Revista Philomatica

segunda-feira, 25 de junho de 2018

A ... rósea e a ridícula defesa do grito machista


“No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus.” A assertiva, de autoria anônima e escrita entre os anos de 90-110 d.C., dá início ao Evangelho de São João. Como todo texto canônico, cujas origens remontam à noite dos tempos, a obra está envolta em polêmicas: tome-se, por exemplo, sua tradução, feito que instituiu uma querela secular entre os exegetas; de um lado, os que preferem “o Verbo era Deus”, de outro, os que optam por “o Verbo era Divino”. Afora os desencontros de opinião, é fato que o versículo bíblico perfilha a ideia da palavra consubstanciada ao discurso, tornando-se instrumento de expressão de uma ideia. 
Palavras e mais palavras que se organizam e tornam-se discursos – e personagens. Ora, não por outra razão Sartre afirmava que as mais vívidas e ilustres personagens literárias não passam de um punhado de palavras organizadas, letras arbitrárias jogadas sobre o papel, marcas semânticas ora relembradas ad infinitum para prejuízo do autor, ora fadadas ao esquecimento.
Isto posto, quem não se lembra de Esopo, escravo do nobre Xantós a ponderar sobre a língua como o melhor e o pior dos pratos. Ao fazê-lo, Esopo afasta do órgão mucoso sua fisiologia e transforma-o em dado semântico, metafórico. Afinal, afirma Esopo, “é graças à língua que dizemos o nosso amor”, mas também é essa mesma “língua que mente, que esconde, que tergiversa, que blasfema, que insulta, que se acovarda, que mendiga, que impreca, que bajula, que destrói, que calunia, que vende, que seduz e que corrompe”.
Ora, ao longo da semana vimos o poder da língua, ainda que a cidadã russa não conhecesse um ‘a’ do nosso idioma. Um bando de trogloditas acercaram-se da mulher e, aos gritos, mostraram como a língua pode insultar e blasfemar. E mais, por meio do insulto e da blasfêmia a língua deu mostras do índice de caráter e da estupidez daqueles que, insensatos, resolvem fazer uso dela, só dela, sem se darem conta de que ela está consubstanciada ao discurso e às ideias, como queria o Evangelista.
A prova de que Esopo continua moderno e escrevendo melhor que nunca é o fato de a língua continuar a se acovardar, mendigar e esconder. Explico-me: os brutamontes que divulgaram o vídeo ofendendo a cidadã russa, descobertos e expostos à língua ferina da opinião pública, acovardaram-se, quiseram ser vistos como meninos que não davam conta da ordem da travessura que cometiam e passaram a mendigar alguma compreensão.
O caráter escamoteador da língua veio, curiosamente, por meio de muitas mulheres que resolveram defender a estupidez. Em uma das reportagens publicadas no site do jornal a serviço dele mesmo – e do Brasil, algumas disseram não acreditar no porquê de as pessoas se indignaram com a cafajestagem; uma delas, incrédula, dizia: “Gente, que hipocrisia! Quem nunca ouviu o MC...” Claro! Cada um no seu quadrado! Para quem vai ao baile funk sem calcinha e dá o cu de cabeça pra baixo – como diz a “canção”, isso não é nada!
Mas a Copa da Rússia tem sido pródiga em intolerância. Acabo de ler sobre um torcedor israelense perseguido por torcedores muçulmanos da Tunísia e do Marrocos. É claro que nesse último acontecimento a UOL tentou de todos os modos justificar a perseguição, afinal, para o portal UOL, a tolerância é seletiva. Israel não se classificou para a Copa do Mundo, insiste o jornalista que não assinou a matéria, então, por que raio é que ele estava lá? Dito isto, fica subentendido que o israelense mereceu as ofensas proferidas pelos africanos.
E, para concluir, o portal dignamente tem se enfiado goela abaixo a homofobia de Putin não só porque a “Copa é importante”, mas porque isto lhe rende muiiitos caraminguás. Panis et circenses! Beatitudo est communis!

segunda-feira, 18 de junho de 2018

Pequena prosa sobre o cu: o meu, o seu e o do Zé Celso


Pois é leitor, parece que a semana foi mesmo dedicada ao orifício! Ao menos, espero, a partir de agora há de se grafar o monossílabo sem o dito acento. Sim, porque embora o acento traga lá certo erotismo, cu, a palavra, não tem acento. Talvez, depois que divulgaram o vídeo de um rapaz que, do nada, grita a plenos pulmões na fila do Burger King “eu quero dar o cu” e de Zé Celso ter declamado Rimbaud para o, como é mesmo? Feriado? – ah, sim -, o Holiday, na Câmara Municipal de São Paulo, terminemos a semana menos hipócritas.
Afinal, quem na vida já não viu alguém com o cu falido? Quem já não trabalhou para esse maldito governo até o cu fazer bico? Quem, depois de uma escorregadela, não caiu de cu? Qual o cristão que assustado ao extremo e tomado pelo medo, por um segundo não sentiu o cu cair da bunda? E não me venham dizer que nunca se referiram a um glutão dizendo que ele encheu o cu disso ou daquilo. O pavor, quando nos bate à porta, deixa-nos com o cu na mão; o que fazer? A situação é tamanha que há almas que não têm no cu um periquito que roa, tal a miséria. Por outro lado, há aqueles que nasceram com o cu para lua, pois, dentre outras coisas, quase nunca moram lá no cu do Judas. Mas você pode estar se perguntando o que tem a ver o cu com as calças; ora, em geral, aqueles cujo cu miram a lua, pouco fazem, sempre tiram o cu da reta e cabe ao pobre miserável tirar o cu da seringa, isto quando não vê o cu ao pé das calças. No fundo, no fundo, Zé Celso é quem tem razão: “Vamos todos tomar no cu”, de um jeito ou de outro. E veja, leitor, abstive-me de usar o verbo “dar”; “tomar” fica por conta do Zé Celso.
O genial na conversa do Zé Celso com o vereador Feriado, foi o dramaturgo cantar os versos de Rimbaud. De quebra, além de matar com o pau aqueles que põem acento no cu, trouxe à imprensa fétida o sublime poeta francês. Zé Celso, a meu ver, só pecou porque não conseguiu conter a emoção e vergastou o vereador Feriado com a frase: “A sua visão do mundo é o fascismo, o nazismo, uma coisa inclusive racista”. Digo isso porque essa história de chamar de fascista, nazista e racista é igual a mandar alguém tomar no cu: as pessoas gostam, não é mais um xingamento. Talvez tenha sido há algum tempo, mas, hoje, tempos em que um enfia o dedo no cu do outro em público, vá lá, convenhamos, já virou história de carochinha. Aliás, ocorre-me agora a versão de Chapeuzinho Vermelho em que o lobo dá uma dedada no cu da vó!
Dito isto, caros leitores, fiquem com Rimbaud (só para não transcrever os deliciosos poemas de Pietro Aretino):

SONETO DO OLHO DO CU

Obscuro e franzido como um cravo roxo,
Humilde ele respira escondido na espuma,
Úmido ainda do amor que pelas curvas suaves
Dos glúteos brancos desce à orla de sua auréola.

Uns filamentos, como lágrimas de leite,
Choraram, ao vento inclemente que os expulsa,
Passando por calhaus de uma argila vermelha,
Para escorrer, por fim, ao longo das encostas.

Muita vez minha boca uniu-se a essa ventosa;
Sem poder ter o coito material, minha alma
Fez dele um lacrimário, um ninho de soluços.

Ele é tonta azeitona, a flauta carinhosa,
Tudo por onde desce a divina pralina,
Canãa feminino que eclode na umidade.

___________
Justificando o título: opinião, dizem, é como cu, cada uma tem a sua, portanto, do meu cu cuido eu, e você leitor, espero que faça o mesmo.



terça-feira, 12 de junho de 2018

Opinião vs Ideia


Afirmar que vivemos dias difíceis, soa algo redundante. Estranhos, diferentes, esquisitos... O adjetivo que porventura possa ser colocado à frente do substantivo “dias”, não faz lá muita diferença. Aliás, adjetivos só servem mesmo para pesar o texto; quando atribuídos às pessoas, ajudam a criar um novo rótulo – rótulos andam tão em moda em nossos dias -, e, com isso, mais uma razão para que a intolerância se materialize.
Não acredito que nossos avós, passados seus verdes anos, não verbalizassem certa desesperança ou decepção com esse mesmíssimo clichê. Nem sempre nos damos conta, mas o fato é que acabamos por reproduzir sistemas ad infinitum, no máximo com roupagem diferente. O esforço para escapar da espiral deve ser quotidiano. Não parece, mas também nos grupos que militam por causas minoritárias é frequente a reprodução de conceitos já gastos pelo tempo, algo que, na maioria das vezes, encarrega-se pela materialização de algum preconceito.
Qualquer tentativa de afirmação, na prática, resvala em duas palavrinhas também já gastas pelo uso: opinião e ideia. Da opinião, os dicionários afirmam em certo ponto que se trata de uma ideia, teoria ou tese. Já, ideia, definem os dicionários como maneira de ver, opinião. É claro, tudo isso corrobora o mundo da vulgarização dos conceitos, que são utilizados exaustivamente pelos falantes. Não que isso esteja errado, ao contrário, pode-se perfeitamente fazer uso desses vocábulos sem qualquer prejuízo à fala.
Ocorre, porém, que no universo das redes sociais, esfera da aversão, da injúria e do ódio, a opinião traveste-se de ideia em seu sentido de origem, qual seja, erudito, cujos rizomas fundam-se na filosofia. A opinião, que na filosofia recebe a alcunha de doxa, na maioria das vezes é uma ideia confusa, alterada, acerca da realidade, razão pela qual há se opor a qualquer conhecimento tido como verdadeiro. E como no universo das redes sociais tudo é subjetivo e está sujeito à dependência de atividade mental do sujeito e de sua própria ausência – sim leitor, ausência, porque compartilhar e opinar como se estivesse usando cabresto - o que impede a visão periférica -, implica em ausentar-se, deixar de idear, portanto, ficar à mercê do grau de intensidade exigido e imposto por aqueles que manobram sub-repticiamente o mundo das opiniões.
Não raro, quando um internauta descobre o mundo das ideias e sua mente passa a se ocupar disso, qual seja, quando ele começa a questionar o sistema de opiniões imposto pela maioria e disseminado pela mídia e religiões ideológicas, é expulso da conversa e tem seu pensamento objetivo relativizado pelo grupo e/ou maioria das ovelhas.
Ora, para Locke, por exemplo, as ideias são essenciais para a compreensão, talvez por isso vivemos esses tempos de intenso falatório, mas poucas ideias. O fato é que as ideias são acessíveis através de alguma inteligência e, parece-me, não só a canalha política encarrega-se de entorpecer os cidadãos, mas estes, por si só, contribuem em grande parte para o emburrecimento e embrutecimento geral, isto ocorre todas as vezes em que opinamos sobre coisas que não vemos e, quando as vemos, afirmamos tratarem-se de coisas diferentes daquilo que temos frente aos nossos olhos. Tudo isso, é claro, em benefício do politicamente correto.
Abro um parênteses: nas vezes em que critico o politicamente correto, critico a hiperbolização do conceito, os excessos que nos tornam cada dia mais hipócritas e mais perversos. Nunca, afirmo, nós, brasileiros, fomos tão bipolares e sofremos tanto com o tal do transtorno dissociativo de identidade.
Ao refletir sobre opinião, ideia e nossa bipolaridade quotidiana, vem-me ao espírito, é claro, Platão. Ora, o filósofo falava em um mundo inteligível, algo que constitui uma Ideia Universal, donde provém a ideia que fazemos de alguma coisa. Essa ideia, por sua vez, é uma projeção do saber. Explico: quando vemos alguma coisa, nossos olhos emitem raios de luz que projetam a imagem dessa mesma coisa, que, por sua vez, passa a existir em nós como um princípio universal, doutrina a que chamamos idealismo.
Ocorreu-me que muito de nossa confusão é por idealizar de modo diferente o que vemos. Aí, dá no que dá: alguém revê uma pessoa depois de um tempo, diz a ela que a acha mais gorda que da última vez em que se viram, e pronto: a polêmica está instalada! Outra pessoa, que também já foi gorda um dia, mas gastou tempo e dinheiro para perder um pouco de suas substâncias untuosas, sai em defesa da primeira, que um dia se olhou no espelho, projetou um saber diferente e idealizou-se bem mais leve e por isso, só por isso, não gostou de ouvir que está mais gorda. Fiz me entender? Pois é, talvez o mesmo tenha acontecido nas redes sociais em relação à polêmica da semana. Por isso, decreto o fim das balanças – e dos espelhos. Ah, e das ideias, afinal, gostamos mesmo é de opinar!


sexta-feira, 1 de junho de 2018

#somostodoshipocritas


A semana não foi das melhores. Os caminhoneiros conseguiram se fazer ouvir, porém, a dúvida persiste: quais as forças agindo por trás da grande paralização que pleiteia a baixa de combustíveis? Assim como a semana, o tempo e o caráter não têm sido exemplares. Transformamo-nos em uma troupe amadora, moral e eticamente corrompida.
O resultado é evidente: gritamos às desbragadas, tentamos nos fazer ouvir, imploramos por atenção, impomos nossas vontades e desejos aos gritos e, ao fazê-lo, relativizamos o outro, mas, é claro, colocamo-nos acima de qualquer suspeita, mostramo-nos respeitosos e bradamos aos quatro ventos o politicamente correto e a dita alteridade. Esta, vale ressaltar, tem sido estimulada e é objeto de palestras e encontros que enaltecem temas ultramodernos. Haja vista as humanidades, no âmbito universitário, não terem apresentado nada de definitivamente inovador, aparecem os encontros, seminários e colóquios dedicados à pós-sociedade e à pós-humanidade.
Essas determinações, digamos, formuladas por humanos que integram uma sociedade, soam risíveis, quando não hipócritas, pois na falta de conteúdo, buscam abrigo nos rótulos, algo, é obvio, bastante afeito ao gosto multiculturalista.
Rótulos: cisgênero, agênero, gênero fluido, transgênero, trans... Nada contra, mas, face aos tais congressos pós-sociedade e pós-humanidade, toda essa discussão cai por terra, afinal, já não vivemos mais em sociedade e somos sequer humanos. Então, o que somos? Não me veio outra palavra a não ser hipócritas. Sim, leitor, somos todos hipócritas.
A fluidez das ideias aqui surge algo negativo, sobretudo se decidirmos justapô-la à série de hashtags habitualmente disseminadas na rede e, hoje, substitutivas dos livros, objeto cultuado outrora por universitários e ora ignorados.
Parte-se, por exemplo, da noção de multidão – alienada, na maioria das vezes, ora pela direita, ora pela esquerda -, este sujeito ativo que age a partir de singularidades em comuns. Ocorre que essas singularidades, como já dito, são extremamente manipuláveis por interesses outros. Assim como os interesses, as hashtags são múltiplas, tendenciosas e seletivas. Há listas delas na rede, e que aumentam à medida que os expertises se dispõem a opinar. Não que não se deva opinar, pelo contrário, o que discuto é o compartilhamento de opiniões criadas por terceiros e que o internauta, sem mesmo se dar ao trabalho de lê-la, compartilha, engrossando o lodo das ideias. Isso, para não falar dos grupos especializados em criar notícias falsas e opiniões falseadas, pois baseiam-se em invenções.
A seletividade, assim como as opiniões, é tão volátil que acusados do mesmo crime recebem tratamentos diferentes da massa ou povão (termos usados pela direita) e/ou burguesia, classe média (termos usados pela esquerda): um singular exemplo foi a execração de Harvey Weinstein (pelo que li, merecida) por estupro e assédio, e cujas estripulias deram origem às hashtags #metoo e #time’sup nos estados Unidos e, na França repercutiu com a “balancetonporc. No Brasil, no rastro de José Mayer, tivemos a #mexeucomumamexeucomtodas. No entanto, Morgan Freeman, depois de algumas desculpas, vai bem obrigado e já retornou às gravações.
Daniel Araújo “Pax”, ao longo da semana, publicou um vídeo ironizando a hipocrisia das hashtags e a falsa preocupação com os caminhoneiros. A despeito da hashtag #somostodosquasecaminhoneiros, aventada pelo youtuber, acho mesmo que acertou a mão ao cravar a #todoscorruptos como se tivesse descoberto o ovo de Colombo.
Enfim, leitor, assim como no reino das humanidades, nada de novo no pós-humano, só mais uma hashtag dizendo o óbvio! #somostodoscorruptos!

Réquiem Roth


Foi-se Philip Roth e, uma vez o corpo frio, a imprensa encarregou-se de comentários e rever sua biografia. O que sai, evidentemente, não são as ditas pérolas que se dá aos porcos. A inversão é total! Porcos encarregam-se de ilustrar o leitor, oferecendo-lhe resenhas de três linhas e dizendo o porquê de se ler Roth.
É possível que alguma publicação séria dedicada à literatura, algo raro e fadado ao insucesso tal a escassez de leitores, tenha dedicado alguns ótimos parágrafos ao ilustre Roth. Mas, tomando-se a folha a serviço do partido, foda-se o leitor!
De O Complexo de Portnoy, por exemplo, o primeiro romance que trouxe alguma notoriedade a Roth, a profunda análise do jornalista resume-se a dizer que a personagem masturba-se obsessivamente a ponto de usar um fígado cru. O leitor, diante do texto bem construído pergunta-se, evidentemente (mais um!), como Portnoy usava o fígado: envolvia a glândula do pênis com esta outra glândula mais volumosa e, sobre as duas, a mão, metacarpos e dedos em movimento? Ou esfregava ambas as glândulas até que, por fricção, o gozo jorrasse de uma delas imiscuindo-se na outra e produzindo tons róseos, mistura de sangue e sémen? Vá lá, poderia continuar por mais alguns parágrafos respeitando a toada do tal jornalista, mas prefiro poupá-lo, leitor. Um escritor como Roth merecer isto?
Ao menos, diante de tanta derrapagem tupiniquim, seus conterrâneos, aparentemente mais lúcidos ao escreverem, não demonstram fazer uso da erva estragada consumida pelo estagiário que não assinou a matéria. Diz-se que o bumerangue sempre volta à origem: é provável que você, leitor, ao ler estas garatujas, pergunte-se se também não a usei. Pois, afirmo, não consumo outro mato que os vegetais escuros: couve, espinafre, brócolis..., creia-me!
Pois bem, Bloom elevou Roth ao ápice da Literatura Americana, afirmando ser ele seu mais notável representante desde a morte de William Faulkner. “Ele representa o dilema do homem moderno e dos seres humanos de todas as nações. Ele certa vez definiu o homem como um monte de argila com aspirações, penso que não há definição melhor. Uma vez, durante uma palestra que demos a uma plateia furiosa, ele me acalmou dizendo que aquilo era o lema dele. Ele se voltou para mim e disse que estamos aqui para sermos insultados. Era esse o seu humor negro e sua inteligência.”, conta Bloom.
É provável que Bloom tenha dito isso porque a obra de Roth causa aquela estranheza, aquela originalidade que temos dificuldade em assimilar, ou, quem sabe, nos assimila a tal ponto que sequer notamos nela o que há de estranho – e aqui, rendo-me ao estagiário que, a essa hora já deve ter provado da estranha maciez do fígado.
Bloom afirmou ainda que Roth é um dos prováveis autores a entrar para o cânone ocidental. Bem, de certo modo isto é condenar Roth ao esquecimento, ao menos para a tribo multiculturalista. Razões não faltam: Roth é branco, americano e homem! Ingredientes não faltam. Ademais, recorro ao próprio Bloom que identificou nos críticos ao cânone a insistência em afirmar que sempre há uma ideologia envolvida na formação de um cânone, o cânone é um ato ideológico em si. 
Não discordo: afinal, toda literatura tenta, de algum modo, tornar-se cânone e, considerando-se a ideologia multiculturalista, que despreza o valor estético, engendrado pelo eu individual, as interconexões entre artistas e as influências advindas da interpretação, temos o que temos aí, pseudocânones representando tribos e não o homem em sentido lato.
Mas deixemos essa dita cozinha literária para lá. Paul Auster e Blake Baily, seu biógrafo, também sentiram sua partida. Auster, ao lamentar a morte do amigo, comenta: “Eu sabia que ele estava morrendo, eu era amigo dele.”
Eu, ao conhecer parte do mecanismo nas faculdades de letras, vejo a literatura tout court arfando, quase arquejada, justamente por aqueles que se intitulam seus mais eleitos expertises! Ah, o ego – tão literário isso!