Revista Philomatica

sexta-feira, 27 de maio de 2011

"Tem animal solto na rua? Tem que matar.": vereadora Sílvia Fernanda de Almeida, a Beatriz Rondon da vez.

Há dias num desses comentários semanais – Chateaubriand, os sinos e o mau humor-, elogiei a pacata São João del-Rei por sua romântica persistência em manter a tradição de tocar os sinos. Isto porque em várias outras cidades pipocavam ações na justiça calando as badaladas que um dia encantaram Chateaubriand, o grande romântico francês.
Quando se acha que já se viu de tudo, não é que São João del-Rei abandonou seus tão badalados sinos, ignorou completamente meus elogios e ganhou as manchetes da semana? Quer saber como, leitor? Pelo arruar de uma de suas filhas, a vereadora Sílvia Fernanda de Almeida (PMDB), que provocou polêmica ao defender o extermínio de animais de rua em sessão da câmara dos vereadores.
Permita-me, leitor, infiltrar-me por seus pensamentos - sem quebra de sua integridade
, claro-, e repetir o que ora se pergunta: “Como? Exterminar animais? Não entendi. __ Nem eu, leitor. Para que serve mesmo um vereador? Essa, leitor, nem sei como ou o quê lhe responder. Dada a extensão da matéria, caso seja paciente, é provável que consiga garimpar muita coisa nas páginas ditas político-policiais. Antes, porém, confesso: minha intenção era falar de um livro delicioso que ora leio – O mundo como vontade e representação, de Schopenhauer, mas, essa tal de Sra. Almeida se intrometeu em minhas ideias, desviou-me do caminho, e como tenho eterno apreço pelos animais, aqui estou a defendê-los e a denunciá-la.
Adianto que não sou versado em pantomimas políticas, mas embuste é embuste, logro é logro e, não se tendo nada a fazer – a educação e a saúde em São João del-Rei são as pérolas da cidade, motivo de orgulho -, a ilustre vereadora voltou-se aos indefesos animais. Portanto, cidades desse grande antônimo de federação: mirem-se no exemplo de São João del-Rei e lá encontrareis o que há de melhor para seus filhos e do
entes.
Mas, ainda assim, algo me preocupa: por onde andará a sanidade da Sra. Almeida em terra onde a cura está ao alcance de todos? Leitor, talvez não tenha entendido nada. Nem eu! O que fazer com ideias tão antípodas? Perco-me entre a arte e o interesse.
Criam-se ONGs, leis e institutos para preservar a vida animal: por que a cidadã mineira toma rumo contrário? Inclino-me a acreditar que há algo de errado com a sanidade da vereadora.
Contudo, dizia Boileau: Rien n’est beau que le vrai; le vrai seul est aimable. Deveria, pois, seguir o conselho da Sra. Almeida?: “Tem animal solto na rua? Tem que matar. Eu sou a favor de uma atitude que ponha fim definitivamente ao problema.” Afinal, isso é o verdadeiro – le vrai -, foi o exatamente isto que ela disse.
T
alvez, se perfilhasse o raciocínio de Schopenhauer e não acreditasse na ilusão da bondade da vida – ilusão, porque para o filósofo, o que preenche a vida é o conflito, o sofrimento, o desespero e a miséria-, talvez, aí sim, desse algum crédito à vereadora. Mas, por ora, fiquemos com o poeta e vamos ao que a Sra. Almeida disse de verdadeiro – é só ver o filminho na rede -, “Tem animal solto na rua? Tem que matar.”
Ora, procurada pela imprensa, a vereadora fez o que todo político pego de calças curtas faz: fez-se de ingênua, mal-compreendida et cetera e tal. Defendeu-se dizendo que não propôs um projeto para acabar com “todos” os animais soltos nas ruas da cidade e que a declaração no vídeo foi “infeliz e retirada do seu contexto”, o que, para mim, é menosprezar a capacidade intelectiva do leitor. Para isso basta ver
o vídeo em todo o seu contexto: 11m34 de longa exposição, raciocínio lógico e largamente pontuado com todos os pingos nos is.
Questionada sobre sua relação com os animais, a Sra. Sílvia Fernanda de Almeida (PMDB), partiu para a ofensa e afirmou
que “ama os animais”.
No dia seguinte aos seus quinze minutos de fama, buscando ainda os holofotes, a Sra. Almeida disse estar sofrendo ameaças de morte e disse em seu blog que seu projeto previa a doação de animais, o que, diga-se, a vereadora esqueceu-se de dizer ao longo de sua fala inflamada que veio a público, na internet. E, como sempre, a culpa é da mídia. Em política, desvia-se, rouba-se, mostra-se incompetência e a culpa é da mídia. Ah! mídia malvada, pervertida, lobo mau! E não é que a Sra. Almeida veio com um discursozinho batido, chinfrim, cheio de clichês, caças às bruxas, compactuar com os maus, atender aos poderosos etc., na sanha de se fazer passar por vítima frente aos algozes animais de São João del-Rei? Ah! esqueci-me das penas ao vento – hilário. Leia leitor, leia, e tire suas próprias conclusões, e não se esqueça de seu voto nas próximas eleições. Afinal, esse grande satã, essa besta que é a mídia, sempre desvirtuando tudo, colocando palavras na boca das pessoas...:
"A mídia, como sempre muito competente para atender aos poderosos, não me ouviu e, se o fez, editou de maneira a favorecer o clima de caça às bruxas. Espalharam um travesseiro de penas ao vento, que não tenho como recolher. Os que não me conhecem, acreditam em qualquer coisa porque são inocentes quanto ao jogo político. Aceitarão a manipulação e nada posso fazer. Aos que me conhecem, peço tão somente que se inteirem dos fatos com profunda para não serem induzidos a compactuar com os maus", escreveu em seu blog.

Para saber mais, acesse:

http://noticias.uol.com.br/cotidiano/2011/05/25/vereadora-de-minas-gerais-defende-exterminio-de-animais-de-rua-e-cria-polemica.jhtm

http://www.jb.com.br/pais/noticias/2011/05/26/vereadora-que-propos-exterminio-de-animais-diz-ter-sido-ameacada-de-morte/

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sexta-feira, 20 de maio de 2011

Plágio: no princípio é o Control-C, o Control-V...

No princípio era o Verbo... (João 1:1). Confesso: talvez tenha sido pura perda de tempo citar João logo no início, pois, mesmo que tentasse me apropriar da célebre frase do apóstolo, rapidamente seria descoberto por algum leitor capcioso. Outros, nem tão atentos, pensariam: "Já li isto em algum lugar, não sei exatamente onde."
Pois é. Lembra-me de que no princípio era a cola. Certa vez, no primeiro ano do ensino médio - à época, colegial-, deparei-me com florestas tropicais úmidas, tundras, estepes, savanas, desertos, pradarias, taigas... Rodeei o assunto e depois de alguma leitura buscando cercá-lo, não tive dúvidas: optei pelo copiar-colar. Óbvio que não havia então o Control-X, nem Control-C, nem Control-V. Foi com Bic mesmo! Bic, papel branco e letra miúda, miudinha. Ao final da operação, o papel, já azul, era uma sanfoninha à semelhança de um fole de acordeão. É provável que o professor esperasse que eu ao menos respondesse as questões à minha maneira, o que não fiz, ergo, não sabia que plagiava. Pensando bem, por este lado, quem nunca plagiou que jogue a primeira pedra! Ops!, isto é plágio.
Naturalmente, você, leitor, sabe que essa história de jogar a primeira pedra vem de longa data e já notou que o assunto aqui é o hábito cada vez mais comum de assumir a obra intelectual ou artística de outrem, sem lhe dar os devidos e merecidos créditos.
Cheguei a isso em razão de notícias que li recentemente: plágio em tese de doutorado derruba ministro alemão; universidade confirma plágio em tese de vice-presidente do parlamento europeu; escritoras acusam de plágio a série Macho Man, da Rede Globo; SBT é notificado por plágio de quadro no Programa do Sílvio Santos, além, é claro, de histórias próximas e que correm à boca miúda, cujos envolvidos não ganham foro de imprensa.
De fato, ao longo da produção literária, o conceito de plágio é algo relativamente novo. Na Idade Média, regiam as leis da imitação. Aos escritores e artistas era permitido que buscassem um exemplum, um modelo do passado que servisse de base para que se pudesse fazer algo novo. O público que ia ao teatro ver a Fedra, de Racini, muito provavelmente já conhecia a paixão proibida vivida pela heroína em Hipólito, de Eurípedes, ou na Fedra, de Sêneca. Talvez o que procurassem era constatar o gênio de Racine ao recontar a história por outro viés, afora sua habilidade com os versos alexandrinos.
Isso ocorria porque talvez ainda imperasse a mentalidade cristã do imitatio Christi, ascese que ditava a assimilação de Cristo como modelo a ser seguido. Nesse contexto, artistas, escritores e professores apropriavam-se com liberdade de fontes cristãs e greco-latinas porque lhes parecia inspirador. No caso dos clássicos, recontar a história era, ao fazê-lo, acrescentar um nova argola à corrente, um ponto ao conto, enfim, uma espécie de plágio criativo.
Na antiguidade e, depois, na Idade Média, antes da difusão da imprensa, o direito do autor não existia: foi com a aparição do texto impresso que se instaurou a noção de propriedade literária. Desnecessário dizer que se os autores buscaram proteger suas ideias, os plagiadores não deixaram por menos e, ironicamente, criaram... maneiras e dinâmicas próprias de copiar.
O plágio constitui uma cópia ipsis litteris, sem tirar nem por, enfim, algo que pode trazer sérias implicações jurídicas e... derrubar ministros. Mas nem todo mundo pensa assim: a primeira das Fictions, de Borges, Tlön Uqbar Orbis Tertius, traz o conceito de que o plágio não existe e de que todas as obras são obras de um autor atemporal e anônimo[1], logo, todos os textos passam à condição de fragmentos de um grande texto, ou um conjunto de obras chamado literatura, patrimônio que pertence a todos.
Barthes também concebe a ideia da literatura como patrimônio generalizado ao dizer que na literatura tudo existe, resta saber onde.[2] Mas nem sempre se apropriar da fala do outro é plágio. Dentre as práticas intertextuais, a citação é claramente destacada e a interação entre os textos é bastante distinta. No entanto, a referência, assim como a alusão e o plágio, são bastante ambíguos. Sua localização depende da cultura e da sagacidade do leitor, algo que torna a relação intertextual incerta e aleatória. Em casos de apropriação total, como ocorre com o plágio, o texto citado se funde de tal maneira ao texto citante que a heterogeneidade - se notada -, só ocorre devido à sintaxe ou ao estilo, isso quando não atinge todo o conteúdo do texto, eliminando qualquer traço particular - se é que eles existem (rsrsrs). Afinal, como dizia o pregador nos Eclesiastes (1:9): nada há de novo debaixo do sol (viram que fiz uma mudançazinha?).
Para encurtar a prosa, lá vai um copiar-colar da Wikipédia. Conta-se que o escritor austríaco Egon Freidell (1878-1938), ao constatar que tinha sido vítima de plágio, em 1931, escreveu ao seu plagiador, um certo Anton Kuh, esta memorável cartinha:

Prezado Senhor,
Foi surpresa verificar que resolveu publicar a minha humilde estória, "O imperador José e a Prostituta", tal como a escrevi, com o acréscimo das três palavras: "Por Anton Kuh" , na publicação Querschnitt. Honra-me sem dúvida o fato de sua escolha ter recaído na minha estorinha, quando toda a literatura mundial desde Homero se encontrava à sua disposição. Teria gostado de retribuir na mesma moeda, mas depois de examinar toda a sua obra, não encontrei nada que tivesse vontade de subscrever. (ass) Egon Friedell.

[1] BORGES, Jorge Luís. Fictions. Paris: Gallimard, Coll. Folio, p. 24
[2] BARTHES, Roland. Le Bruissement de la langue. Paris: Seuil, 1984, p. 330

Imagens: Mona Lisa, de Botero. Todas disponíveis no Google Images.



sexta-feira, 13 de maio de 2011

Novo Código Florestal: o comunista exótico Aldo Rebelo e seu jeito ruralista de ser!

Dizem que cozinha e política não devem ser feitas às claras, porque faz perder o gosto... do jantar. E olhem que o aforismo é de longa data, Machado de Assis o empregou em uma de suas crônicas na Ilustração Brasileira, lá pelos idos de 1877, prova de que o governo dormiu no ponto, foi com as panelas à sala e comeu frio, ou melhor, não comeu.
A Reuters acaba de divulgar que o governo não tem mais disposição para negociar os pontos de tensão do novo Código Florestal, portanto, não se tem mais ideia de quando o tema voltará a ser debatido pela Câmara dos Deputados.
Depois de uma longa e exaustiva negociação na quarta-feira, entre o relator da proposta, o deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP) e o Executivo, muitos viram que o prato que lhes cabia era muito menor que o prometido. Resultado? Aux armes citoyens! Formez vos bataillons! E com a rebelião formada, acreditem, Aldo Rebelo voltou às origens, à la lanterne! Pobre homem! Perdeu a oportunidade de chegar a Ítaca por culpa de sua impetuosidade. Quis comer a sobremesa antes do jantar e, à maneira do senador Francisco Dornelles, autor de uma emenda que gerou polêmica sobre a abrangência da Lei da Ficha Limpa, trapaceou na língua. E não sou eu quem está dizendo. Foram eles, alguns dos convidados para o rega-bofe.
Aldo Rebelo. Que Aldo Rebelo? O Aldo, não se lembra? Aldo, Aldo... O Rebelo. Não acredito! Não se lembra do Aldo Rebelo? Meu Deus! Onde mora você leitor?! Do Saci-Pererê você se lembra? Pois então. Em 2003, ele apresentou PL-2762/2003 que propõe transformar o dia 31 de outubro no Dia Nacional do Saci-Pererê.
E o Pró-Mandioca? Lembram-se? Pois é obra rebeliana, de 2006. À época Rebelo, através do projeto de lei 4.679/2001, que ficou popularmente conhecido como o Pró-Mandioca, tentou tornar obrigatória a adição de 10% de raspa de mandioca na farinha de trigo destinada à fabricação do pão francês (ou pãozinho, pão de sal), fazendo você, leitor, comer gato por lebre.
Houve também a história do projeto que limitava o uso de estrangeirismos na língua portuguesa. Sabe que até hoje me pergunto onde é que o Sr. deputado viu pureza nessa língua mestiça? Outra coisa que me atormenta a alma é como o deputado designaria jeton, palavra de origem francesa, mais conhecida em Brasília, acredito, que em qualquer outro lugar do planeta.
Assim que começaram a servir o jantar, atentei-me para a salada: Rebelo, comunista, travestido de ruralista. Sinceramente, não entendi. Se ao menos fosse Cândido Vaccarezza. Esse sim faz jus ao nome. O Vacca – rezza conforme a cartilha dos grandes ruralistas, cumpre o papel ao qual está destinado.
Mas voltando ao Rebelo, ao jantar, a trapaça com a língua, et cetera e tal. Houve adiamento da votação em razão de uma acusação do PT de que o texto apresentado em plenário pelo relator Aldo Rebelo era diferente do documento acordado pouco antes do início da sessão.
Ao se defender, o relator subiu o tom do discurso e negou qualquer modificação sem aval dos líderes partidários. Aldo acusou a ex-senadora Marina Silva (PV) de ter dito pelo twitter que ele fraudou o texto. Irritado, Aldo, na pele de pecuarista mugiu: "quem fraudou contrabando de madeira foi o marido de Marina Silva". Ele arruou ainda que teria impedido, quando líder do governo, que o marido da ex-senadora tivesse que prestar depoimento em CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito). Caso as acusações contra o marido de Marina Silva sejam verdadeiras - e não sou louco de botar minha mão no fogo-, o Sr. Rebelo mostrou-se duas vezes nada confiável: a primeira quando protegeu o marido da ex-senadora, provavelmente por tratar-se de uma companheira de luta, a segunda pela tentativa de fraudar o texto e fazer com que os convivas engolissem goela abaixo um prato mal cozido, embora o tivesse preparado na surdina, o que, convenhamos, equivale a prepará-lo à frente de todos.

Mas por que tanto celeuma? O que está por trás disto tudo?

Leia a reportagem de Vinicius Sassine, Josie Jeronimo e Ivan Iunes, publicada no Correio Braziliense e tire suas próprias conclusões.

Novo Código Florestal beneficia 15 deputados e três senadores ruralistas

Se for aprovado no Congresso com todas as alterações previstas, o novo Código Florestal Brasileiro beneficiará pelo menos 15 deputados federais e três senadores integrantes da bancada ruralista, que faz forte lobby para que a proposta entre em votação no plenário da Câmara ainda neste semestre. Os 18 parlamentares foram multados pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) em razão de algum crime ambiental.

A maior parte dos autos de infração, cujos processos ainda estão em trâmite no Ibama, refere-se a desmatamentos ilegais e desrespeito à delimitação de reservas legais e áreas de preservação permanente (APPs). Os terrenos devastados ou que deixaram de ser restaurados por parlamentares somam 4.070 hectares, área suficiente para abrigar 97 Parques da Cidade.

O novo Código Florestal altera exatamente regras relacionadas a reservas legais e APPs. Os parlamentares multados também seriam diretamente beneficiados com a anistia a desmatadores autuados até julho de 2008, outro ponto previsto na nova legislação ambiental. O perdão de multas é um dos pontos mais controversos e vem atrasando a costura de um acordo entre ruralistas e ambientalistas para que a proposta seja votada em plenário.

O levantamento feito pelo Correio no sistema de protocolo do Ibama levou em conta a bancada ruralista composta por 158 deputados e senadores nesta legislatura, definida conforme critérios adotados pelo Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap). A quantidade de parlamentares multados, que ainda recorrem contra os processos, equivale a 11,3% da bancada. Outros seis parlamentares foram autuados, no entanto, os autos de infração já estão no arquivo. Cinco integrantes da bancada ruralista pediram ao Ibama autorização para desmatar vegetação nativa ou para usar motosserras. A área total a ser desmatada é de quase 1,2 mil hectares, o equivalente a 120 estádios como o Morumbi. Fora da bancada ruralista, outros oito parlamentares aparecem no sistema do Ibama.

O deputado federal que responde ao maior número de autos de infração é Paulo Cesar Justo Quartiero (DEM-RR). São cinco processos contra o parlamentar. Na Câmara, ele é porta-voz dos arrozeiros de Roraima derrotados na Justiça no caso da decisão da demarcação da reserva indígena de Raposa Serra do Sol, em 2008. Um dos processos refere-se ao fato de o deputado “impedir a regeneração natural de 3,51 mil hectares de vegetação nativa”. Quartiero utilizou ainda dois hectares com “infringência das normas de proteção ambiental”, extraiu cascalho sem autorização do Ibama e não deu destinação adequada a embalagens de defensivos agrícolas.

No Senado, o campeão de multas em curso é o senador Ivo Cassol (PP-RO), ex-governador de Rondônia. Ivo desmatou 160 hectares em área de reserva legal numa fazenda, sem autorização; “destruiu” 352 hectares de floresta nativa; infringiu “normas de proteção” de uma área de 13,5 hectares; e desmatou a “corte raso” 2,5 hectares de uma APP, também sem autorização.

O sistema do Ibama registra um mandado de notificação e intimação e um auto de infração contra a porta-voz do agronegócio, a senadora Kátia Abreu (TO, recém-saída do DEM). Presidente da Confederação Nacional da Agricultura (CNA), Kátia Abreu é a principal defensora da aprovação do novo Código Florestal. Outro senador autuado é Renan Calheiros (PMDB-AL). O auto de infração refere-se à instalação de uma “pavimentação” dentro da Estação Ecológica (Esec) de Murici, em Alagoas, cidade natal do senador. A estação existe desde 2001 e preserva fragmentos de Mata Atlântica. Entre os deputados federais, Augusto Coutinho (DEM-PE) foi multado pelo Ibama por “causar dano direto” à área de proteção ambiental (APA) Costa dos Corais. Segundo o órgão, ele também não recompôs uma APP na Praia de Mamucabinhas, em Pernambuco.

Confira a lista de parlamentares defensores das alterações do Código Florestal que foram multados pelo Ibama:

Na Câmara

Augusto Coutinho (DEM-PE): uma notificação e dois autos de infração; Eduardo Gomes (PSDB-TO): dois autos de infração; Giovanni Queiroz (PDT-PA): dois autos de infração e uma notificação; Hélio Santos (PSDB-MA): um auto de infração; Iracema Portella (PP-PI): um auto de infração; Júnior Coimbra (PMDB-TO): dois autos de infração; Lira Maia (DEM-PA): um auto de infração; Márcio Bittar (PSDB-AC): um auto de infração; Marcos Medrado (PDT-BA): dois autos de infração; Moreira Mendes (PPS-RO): um auto de infração; Nelson Marchezelli (PTB-SP): um auto de infração; Paulo César Quartiero (DEM-RR): cinco autos de infração; Raul Lima (PP-RR): um auto de infração; Reinaldo Azambuja (PSDB-MS): um auto de infração; Sandro Mabel (PR-GO): um auto de infração e uma notificação.

No Senado

Ivo Cassol (PP-RO): quatro autos de infração; Kátia Abreu (TO, recém-saída do DEM): um auto de infração; Renan Calheiros (PMDB-AL): um auto de infração.

Desculpem-me por ter entrado pela política torva e sanhuda, mas não me contive. Semana que vem volto aos livros, espaço onde os jantares, ainda que preparados às claras, encantam pelo ritual e pela escolha dos ingredientes.

Imagens: Todas disponíveis no Google Images.

sexta-feira, 6 de maio de 2011

Beatriz Rondon: lobo em pele de cordeiro

Fábulas - e o fabuloso La Fontaine não me deixa mentir - são narrativas curtas escritas em prosa ou verso, com finalidade didática. Elas se caracterizam geralmente pela utilização de um animal simbólico ou personagens fictícios, diálogos vivos, afiados e quase sempre cômicos. O conceito moral implícito é usualmente expresso no final ou, mais raramente, no início do texto. Uma das principais características da fábula é apresentar uma dupla inversão de posições das personagens principais.
Das fábulas, também pode-se afirmar que diferem das parábolas, pois enquanto estas não ultrapassam os limites do provável, aquelas procuram sempre dar característica real ao fantástico, transferindo para os animais qualidades e sentimentos próprios do homem. Ao longo da história literária, muitos foram os fabulistas que nos legaram obras interessantes, alguns, monumentais, a exemplo de Esopo e La Fontaine.
A paternidade da fábula como gênero literário é atribuída a Esopo, lendário autor grego que teria vivido por volta do século 6 a.C., cujas fábulas serviram como base para recriações de outros escritores ao longo dos séculos, a exemplo de Fedro e La Fontaine. Esopo, dizem, encantava seus contemporâneos com narrativas inteligentes. Entre tantas, que caíram na tradição oral, havia aquelas em que o lobo figurava entre as personagens principais. Veja esta recontada por La Fontaine:
O leão, a raposa, o lobo e o chacal resolveram unir forças e saíram, pelas matas, para uma caçada conjunta. Em pouco tempo, surgiu uma presa e mataram um apetitoso veado. Por ordem do leão, separaram o animal em quatro partes iguais. A raposa, o lobo e o chacal estavam felizes, pois iam receber a sua justa porção, fruto da sociedade e do trabalho conjunto. O leão, do alto da sua majestade, começou a falar: o primeiro pedaço me pertence, pois, afinal, sou o rei dos animais. O segundo pedaço também me pertence, uma vez que sou o árbitro da partilha. O terceiro é meu, pois é a parte que me cabe como sócio. Quanto ao quarto e último pedaço, quero ver quem vai ter a coragem de me desrespeitar e colocar a pata em cima. Ao cabo de tudo, o leão comeu sozinho e os sócios de empreitada ficaram a ver navios.
Outra fábula de fundo moral semelhante fala do lobo que se disfarçou com uma pele de cordeiro e assim conseguiu se infiltrar num rebanho de ovelhas, fazendo-se passar por uma delas e aproveitando da situação para devorar as inocentes e desprevenidas vítimas. O conceito moral dessa história também está contido na passagem bíblica: "Acautelai-vos, porém, dos falsos profetas, que vêm até vós vestidos como ovelhas, mas interiormente são lobos devoradores"(S. Mateus, 7:15).
Enfim, a expressão lobo em pele de cordeiro é usada sempre que alguém finge se passar por gente correta, para alcançar objetivos desonestos e até mesmo criminosos e, parece-me, não foi outra a intenção da Sra. Beatriz Rondon, pecuarista e dissimulada ambientalista da Fazenda Santa Sophia, Mato Grosso do Sul.
Hoje o vídeo que mostra a Sra. Rondon despindo-se de sua pele de cordeiro veio à luz. Quando o vi na TV minha alma veio ao chão. Impulsivamente chamei-a de vagabunda. Depois, revi o vídeo na internet e não me contive: repeti meu xingamento e acrescentei vários outros que gostaria, fossem associados à pessoa da Sra. Rondon. No vídeo, que teria sido feito por turistas estrangeiros, aparece o criminoso Antonio Teodoro de Melo Neto, que está com a prisão decretada por caça ilegal. A pecuarista e pseudo ambientalista Beatriz Rondon também aparece e, diante de uma onça recém abatida a tiros, uma de suas falas é: “Era uma grande fêmea, muito bonita, que estava comendo minhas vacas aqui”. A Sra. Loba Rondon, é bom que se diga, recebia recursos de uma ONG internacional para proteger as onças.
Veja reportagem publicada há pouco no jornal A Tribuna News:
Estado - Meio Ambiente

Fazendeira e empresária recebia recursos de uma ONG internacional















A ação da Polícia Federal e do Ibama (Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis) realizada ontem (05) em uma fazenda do município de Aquidauana , apreendeu várias galhadas de cervos, mandíbulas de porcos do mato, crânios de onças , couro de cobra, carcaças de animais silvestres, instrumentos utilizados para caça de onça, munições e armas de uso restrito.
Todas estas provas que dão indícios as caçadas ilegais de animais silvestres foram encontradas na Fazenda Santa Sofia, de propriedade da fazendeira e empresária Beatriz Rondom.
Em 2002 Beatriz recebia recursos de uma ONG internacional para proteger as onças que atacavam o rebanho bovino. Para cada animal constatado morto por uma onça e periciado pela organização, a fazendeira recebia a quantidade de R$250. Era uma espécie de indenização, conforme indicou uma reportagem televisiva da época.
Segundo apuração da PF, a pousada da fazenda Santa Sofia era fachada para realizar abates clandestinos de animais. A empresária está sendo investigada e não foi indiciada porque não há provas que ela tenha ligação com o grupo que agia de forma organizada para a prática de crime ambiental.
O Ibama apontou que os primeiros indícios de irregularidade na fazenda foram constatados na Operação Jaguar, realizada em junho de 2010. A investigação ganhou reforço de um vídeo anônimo gravado dentro da fazenda, em momentos de caçadas e abates.
Ninguém foi preso porque não havia pessoas na fazenda no momento da ação.

Fonte: A Tribuna News/Juliana Santos

Como se vê, Esopo continua atual. A pele de cordeiro caiu, muito embora, algo me escapa nesse imbróglio todo: o vídeo não configura prova? Recentemente, em Santos, uma mãe abandonou seu bebê em uma caçamba de lixo, foi flagrada pela câmera de um estabelecimento defronte e, diante da prova irrefutável, foi para a cadeia. Por que no caso da Sra. Loba Rondon, o vídeo não serve como prova? Será que sua condição de grande pecuarista muda o teor do vídeo, colocando-a acima da lei? Ou teria ela contatos influentes em Brasília? Numa fazenda tão grande, com pousada para a recepção dos turistas caçadores, que chegavam a desembolsar de 30 a 40 mil dólares por safári, com direito a passagem, alimentação, translado, hospedagem, por que estava deserta no momento da operação? O fato de saber que a Sra. Rondon é filha de Péricles Rondon, falecido desembargador da república, me deixou tudo bem mais claro. No mínimo, parodiando Shakespeare, há algo de podre no reino da Dinamarca.
Me revolto. Por que tiraram a venda da justiça? Vérité en deçà des Pyrénnées, erreur au-delà.
Ah! Brasil! Por que a todo momento me obrigas a não esquecer a máxima de Pascal?

Imagens: disponíveis no Google Images.