro não era propriamente um animal, mas a imagem quadrúpede do homem. A prova é que, se encontramos a amizade no cão, o orgulho no cavalo, etc., só no burro achamos filosofia. Não pude conter-me e soltei uma risada. Antes soltasse um espirro! A pessoa veio para mim, com os punhos fechados, e quase me mata. Quando voltei a mim, perguntei humildemente:
__ Bem; se a Sociedade Protetora dos Animais não protege o cão nem o burro, o que é que protege?
__ Então não há outros animais? A girafa não é animal? A girafa, o elefante, o hipopótamo, o camelo, o crocodilo, a águia. O próprio cavalo de Tróia, apesar de ser feito de madeira, como levava gente na barriga, podemos considerá-lo bicho. A Sociedade não há de fazer tudo ao mesmo tempo. Por ora o hipopótamo, depois virá o cão.
__ Mas é que o ...

__ Homem, vá ver o cometa; morro do Nheco, à esquerda."


Aqui o cronista trabalha com as incoerências: ao passo que já existe uma Sociedade Protetora dos animais, na Câmara Municipal correm outros três projetos para a extinção dos cães. Em outras crônicas o cronista trata ainda do emprego os animais como vítimas de estudos que, segundo ele, em nada os beneficiam, mas tão somente o próprio homem. O apreço de Machado pelos animais não se resumia às paginas literárias. Conta Lúcia Miguel Pereira, autora de Machado de Assis: estudo crítico e biográfico, que certa ocasião, Machado e Carolina, que haviam se afeiçoado exageradamente a uma cachorrinha chamada Graziela - uma homenagem a heroína de Lamartine, passaram por um susto, pois o animal desaparecera. Machado movimentou-se ao extremo até que a cachorrinha da raça tenerife fosse encontrada.



Contudo, Muitas são as vozes em favor deles, os animais:



Os animais, como o homem, demonstram sentir prazer, dor, felicidade e sofrimento. – Charles Darwin

Eu dei a minha beleza e a minha juventude aos homens. Agora dou a minha sabedoria e a minha experiência aos animais. – Brigitte Bardot

O cão é a virtude que, impelida de tomar forma humana, fez-se animal. – Victor Hugo

O destino dos animais é muito mais importante para mim do que o medo de parecer ridículo. – Émile Zola

Ao estudar as características e a índole dos animais, encontrei um resultado humilhante para mim. – Mark Twain

Quanto mais conheço os homens, mais estimo os animais. – Alexandre Herculano

O homem tem feito na terra um inferno para os animais. – Arthur Schopenhauer

Não te envergonhes se, às vezes, os animais estejam mais próximos de ti do que as pessoas. Eles também são teus irmãos. – São Francisco de Assis

Acredito que os cães podem falar, mas para não se envolverem nas mazelas humanas, preferem latir. – Victor Hugo

Chegará o dia em que o homem conhecerá o íntimo de um animal. E, nesse dia, todo o crime contra um animal será um crime contra a humanidade. – Leonardo da Vinci

Os animais foram criados pela mesma mão caridosa de Deus que nos criou... É nosso dever protegê-los e promover o seu bem estar. – Madre Teresa de Calcutá

Só que teve um cão sabe o que é ser amado. – Friedrich Nietzsche

Ninguém se pode queixar da falta de um amigo, podendo ter um cão. – Marquês de Maricá

Maltratar animais é demonstrar covardia e ignorância. – Leon Tolstói

Falai aos animais, em lugar de lhes bater. – Leon Tolstói

Entre a brutalidade para com o animal e a crueldade para com o homem, há uma diferença: a vítima. – Lamartine

Os animais dividem conosco o privilégio de terem uma alma. – Pitágoras.
Foto: Pierre, Le chat.


Dados: Machado de Assis: estudo autobiográfico, Lúcia Miguel Pereira, 6a. edição, Belo Horizonte: Itatiaia: Editora da Universidade de São paulo, 1998.

domingo, 17 de janeiro de 2010

Escândalos na Academia

Ontem comentei sobre a missa de Joaquim Nabuco que será realizada em 17.1.2010 e que promete jetom para os imortais que nela estiverem presentes. Em momento algum falei em escândalo. Hoje, porém, lembrei-me do formidável livro de Brito Broca, A Vida Literária no Brasil 1900. O capítulo VII traz como subtítulo: Escândalos na Academia. Indício de que os subterrâneos da instituição oferecem argumentos, assaz intrigantes, para uma boa narrativa à la Dan Brown. Questão de pesquisa. Mas voltemos a Brito Broca. Dentre outras picuinhas, Broca relata fato que abalou o conceito da instituição no meio intelectual do país: a eleição de Mário de Alencar. Era 1905, Mário de Alencar tinha como concorrente Domingos Olímpio, autor de Luzia-Homem, considerado um autor em plena maturidade e consagrado pela crítica, que dirigia ainda a revista Os Anais, onde publicava O Almirante. A vaga a preencher fora aberta com a morte de José do Patrocínio. Mário, no entanto, nada produzira que justificasse sua eleição para a Academia. Ainda moço, as justificativas para sua escolha limitavam-se aquilo que hoje comumente denominamos QI (Quem Indica). Veja-se: Mário, a seu favor apresentava-se como herdeiro de um nome ilustre - era filho de José de Alencar, além é claro de ser pupilo de Machado de Assis. Publicações? Apenas duas coletâneas de versos. Tudo levava a crer que Domingos Olímpio seria o eleito, porém, boatos surgiram de que a eleição de Mário estaria garantida devido ao amparo de dois padrinhos poderosos: Machado de Assis e o barão do Rio Branco. Final da história: em eleição realizada no dia 31 de outubro de 1905, Mário ganhou a eleição com 17 votos, Domingos Olímpio obteve 9 e um candidadto menor, o padre Severiano de Resende, apenas um, certamente o seu. Comentou-se à época que Machado, propositadamente, se esquecera de computar o voto de Oliveira Lima a favor de Domingos Olímpio, além do que, sua 'panelinha' trabalhara arduamente em favor de Mário de Alencar. A derrota de Olímpio gerou protestos na imprensa, com críticas n'O Correio da Manhã (2.11.1905), n'O País (1.11.1905), na Tribuna de Petrópolis e outros mais.


Tudo isto, porém, ocorria entre as pessoas ditas les gens de lettres. Hoje, sabe-se que a envergadura do leque de imortais é considerável. Lá temos José Sarney, que corre o risco de receber jetom. Dele, lembrei-me hoje ao ouvir comentário de Salomão Schvartzman, intitulado: Roberto Campos tem o direito de ser considerado uma das maiores inteligências do Brasil do século XX. Schvartzman começa seu comentário com essas palavras: "Não sei se você já conseguiu ler algum livro do senador José Sarney. É que quando você larga o livro, você não consegue mais pegá-lo." O jornalista afirma ainda dar-se exatamente o contrário com A lanterna na popa, de Roberto Campos, uma autobiografia que tornou-se best seller, não só um livro referência sobre o Brasil, mas que também traça um panorama da política, do poder e da economia mundial nos últimos 50 anos. Pois bem, Schvartzman fez um apanhado geral das ideias de muitas das personalidades citadas e que Campos transformou em leis. Aí vão elas:
  • Lei de Churchill: A democracia é a pior forma de governo, exceto as outras.
  • Lei de Lenin: É verdade que a liberdade é preciosa, tão preciosa que é preciso racioná-la.
  • Lei de Stalin: Uma única morte é uma tragédia, um milhão de mortes é uma estatística.
  • Lei de Khrushchov: Os políticos em qualquer parte são os mesmos, eles prometem construir pontes mesmo quando não há rios.
  • Lei de Henry Kissinger: O ilegal é o que fazemos imediatamente, o inconstitucional é que exige um pouco mais de tempo.
  • Lei de Mark Twain: Um banqueiro é um tipo que nos empresta um guarda-chuva quando faz sol e exige-o de volta quando começa a chover.
  • Lei de Randolph (constituinte da Convenção de Filadélfia): O mais delicioso dos privilégios é gastar o dinheiro dos outros.
  • Lei de Getúlio Vargas: Os ministérios se compõem de dois grupos: um formado por gente incapaz, outro por gente capaz de tudo.
  • Lei de Delfim Neto: A primeira vez que o governo manifestou alguma preocupação com a agricultura, foi quando José Serra mandou um jornalista plantar batatas.
  • Lei de José Maria Alkmin (antigo Ministro da Fazenda): Dele se dizia que era capaz de trocar de meias sem descalçar os sapatos.
  • Lei de Millôr Fernandes: O problema da democracia é quando o povo toma o palácio e não sabe puxar a descarga.


A lanterna na popa, dado o apanhado acima, deve ser delicioso. São 1460 páginas, em dois volumes e fartamente ilustrado com fotos que cobrem meio século de vida brasileira.
Editora: Topbooks, Autor: ROBERTO CAMPOS , ISBN: 8574750387 , 4a. edição. 2002.

Nota: A Vida Literária no Brasil 1900, Brito Broca, Editora José Olympio, 4a. edição, 2004.




sábado, 16 de janeiro de 2010

Os mortos governam os vivos

Dias desses comentando o desejo nada oculto do nosso presidente, que disse querer ser lembrado como um repeteco de Getúlio Vargas, mencionei o aforismo usado repetidas vezes por Machado em suas crônicas de A Semana - os mortos governam os vivos. Em crônica de 5.11.1893, o cronista relembra personagem criada por José de Alencar, na comédia Verso e Reverso, que a todo instante que alguém entra em cena, tasca a pergunta: ___ Que há de novo? Dito e feito. O cronista, por pilhéria, resolve aplicar a mesma brincadeira. Em suas andanças pelo centro do Rio de Janeiro, assim que cruza com um conhecido e este lhe pergunta o que há de novo, responde: __ O terremoto. A partir daí segue-se uma sucessão de mal entendidos, com alguns de seus interlocutores afirmando terem mesmo ouvidos estrondos e sentido as paredes estremecerem. Na verdade o cronista fizera, por brincadeira, referência ao Terremoto de Lisboa, ocorrido há um século e meio. Uma prova de que, por sugestão, os mortos governam os vivos.
Hoje, os exemplos são infinitos. Veja-se, esta semana. No mais aterrador dos exemplos está o terremoto no Haiti. A prioridade, agora, é desfazer-se dos mortos, para que esses não levem os ainda vivos atrás de si. Desfazer-se dos mortos equivale a limpar a área, prevenir doenças, respirar ar menos fétido, enfim, algo doloroso, porém, necessário para se continuar a viver.

A semana nos deu ainda outras manchetes de que os mortos governam os vivos: Elvis segue entre os mais lucrativos, com ganho de US$ 55 milhões em 2009 - Não é incrível? Alguém morto há trinta anos e ainda assim fatura tanto?!, ao passo que muitos dos cantores atuais já ganham disco de ouro por míseras 25 mil cópias vendidas!; outro do além que ainda apronta por aqui: Michael Jackson lidera venda de discos nos EUA em 2009 - se bem que este foi-se há pouco e, acreditando-se em energias extrasensorias e outras 'cositas', ainda deve exercer alguma influência entre os vivos, até porque as gravadores fazem o possível e o impossível para que ele não faça a inelutável passagem.

De todos os exemplos o mais burlesco foi o produzido pela Academia Brasileira de Letras. Explico-me: A Academia resolveu encomendar uma missa para comemorar o centenário de Joaquim Nabuco, que se realizará em 17 de janeiro. Até aí, maravilha. Nabuco não só merece esta, mas outras tantas homenagens. O detalhe fica por conta de que o imortal que comparecer receberá jetom. Pode?! Trata-se da primeira missa da história com jetom. A moda pegou. Não bastasse lá no Congresso! Como vês, leitor, mais um caso em que os mortos governam os vivos. É Nabuco a patrocinar uma graninha extra para os imortais. Em tempo: Será que o Sarney estará presente, ou vai embolsar o jetom mesmo sem comparecer, como se faz lá em Brasília? Machado, meu Deus!, esteja onde estiver, não está acreditando...
Foto: Fachada da Academia Brasileira de Letras - Rio de Janeiro

sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

Quando a vida imita a arte

Essa é lá da terrinha. Bem, primeiro a arte: não faz lá tanto tempo, foi em 2004, que estreou o filme O Terminal, com Tom Hanks. Hanks interpretou Viktor Navorski, um cidadão da Europa Oriental em viagem para Nova York, justamente quando seu país sofre um golpe de Estado, razão pela qual tem seu passaporte invalidado e sua entrada barrada nos Estados Unidos. A solução mais óbvia seria voltar, porém, isto será impossível. As fronteiras de sua terra natal foram fechadas após o golpe, o que obriga Viktor a improvisar seus dias e noites no aeroporto, à espera de que logo a situação se resolva. Ali, Viktor descobre o complexo mundo do terminal onde está 'preso', já que essa situação se arrasta por meses a fio. Personagem carismático, torcemos por Viktor e até entenderíamos o governo americano gastar com ele algum punhado de doláres.
Agora a vida: Heinz Müller, piloto alemão aposentado, já há 80 dias no Brasil (está nos jornais de hoje) e desde o dia 2 de janeiro, ilegal, hoje está 'hospedado' na Psiquiatria do Hospital das Clínicas da UNICAMP, mas anteriormente ficou por 13 dias vivendo tranquilamente no saguão do aeroporto de Viracopos, em Campinas. Chegou ao Brasil em 29 de outubro passado, após o rompimento de um caso amoroso que mantinha, via internet, com uma mulher de Indaiatuba.
Agora, Müller quer voltar. Algo compreensível, afinal, a Alemanha, até onde eu sei, não fechou suas fronteiras. O problema é que Müller já consumiu R$ 27 mil reais do SUS (Sistema Único de Saúde). O Hospital da UNICAMP, não informa exatamente o mal que acometeu Müller, o fato é que ele parece sofrer de transtorno neurológico. Cá para mim, trata-se daquela dor na fronte, que em muitos ganha saliência e se exterioriza na vertical. Em outros, adquire forma de raízes ou galhos, para depois, se interiorizar. Nesses casos, mata-se, se mata ou ainda adquire-se transtorno neurológico, o que parece ser o caso do alemão. O fato é que ele cansou-se da 'hospedaria' e quer voltar, já que, segundo ele, 'Aqui só tem louco!'.
Hoje, a volta de Müller depende da liberação de um bilhete para a Alemanha, pedido que pode ser feito junto ao Ministério Público Federal, se Müller, sua família ou o consulado alemão não assumirem a compra do bilhete. Para encurtar a prosa, a estadia de Müller em terras tupiniquins, bancada pelo contribuinte, equivale a 11 vezes mais que o valor de uma passagem aérea direto para a Alemanha (cerca de R$ 2,5 mil) ou, caso ele opte por dar uma passadinha pela Espanha, a diferença é maior ainda, 16 vezes. Pensei seriamente em rever alguns exercícios de interpretação e sair para dar um giro pela terra de Goethe. Fiquei temeroso, pois duvido que teria o mesmo tratamento dado aqui ao alemão. Seria preciso então a intervenção de Fausto, talvez Mefistófeles... antes de ter tratamento similar. É aguardar para ver como Müller vai se sair.

quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

Reler é um prazer!

Quem cultiva o hábito da leitura, ainda que uma 'vezinha' só por semana, certamente há de ter lido um livro que, lá pelas tantas, demorou a leitura e tentou esticar as páginas na esperança de que as estrepolias das personagens sobrevivessem às páginas impressas. São páginas que deixam saudades e, dia ou outro, numa encontro de raros amigos, começamos a recontar a história meio nostálgicos como se dela um dia tivéssemos feito parte. Isso porque ler é encontrar sentidos e, uma vez encontrados, tomamos rumos diferentes, nos enredamos em outros sentidos e em outras histórias, daí porque a leitura nunca é unilateral, mas sempre plural. Através dela nos articulamos, atravessamos mundos, provocamos e nos provocamos, enfim, nos comunicamos.


Hoje, porém, para a maioria dos mortais a leitura é um ato de persistência. O mundo é cada vez mais ágil, visual, fotográfico. A galera que amanhece com os fones socados nos ouvidos e em movimento constante, certamente se aborrece com a pausa e a reflexão exigidas pela leitura. Por outro lado, o mercado moderno incentiva o descarte; usa-se e joga fora. É preciso comprar, substituir, adquirir um modelo mais novo, algo mais recente, mais comentado. Nessa lógica, a sociedade moderna incentiva hábitos comerciais e ideológicos que induzem sempre a leitura de uma nova história, a compra de um novo livro. Mas e aquela história que gostamos de recontar? Esquecemos? Impossível. Daí a releitura, essa, como diz Barthes, contrária aos ditames do mercado e é praticada por categorias marginais - crianças, idosos e professores. Diferente do que muitos pensam, a releitura logo de cara salva o texto da repetição e nos surpreendemos em constatar que nem tudo já havia sido lido, ou seja, nossa releitura torna-se ainda mais plural à medida em que criamos liames com outras tantas histórias lidas desde aquela nossa primeira leitura. E foi exatamente isso o que me aconteceu quando botei as mãos num pequeno livrinho de James Hilton, o Horizonte Perdido. Relembrei-me não só a história, mas também minha história dos tempos de menino, quando me isolava na biblioteca do SESI e ali passava horas. Ali, percorri a trilha ingreme junto de Conway e seu grupo fugindo da guerra até chegar a Shangri-la, a longínqua aldeia encantada encravada nas montanhas do Tibete. Ali, lembro-me perfeitamente, é um mundo mágico, encantado, soberbo. Lugar paradisíaco onde a dor, a velhice e a morte assumem significados inesperados. Ali, nessa civilização ímpar, a vida caminha tranquila e livre. Li o livro de uma tacada só e descobri que ao menos na releitura, em Shangri-la, a busca de um ideal de paz e sabedoria é possível.

quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

Terremoto no Haiti


Hoje, a imprensa destaca a tragédia que se abateu ontem sobre o Haiti e também noticia o esforço da comunidade internacional, inclusive o Brasil, em minimizar a dor daqueles que perderam não só entes queridos, mas também grande parte da estrutura básica para continuar a gerir a vida em sociedade. Hospitais, escolas e casas vieram abaixo. E perder um lar, por mais simples que seja, é perder a referência. Me impressionou a imagem de pessoas andando a esmo pelas ruas, sem destino.

O terremoto do pequeno país caribenho entrou para a lista das inúmeras convulsões que o planeta já teve ao longo da história. Em 1.11.1755, um terremoto de proporções avassaladoras destruía a cidade de Lisboa. À essa época pululavam teoria filosóficas, dentre elas a de Leibniz, filósofo alemão. Sua tese? Simples: a de que vivemos no melhor dos mundos possíveis. Nada mais imobilista! Era o princípio segundo o qual nada acontece sem que haja uma causa ou ao menos uma razão determinante. Assim, para cada acontecimento, situação ou condição, há uma razão que os justifica como o que de melhor poderia haver, simplesmente porque Deus o quis, portanto, não poderia haver nada melhor. Tal argumento equivale a afirmar que, malgrado o predomínio da miséria humana reinante no mundo, que condena o homem a situações degradantes, este, ainda assim, continua a ser o melhor dos mundos possíveis, enfim, um otimismo exacerbado que foi ridicularizado por Voltaire em seu paródico conto filosófico Candide.

O acontecimento de 1755 faz com que Voltaire se insurja contra a indiferença e a insensibilidade da filosofia aos fenômenos naturais que, de forma trágica, transtornam o espírito e a vida dos homens. Em Lisboa, o Terremoto, na França, a Guerra dos Sete Anos, que começa em 1756. Após tais acontecimentos, nota-se um Voltaire aterrorizado e pronto a reconsiderar toda a visão de mundo que recebera até então, razão pela qual se aflige, se indigna, questiona e se revolta. Não lhe concebe a ideia de que tragédias e crimes sejam necessários à busca da perfeição e à moral, porque delas resultariam um bem maior.

Em 1755, o grande filósofo se revoltava contra as ideias, indiferentes às tragédias naturais e nós, hoje, contra o que ou contra quem nos revoltaremos? Ou melhor, cabe a revolta nesses casos? Não, certamente que não. Devemos sim nos mobilizar em prol daqueles que em instantes se viram despossuídos ou, na impossibilidade de uma ação mais efetiva, implorar aos céus e a Deus que dê a eles não o melhor dos mundos possíveis, mas definitivamente o melhor possível.


Nota: O Terremoto de 1755, também conhecido por Terremoto de Lisboa provocou a destruição quase completa de Lisboa e atingiu ainda parte do litoral de Algarve. O sismo influenciou de forma determinante muitos pensadores do Iluminismo. Foram muitos os filósofos que fizeram menção ou aludiram ao terremoto nos seus escritos, dentre os quais destaca-se Voltaire, no seu Candide e no Poème sur le désastre de Lisbonne.
Crédito: Gravura do Terremoto de Lisboa. Google Images.

terça-feira, 12 de janeiro de 2010

Je t'aime moi non plus!

A interdição era clara: qualquer melodia, tom, assovio, ruído ou... gemido que lembrasse a música era motivo pra bronca. Bronca das duras, sérias, e com beliscões se ficasse ao alcance. A música? Je t'aime moi non plus, de Serge Gainsbourg, proididíssima aos meus doze anos. Anos depois, tornou-se fundo musical em uma propaganda de televisão de uma boîte chamada Fazendinha, lá pelos arredores de Campinas. A propaganda apresentava uma garota dançando o que hoje se conhece por pole dancing. Na época dizíamos poste, mastro, cano, algo bem menos globalizado. Pois então, agarrada ao mastro, olhar sedento, olhos oblíquos, lábios soltos, entreabertos, língua meio à mostra, dizendo vem..., ou melhor, tu vas et tu viens, entre mes reins... (Nem é preciso dizer qual era a especialidade da boîte.) Ao fundo, os suspiros inigualáveis de Jane Birkin. Por ora, já não cabia mais bronca alguma e todos, inclusive minha mãe, ríamos lembrando da ingenuidade perdida. Tudo isso, claro, não passou de um flash de memória, assim que bati os olhos na notícia veiculada hoje pela Reuters, o lançamento em 20 de janeiro do filme Gainsbourg, vie héroïque. Gainsbourg foi um desses artistas polivalentes e super criativos. Nascido em Paris, de origem russa, transitou pelas artes com um repertório invejável. Compositor, escritor, diretor, ator e intérprete. Cantou, ao lado da atriz inglesa, Jane Birbin, sua terceira mulher, Je t'aime, seu maior sucesso e que rendeu denúncia pelo Vaticano, além de proibição na BBC.
Celebrado por canções inventivas - ele fez uma versão reggae da Marseillaise - Aux Armes et Caetera, Gainsbourg, morto em 1991, tal qual Edith Piaf, agora ganha sua cinebiografia. Segundo a reportagem, Gainsbourg, vie héroïque, seduziu e escandalizou o público tanto quanto La Môme, o filme que contou a conturbada vida da grande cantora francesa e que rendeu um Oscar, em 2008, para Marion Cotillard. Gainsbourg, célebre tanto por seu modo de viver quanto por sua música, teve intérpretes do quilate de Juliette Gréco, Françoise Hardy, France Gall, Brigitte Bardot, Jacques Dutronc, Catherine Deneuve, Alain Chamfort, Alain Bashung, Anna Karina, Isabelle Adjani, Vanessa Paradis, além de sua filha Charlotte Gainsbourg e, claro, Jane Birkin, de suspiros inesquecíveis em Je t'aime. O filme é só esperar para apreciar.
Créditos: Foto: Serge Gainsbourg na Cidade Internacional das Artes de Paris, no dia 1/4/1967, fotografado por Louis Joyeux. Disponível Reuters.