Revista Philomatica

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sexta-feira, 7 de junho de 2019

Voltaire, filósofo - e vegetariano avant la lattre


Remissões a Voltaire, em uma imprensa povoada por celebridades vazias de espírito, parecem arcaísmo. De sua obra poética, pode-se afirmar que bem pouca coisa ainda é legível; de sua produção como historiador e cientista não se pode dizer algo muito diferente, haja vista seus escritos terem se tornado datados em razão das vicissitudes que movem as sociedades; sobram, portanto, o polemista, o filósofo e o prosador, enfim, o escritor, cuja verve irônica não só marcou o século XVIII, mas ainda perdura, sendo revisitada a cada vez que a intolerância abre as asas sobre nós. Mas Voltaire é mais, ou melhor, foi mais que isso: Voltaire nutria o mesmo respeito que Da Vinci e Schopenhauer - por exemplo, pelos animais, refletindo sobre suas percepções e sentimentos e praticando o vegetarianismo.
Voltaire recusava-se a ver os seres humanos como superiores, por sua essência, em relação a outras espécies animais; isto corresponde à sua rejeição pelas religiões abraâmicas (de Abrahão - Judaísmo, Islamismo e Cristianismo, nas quais o animal é frequentemente considerado inferior ao homem) e a doutrina dos “animais-máquinas” presente no Discurso do método, de René Descartes - que ele odiava, e considerava ser uma “vã desculpa  da barbárie”, que permitia ao homem desnudar-se de qualquer sentimento de compaixão pelo sofrimento dos animais.
Voltaire começou a se interessar pelo vegetarianismo e, em sua defesa, por volta dos anos de 1761-1762, como mostrou Renan Larue[1]; diversas leituras ligam o filósofo a uma afirmação pitagoriciana (o termo vegetarianismo não existia à época): o testamento de Jean Meslier, o Émile, de Jean-Jacques Rousseau, o Tratado de Porfírio, sobre a abstinência da carne de animais, bem como numerosas obras sobre o hinduísmo (obras bramânicas que estavam começando a ser traduzidas para o francês e estudadas nos círculos intelectuais europeus).
Em suas cartas, Voltaire declara que “não come mais carne” e “nem peixe”, definindo-se ainda mais pitagoriciano que Philippe de Sainte-Aldegonde, um vegetariano que recebera em Ferney, perto de Genebra.
Para Voltaire, o vegetarianismo nunca foi justificado sob uma lógica ligada à saúde, mas sempre por razões éticas: o vegetarianismo é uma “doutrina humana” e uma “lei admirável pela qual é proibido comer os animais nossos semelhantes”. Tomando como exemplo Isaac Newton, para quem a compaixão pelos animais se revelava uma base sólida para a “verdadeira caridade” em relação aos homens, Voltaire afirmava que não merece ser chamado de filósofo quem não se tem essa “humanidade, virtude que inclui todas as virtudes”.
No Diálogo do galo e do frango, Voltaire faz com que os animais digam que os homens que os comem são “monstros”, “monstros” humanos que também se matam cruelmente: o galo elogia a Índia, onde “os homens têm uma lei sagrada que por milhares de séculos os proibiu de nos comer”, bem como os antigos filósofos europeus:

Os maiores filósofos da antiguidade nunca nos colocaram no espeto. Eles tentaram aprender nossa língua e descobrir nossas propriedades tão superiores às da espécie humana. Nós estávamos seguros como na idade do ouro. Os sábios não matam animais, diz Porfírio; somente bárbaros e padres os matam e os comem.

Em A Princesa da Babilônia, um pássaro afirma que os animais têm “uma alma”, assim como os homens. No Tratado sobre a tolerância (nota do capítulo XII), Voltaire lembra que o consumo de carne animal e o tratamento dos animais como objetos estritos não são práticas universais e que “há uma contradição manifesta em acreditar que Deus deu aos animais todos os órgãos do sentimento, e sustentar que ele não lhes deu nenhum sentimento. Parece-me ainda que nunca se deve ter observado os animais de modo a não distinguir entre eles as diferentes vozes da necessidade, do sofrimento, da alegria, do medo, do amor, da raiva e de todas as afeições”.
Voltaire vai mais longe quando se trata do respeito aos animais, mas o espaço e o tempo são curtos, leitor, por isso, à moda do folhetim, continuo semana que vem com as considerações do filósofo sobre “A Carne”, presentes em seu Dicionário filosófico.


Imagem: Pitágoras defendendo o vegetarianismo, de Pierre Paul Rubens.


[1] LARUE, Renan Larue. Pensées végétariennes, Voltaire, Éditions Mille et une nuits, n°632, 2014; « Le Végétarisme dans l'œuvre de Voltaire (1762-1778). Dix-Huitième siècle (2010) n°42, pp. 19-34.

sexta-feira, 31 de maio de 2019

Amor de verdade? O dos animais.


Em busca do carro das ideias corro os olhos pelas notícias da semana e não vejo nada além de balbúrdia. Balbúrdia em Brasília, balbúrdia nas universidades – não sou quem diz, mas um tal de Sr. Weintrauma -, enfim, balbúrdia nas ruas, nos sites de notícias e nas redes sociais. Fazendo as vezes de advogado do diabo: já notaram quanta gente tem passado por Harvard, quantas pesquisas brotaram de departamentos até então obscuros? O que me deixou pasmo não foi nem a pomada cicatrizante a partir de água de coco, mas a descoberta de que o cocô humano tem sido usado em tratamento contra infecções, obesidade e problemas mentais.
Ah vá, quem disse que contive as sinapses? Na hora fiquei achando que Brasília, o STF, leitor, deveria abandonar as lagostas e partir pra merda, afinal, o pessoal por lá anda um pouco além do peso e as faculdades mentais, bem, estas, considerando-se o que se decide por lá... prefiro não comentar, como diria Copélia! A dita refeição, penso, também deveria ser servida à gerência da rádio Jovem Pan, que ora censura o historiador Marco Antonio Villa por criticar o mandatário JB (que não é o whisky e nem o Jornal do Brasil). Deste, dizem, não partiu a ordem de suspensão do historiador e crítico do governo, mas, alguém acredita em notas emitidas por empresas de comunicação, pelo governo e por quem foi pego de calças curtas ou com a boca na botija?
O fato é que em meio a toda essa balbúrdia, resolvi dar um tempo e recolhi-me na leitura de um conto de Clarice Lispector, “A menor mulher do mundo”. Lá pelas tantas, a narradora diz: “Creio que também este conto vem de meu amor pelos bichos; parece-me que sinto os bichos como uma das coisas ainda muito próximas de Deus, material que não inventou a si mesmo, coisa ainda quente do próprio nascimento; e, no entanto, coisa já se pondo imediatamente de pé, e já vivendo toda, e em cada minuto vivendo de uma vez, nunca aos poucos apenas, nunca se poupando, nunca se gastando.”[1]
Volto às notícias e dou de olhos com a história de Capitán, o cão da cidade de Villa Carlos Paz, na Argentina. Capitán era uma dessas criaturas próximas de Deus, que não se reinventou, ainda cheia de um amor supremo, desinteressado e puro, há muito desaparecido de entre os humanos. Capitán pôs-se de pé, viveu de uma vez e cada minuto devotando todo o seu amor a seu dono, ainda que este já não estivesse mais entre os vivos. Capitán, repito, deu mostra de um amor que não é humano, pois este, o humano, é um bicho que reinventou a si próprio, se poupa a cada momento, não se gasta e, do alto de sua arrogância, jamais seria capaz de se entregar tão por inteiro.
Abaixo, transcrevo a história de Capitán, que retirei de um portal dedicado a contar relatos da vida desses seres tão especiais (a notícia também foi publicada no jornal Clarín, dentre outros), tão próximos de Deus, porém, tão maltratados diariamente - assim como a natureza -, por humanos que só veem Deus no invisível.

Morreu o cão que guardou fielmente o túmulo do dono durante dez anos



Capitán é o nome do cão mais conhecido em Villa Carlos Paz, uma província de Cordoba, na Argentina. O animal morreu no mesmo cemitério onde o dono está sepultado, depois de ter passado dez anos a guardar o seu túmulo.

“Nunca vi uma coisa assim”, disse Marta Clot, florista do cemitério, ao “20 minutos”, recordando em lágrimas Capitán, que com 16 anos, depois de vários problemas de visão e complicações articulares, morreu.
O cão foi uma prenda de surpresa de Miguel Guzmán ao filho Damián. Um ano depois, em 2006, Miguel morreu e o cão desapareceu de casa, regressando algum tempo depois, permanecendo junto à casa da família.
O animal voltou a desaparecer e a família pensou que tinha morrido ou fora adotado por outras pessoas, até que o encontraram no cemitério, deitado no túmulo de Miguel. “De certeza que veio procurar o dono”, disse a florista.
Tendo em conta que o cão viveu grande parte dos últimos dias no cemitério, várias pessoas pedem para que os restos mortais do animal sejam depositados no cemitério. Para que isso seja possível, será necessária uma autorização especial.[2]


[1] LISPECTOR, Clarice. “A menor mulher do mundo”. In: Laços de Família: contos. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1983, pp. 77-86.






sábado, 17 de fevereiro de 2018

As penas da passista


Ana Beatriz Godói, bom dia! Não a conheço, por isso desculpo-me de antemão o envio desta carta aberta que, de certo modo, introduz-me no mundo das subcelebridades. Sou um simples professor, profissão marcada pelo desrespeito e a indiferença de toda uma sociedade que, hipócrita, não se incomoda em ver o grosso das verbas públicas serem destinadas a eventos carnavalescos e não à educação.
Mas não se incomode. Não vim aqui falar mal do palco em que você brilha por 65 minutos, uma vez ao ano. Poderia, é claro, trazer outros argumentos, fazer comparações, falar do palco dos professores, local em que permanecem, às vezes, dez, doze horas por dia e, ainda assim, são ofuscados pela mediocridade, a hipocrisia e a ignorância de uma sociedade afeita ao espetáculo, ao superficial, e que sequer sabe bem e direito o que seja de fato cultura.
Não vou falar disso. Você me chamaria de invejoso, afinal nem mesmo do mundo das “subs” faço parte. Reitero minhas desculpas por esse palavrório todo. Venho até você em razão da reportagem que acabo de ler na Folha de São Paulo[1]. Ali, publicaram uma foto sua, na qual exibe uma folha de papel que, suponho, seja o Bolhetim de Ocorrência contra a ativista Luísa Mell.
Vou começar pelo fim, afinal, seus argumentos primeiros são tão rasteiros e risíveis, que não valem a pena uma paradinha! Bem, ao final da reportagem lemos: “Se os animais são respeitados e o material tem procedência, qual a razão de polemizar? Não podemos admitir esse radicalismo. Estamos falando de cultura, de povos e de tradições. Não podemos deixar tudo isso para trás por conta do radicalismo e da opinião de subcelebridades.”
Ora, Godoizinha, sejamos honestos, espero que tenha sido seu advogado o autor do texto, caso contrário, lamento dizer que o que você exibiu em penas, faltou-lhe em neurônios e sinapses. Acho mesmo que a razão de você ter se irritado com Luísa Mell foi ela ter tocado em seu ponto nevrálgico, qual seja, a estampa. Considerando o que disse, despida das penas e retirada a maquiagem, pouco sobra além dos pífios argumentos que acredita sustentar sua ação judicial. Mas não desanime, é bastante provável que um magistrado compre sua causa, afinal, estamos no Brasil, onde a justiça é de fato cega e condena o menino por ter furtado uma bala, mas liberta o homem por ter roubado milhões.
Vamos lá, Godoizinha, minha passista celebridade (você não me deixou outra alternativa!), vejamos o que você disse:
1) “Se os animais são respeitados”: Go, em que planeta você vive, no Planeta de Vila Maria? Onde você ouviu que os animais são respeitados? Isso é o sinal mais evidente de estupidez, Go. Dissesse talvez que acreditava serem os animais respeitados, assim você sairia pela tangente. Mas afirmar, quando o óbvio está à vista? Sugiro que use seu celularzinho, vá ao Google, e procure por ‘maus-tratos aos animais’.
2) “o material tem procedência”: isso é de um prosaísmo que incomoda, Go! É óbvia a procedência. As penas que lhe deram o efêmero appeal eram a proteção, a pele de aves que foram torturadas, são o resultado de dor e sofrimento de animais indefesos! Imagine você como destaque, algo meio Wolverine, em que suas unhas tivessem que ser que ser removidas a sangue frio e trocadas por garras. Você poderia até se submeter ao martírio em proveito do espetáculo e do bem da escola, “da cultura, de povos e de tradições”, como você afirma. Mas veja, você tem o direito de escolha, as aves, os animais, NÃO!
3) “Não podemos admitir esse radicalismo.”: de qual radicalismo você fala? Até onde eu sei, a luta de Luísa Mell excede os 65 minutos. É diária, contínua! Trata-se de uma causa! Você acompanhou a polêmica relacionada à crueldade do transporte de bois vivos? Nâo? Mell estava lá, enquanto você sambava no pátio da escola! E você me vem com radicalismo?! Curioso, pergunto-me de qual cartilha retirou a palavra. É comum ressentidos, na falta de conhecimento, apelarem às cartilhas das ideologias de bolso, de lá extraírem palavras e frases e vomitarem à esmo, sem qualquer constrangimento. Na maioria das vezes, a técnica é acusar o outro daquilo que se é e se professa.
4) “Estamos falando de cultura, de povos e de tradições.”: cultura, povos, tradições? Ah, Godoizinha! Você é um sapiens! Por que se “rebaixar” e repetir feito um papagaio, parente daqueles que você ajuda a maltratar? Cultura, muitas vezes é resultado de sistemas de governo que criam, mantêm e incentivam hábitos no intuito de manipular robozinhos passistas, desviando-os dos verdadeiros problemas sociais. Quer saber um pouco da tradição do Carnaval? Leia e descubra o up que Getúlio Vargas deu para a sua causa e veja como tenho razão. Povos? Os povos se misturam, emigram, imigram, evoluem! Nada mais radical e conservador que bradar alguma causa trazendo a palavra povos como argumento. É pobre, Go! Mais, mais, Go! Mostra que você pensa! Mostra, Go! Tradição? Na Idade Média era tradição queimar bruxas, na África, ainda hoje algumas tribos tem a tradição da ablação do clitóris de jovens e etc etc. Portanto, por esse prisma a tradição é conservadora e radical, e não há nada mais desprezível que defender a crueldade apelando à tradição. É ignóbil, Godoizinha!
5) “Não podemos deixar tudo isso para trás por conta do radicalismo e da opinião de subcelebridades.”: não, Godoizinha, nós não! Talvez você não possa porque sentiu-se ofendida, afinal Luísa Mell arranhou-a na superfície desvendando, sem querer, o que você é por dentro - como popularmente nos referimos à índole de uma pessoa -, isto é, uma subcelebridade radical!
Nisso tudo, Mell ainda leva a melhor porque você a acusa de polemizar e, a meu ver, toda polêmica é salutar, afinal, estamos falando da crueldade aos animais, que você passista ajuda a perpetuar de forma egoísta e hipócrita. Dada a polêmica, talvez um dia possamos mudar isso tudo.
Grato!
Imagem: Iwi Onodera/UOL


[1] https://f5.folha.uol.com.br/celebridades/carnaval-2018/2018/02/madrinha-de-bateria-processa-luisa-mell-por-incitar-odio-em-rede-social.shtml

sexta-feira, 24 de março de 2017

11a praga: a carne podre

11ª praga: “Porque a carne é fraca, haverás de comê-la pobre por todos os dias de sua existência.”
Os egípcios não levaram a sério a monomania de Moisés, enfrentaram o Altíssimo, e deu no que deu: padeceram dores e flagelos com as dez pragas. Ah, as pragas! Outrora sofrimento, hoje são a alegria de diretores de folhetins que, na falta de roteiros bem elaborados, douram a pílula e fazem delas estripulias dignas de Hollywood. 
Gago, talvez Moisés tenha encontrado alguma dificuldade em se expressar; pode ser também que do alto do trono Faraó não tenha feito lá muito esforço para entendê-lo. Lenda ou verdade, o fato é que os egípcios pagaram caro por terem ignorado Moisés. Má vontade dá nisso!
No fundo, lá na filigrana, os acontecimentos da semana não diferem em nada da lenda bíblica. Ainda que a tabuleta tenha sido trocada (lembram-se da Tabuleta Nova em Esaú e Jacó?), Faraó fez questão de manter no nome as cinco letrinhas e nas ações a mesma arrogância. Representante-mor da canaille, finge desconhecer a ética. Moisés, por outro lado, sofreu certo esfacelamento e hoje virou instituição.
Moisés, não se sabe bem o porquê, veio a público dizer que acabara de descobrir que o povo hebreu padece da 11a praga: come carne pobre, seja de bois de sequestro, seja porque resolveram misturá-la a resíduos de papelão antes de chegar à mesa - ou à laje -, e não se dá conta.
Assim como na historieta bíblica, vale o aforismo espírita da lei do retorno. Faraó, seus asseclas e cúmplices estavam fadados a serem descobertos - sempre souberam disso -, mas detêm o poder e isso relativiza tudo; já o povo hebreu, por mais que se tenha mostrado incrédulo com a preparação da iguaria, não é assim tão ingênuo.
A prova disso é que há muito se publica na internet como nuggets e salsinhas são produzidos. Também há muito ativistas procuram conscientizar o povo da crueldade e do sofrimento imposto aos animais. E não é só isso: há muito este obstinado povo hebreu tem conhecimento de toda sorte de substâncias venenosas e/ou cancerígenas que são misturadas à carne, assim como suas implicações à saúde, não obstante as menininhas exibirem orgulhosas, já aos oito anos de idade, belos pares de peitinhos.
Mas o povo hebreu é faminto: o maná já não lhe satisfaz. Obtuso, além do churrasco na laje, parece viver a copular e a vibrar com a vitória de seu time favorito, esquecendo-se da profusa podridão que orbita seu espírito e que, hora ou outra fede, impregna as urnas, e o faz predestinado a uma vida de gado.
Por essas e outras que a surpresa descabida não se justifica! Qualquer hebreu atento teria notado que a escolta da polícia aos caminhões da Friboi, na greve dos caminhoneiros de 2015, era indício de que o estado da carne não estava lá essas coisas. O porquê de só agora Moisés decidir dar com a língua nos dentes é ainda um mistério. É sabido que à época de Hatshepsut, e até mesmo do Faraó anterior, as megacorporações de carnes foram beneficiadas com empréstimos polpudos do BNDES e que o TCU já via ali indícios de favorecimento.
A venda de carne apodrecida, com validade vencida, misturada a resíduos papelão e aditivos cancerígenos, entre outras fraudes, faz com que a maledetta propina paga aos cúmplices e ao partido do Faraó pareça café pequeno. Assim, mais uma vez o povo hebreu é ludibriado!
E digo mais: Moisés não só revelou o óbvio, como também contribuiu para inverter a importância das coisas. Enquanto os hebreus se preocupam com a salsicha de todo dia, os fariseus metem a mão em sua aposentadoria e acabam com as leis trabalhistas. Amanhã, passado o susto, a salsicha continuará na prateleira à espera do povo, só que em menor quantidade, já que terá sua renda ainda mais sucateada; o papelão, caso não tenha seu preço majorado no mercado, continuará a fazer parte do cardápio. As substâncias cancerígenas? Bem, o povo hebreu terá os planos de saúde populares.
Os animais? O pacífico povo hebreu não se importa com isso. Ademais, os frigoríficos não têm paredes de vidro, portanto, ignoram a crueldade, o ranger de dentes, o sangue que jorra...
Caro leitor, prometo que na próxima semana volto aos livros. A realidade não tem se mostrado nada atraente, levando-me a Schopenhauer. A solução, parece-me, vem da ficção.


Publicado originalmente em http://z1portal.com.br/category/miscellanea/

quinta-feira, 16 de junho de 2011

Foto de cão dependurado em varal gera revolta no Facebook

Vamos falar de utopia? Pois é, dizem que a palavra foi cunhada a partir dos radicais gregos ο - “não” e τόπος - “lugar”, portanto”, o “não-lugar”, algo como “lugar que não existe."
O termo se popularizou a partir da publicação, em latim, no ano de 1516, de Utopia, obra de Thomas More. More, fascinado pelos relatos de viagem de Américo Vespúcio sobre a recém avistada ilha de Fernando de Noronha, em 1503, produziu uma obra que ao longo da história da circulação literária, tornou-se sinônimo de algo fantasioso e irrealizável.
Sempre que se fala em utopia, ventila-se a ideia de quimera, delírio, fantasia, etc., razão pela qual me pergunto o que pensara Mahatma Gandhi quando disse que “A grandeza de uma nação pode ser julgada pelo modo que seus animais são tratados”. Este sinal de uma civilização ideal, respeitosa, fantástica, há de ser sonho de pacifista até quando? Por que a cada dia, numa época em que as pessoas se julgam civilizadas e o progresso caminha a passos largos, nos deparamos com uma total inversão de valores a ponto de chegarmos a duvidar da ciência, que um dia afirmou ser o homem um animal "racional"?
O porquê da prosa? Ontem à noite, lia as últimas notícias na internet e me deparei com a notícia de que o jovem filipino, Jerzon Senador (qualquer semelhança do nome com estripulias do pessoal de Brasília, é mera coincidência), entediado, resolveu partir para a crueldade, dependurou seu cãozinho no varal, fotografou e publicou as fotos no
Facebook. Procurava, assim, de maneira covarde, seus quinze minutos de fama.
A campanha contra Senador foi grande, ele retirou as fotos e pediu perdão. Você perdoaria caso tivesse sido pendurado à exposição pública? Bem, é claro, o perdão depende do grau de cristandade do su
jeito – e as Filipinas, dizem, são um país cristão. Eu, pessoalmente, penso que estão se habituado a nos estapear a outra face.
Mas nem tudo está perdido, acreditem! Segundo li, nas Filipinas, em maio de 2010, houve a primeira condenação de alguém a
cusado de crueldade contra animais, o caso de um jovem da Universidade das Filipinas, multado em 2.000 pesos filipinos e condenado a dois meses de trabalho comunitário por ter matado um gato dentro do campus universitário e divulgado o assunto em seu blog.
Fim da prosa? Nada disso. O que mais me surpreendeu foram os comentários dos internautas brasileiros, povo cristão, ordeiro e respeitoso (?), sobre o ocorrido. Em geral não leio esse tipo de expressão pessoal, temo embrutecer, embora migalhas ali sejam aproveitáveis. Não vou reproduzir aqui as idiotices que li, porém, é curioso que os codinomes não condizam em nada com o que é falado. Uma pessoa intitulada Professor reclama de que há assuntos muito mais importantes a serem publicados e argumenta que o cachorro não sentiu dor física, embora sinta tensão emocional. “Nota-se isso pelo seu olhar!”, afirma o cara pálida. Um outro, o Dono da Razão, não questiona o fato, mas sim, a causa. Tivesse ele sido pendurado depois de um banho para que se secasse, tudo bem!
A estupidez vai além e há aqueles que acreditam que as pessoas não se importam com crianças de rua, assassinatos, a impunidade geral e irrestrita desta casa-de-mãe-joana, por que deveriam se importar com animais? Há ainda aqueles que, quando questionados sobre os absurdos ditos, sentem-se tolhidos em seu direito de expressão - essa mania de brasileiro que acha que o ouvido dos outros é pinico e por isso pensam que somos obrigados a concordar com tudo.
Que não concordem com meu respeito aos animais, vá lá, mas covardia é covardia! Digam o que quiserem, mas, ainda assim, continuo pensando feito Gandhi, mesmo que tudo não passe de utopia.

Para saber mais:

http://tecnologia.uol.br/ultimas-noticias/redacao/2011/06/15/fotos-no-facebook-de-cachorro-pendurado-num-varal-despertam-ira-de-usuarios-da-rede.jhtm

Imagens: Todas disponíveis no Google-Images.

sexta-feira, 27 de maio de 2011

"Tem animal solto na rua? Tem que matar.": vereadora Sílvia Fernanda de Almeida, a Beatriz Rondon da vez.

Há dias num desses comentários semanais – Chateaubriand, os sinos e o mau humor-, elogiei a pacata São João del-Rei por sua romântica persistência em manter a tradição de tocar os sinos. Isto porque em várias outras cidades pipocavam ações na justiça calando as badaladas que um dia encantaram Chateaubriand, o grande romântico francês.
Quando se acha que já se viu de tudo, não é que São João del-Rei abandonou seus tão badalados sinos, ignorou completamente meus elogios e ganhou as manchetes da semana? Quer saber como, leitor? Pelo arruar de uma de suas filhas, a vereadora Sílvia Fernanda de Almeida (PMDB), que provocou polêmica ao defender o extermínio de animais de rua em sessão da câmara dos vereadores.
Permita-me, leitor, infiltrar-me por seus pensamentos - sem quebra de sua integridade
, claro-, e repetir o que ora se pergunta: “Como? Exterminar animais? Não entendi. __ Nem eu, leitor. Para que serve mesmo um vereador? Essa, leitor, nem sei como ou o quê lhe responder. Dada a extensão da matéria, caso seja paciente, é provável que consiga garimpar muita coisa nas páginas ditas político-policiais. Antes, porém, confesso: minha intenção era falar de um livro delicioso que ora leio – O mundo como vontade e representação, de Schopenhauer, mas, essa tal de Sra. Almeida se intrometeu em minhas ideias, desviou-me do caminho, e como tenho eterno apreço pelos animais, aqui estou a defendê-los e a denunciá-la.
Adianto que não sou versado em pantomimas políticas, mas embuste é embuste, logro é logro e, não se tendo nada a fazer – a educação e a saúde em São João del-Rei são as pérolas da cidade, motivo de orgulho -, a ilustre vereadora voltou-se aos indefesos animais. Portanto, cidades desse grande antônimo de federação: mirem-se no exemplo de São João del-Rei e lá encontrareis o que há de melhor para seus filhos e do
entes.
Mas, ainda assim, algo me preocupa: por onde andará a sanidade da Sra. Almeida em terra onde a cura está ao alcance de todos? Leitor, talvez não tenha entendido nada. Nem eu! O que fazer com ideias tão antípodas? Perco-me entre a arte e o interesse.
Criam-se ONGs, leis e institutos para preservar a vida animal: por que a cidadã mineira toma rumo contrário? Inclino-me a acreditar que há algo de errado com a sanidade da vereadora.
Contudo, dizia Boileau: Rien n’est beau que le vrai; le vrai seul est aimable. Deveria, pois, seguir o conselho da Sra. Almeida?: “Tem animal solto na rua? Tem que matar. Eu sou a favor de uma atitude que ponha fim definitivamente ao problema.” Afinal, isso é o verdadeiro – le vrai -, foi o exatamente isto que ela disse.
T
alvez, se perfilhasse o raciocínio de Schopenhauer e não acreditasse na ilusão da bondade da vida – ilusão, porque para o filósofo, o que preenche a vida é o conflito, o sofrimento, o desespero e a miséria-, talvez, aí sim, desse algum crédito à vereadora. Mas, por ora, fiquemos com o poeta e vamos ao que a Sra. Almeida disse de verdadeiro – é só ver o filminho na rede -, “Tem animal solto na rua? Tem que matar.”
Ora, procurada pela imprensa, a vereadora fez o que todo político pego de calças curtas faz: fez-se de ingênua, mal-compreendida et cetera e tal. Defendeu-se dizendo que não propôs um projeto para acabar com “todos” os animais soltos nas ruas da cidade e que a declaração no vídeo foi “infeliz e retirada do seu contexto”, o que, para mim, é menosprezar a capacidade intelectiva do leitor. Para isso basta ver
o vídeo em todo o seu contexto: 11m34 de longa exposição, raciocínio lógico e largamente pontuado com todos os pingos nos is.
Questionada sobre sua relação com os animais, a Sra. Sílvia Fernanda de Almeida (PMDB), partiu para a ofensa e afirmou
que “ama os animais”.
No dia seguinte aos seus quinze minutos de fama, buscando ainda os holofotes, a Sra. Almeida disse estar sofrendo ameaças de morte e disse em seu blog que seu projeto previa a doação de animais, o que, diga-se, a vereadora esqueceu-se de dizer ao longo de sua fala inflamada que veio a público, na internet. E, como sempre, a culpa é da mídia. Em política, desvia-se, rouba-se, mostra-se incompetência e a culpa é da mídia. Ah! mídia malvada, pervertida, lobo mau! E não é que a Sra. Almeida veio com um discursozinho batido, chinfrim, cheio de clichês, caças às bruxas, compactuar com os maus, atender aos poderosos etc., na sanha de se fazer passar por vítima frente aos algozes animais de São João del-Rei? Ah! esqueci-me das penas ao vento – hilário. Leia leitor, leia, e tire suas próprias conclusões, e não se esqueça de seu voto nas próximas eleições. Afinal, esse grande satã, essa besta que é a mídia, sempre desvirtuando tudo, colocando palavras na boca das pessoas...:
"A mídia, como sempre muito competente para atender aos poderosos, não me ouviu e, se o fez, editou de maneira a favorecer o clima de caça às bruxas. Espalharam um travesseiro de penas ao vento, que não tenho como recolher. Os que não me conhecem, acreditam em qualquer coisa porque são inocentes quanto ao jogo político. Aceitarão a manipulação e nada posso fazer. Aos que me conhecem, peço tão somente que se inteirem dos fatos com profunda para não serem induzidos a compactuar com os maus", escreveu em seu blog.

Para saber mais, acesse:

http://noticias.uol.com.br/cotidiano/2011/05/25/vereadora-de-minas-gerais-defende-exterminio-de-animais-de-rua-e-cria-polemica.jhtm

http://www.jb.com.br/pais/noticias/2011/05/26/vereadora-que-propos-exterminio-de-animais-diz-ter-sido-ameacada-de-morte/

Imagens: Todas disponíveis no Google-Images.

sexta-feira, 6 de maio de 2011

Beatriz Rondon: lobo em pele de cordeiro

Fábulas - e o fabuloso La Fontaine não me deixa mentir - são narrativas curtas escritas em prosa ou verso, com finalidade didática. Elas se caracterizam geralmente pela utilização de um animal simbólico ou personagens fictícios, diálogos vivos, afiados e quase sempre cômicos. O conceito moral implícito é usualmente expresso no final ou, mais raramente, no início do texto. Uma das principais características da fábula é apresentar uma dupla inversão de posições das personagens principais.
Das fábulas, também pode-se afirmar que diferem das parábolas, pois enquanto estas não ultrapassam os limites do provável, aquelas procuram sempre dar característica real ao fantástico, transferindo para os animais qualidades e sentimentos próprios do homem. Ao longo da história literária, muitos foram os fabulistas que nos legaram obras interessantes, alguns, monumentais, a exemplo de Esopo e La Fontaine.
A paternidade da fábula como gênero literário é atribuída a Esopo, lendário autor grego que teria vivido por volta do século 6 a.C., cujas fábulas serviram como base para recriações de outros escritores ao longo dos séculos, a exemplo de Fedro e La Fontaine. Esopo, dizem, encantava seus contemporâneos com narrativas inteligentes. Entre tantas, que caíram na tradição oral, havia aquelas em que o lobo figurava entre as personagens principais. Veja esta recontada por La Fontaine:
O leão, a raposa, o lobo e o chacal resolveram unir forças e saíram, pelas matas, para uma caçada conjunta. Em pouco tempo, surgiu uma presa e mataram um apetitoso veado. Por ordem do leão, separaram o animal em quatro partes iguais. A raposa, o lobo e o chacal estavam felizes, pois iam receber a sua justa porção, fruto da sociedade e do trabalho conjunto. O leão, do alto da sua majestade, começou a falar: o primeiro pedaço me pertence, pois, afinal, sou o rei dos animais. O segundo pedaço também me pertence, uma vez que sou o árbitro da partilha. O terceiro é meu, pois é a parte que me cabe como sócio. Quanto ao quarto e último pedaço, quero ver quem vai ter a coragem de me desrespeitar e colocar a pata em cima. Ao cabo de tudo, o leão comeu sozinho e os sócios de empreitada ficaram a ver navios.
Outra fábula de fundo moral semelhante fala do lobo que se disfarçou com uma pele de cordeiro e assim conseguiu se infiltrar num rebanho de ovelhas, fazendo-se passar por uma delas e aproveitando da situação para devorar as inocentes e desprevenidas vítimas. O conceito moral dessa história também está contido na passagem bíblica: "Acautelai-vos, porém, dos falsos profetas, que vêm até vós vestidos como ovelhas, mas interiormente são lobos devoradores"(S. Mateus, 7:15).
Enfim, a expressão lobo em pele de cordeiro é usada sempre que alguém finge se passar por gente correta, para alcançar objetivos desonestos e até mesmo criminosos e, parece-me, não foi outra a intenção da Sra. Beatriz Rondon, pecuarista e dissimulada ambientalista da Fazenda Santa Sophia, Mato Grosso do Sul.
Hoje o vídeo que mostra a Sra. Rondon despindo-se de sua pele de cordeiro veio à luz. Quando o vi na TV minha alma veio ao chão. Impulsivamente chamei-a de vagabunda. Depois, revi o vídeo na internet e não me contive: repeti meu xingamento e acrescentei vários outros que gostaria, fossem associados à pessoa da Sra. Rondon. No vídeo, que teria sido feito por turistas estrangeiros, aparece o criminoso Antonio Teodoro de Melo Neto, que está com a prisão decretada por caça ilegal. A pecuarista e pseudo ambientalista Beatriz Rondon também aparece e, diante de uma onça recém abatida a tiros, uma de suas falas é: “Era uma grande fêmea, muito bonita, que estava comendo minhas vacas aqui”. A Sra. Loba Rondon, é bom que se diga, recebia recursos de uma ONG internacional para proteger as onças.
Veja reportagem publicada há pouco no jornal A Tribuna News:
Estado - Meio Ambiente

Fazendeira e empresária recebia recursos de uma ONG internacional















A ação da Polícia Federal e do Ibama (Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis) realizada ontem (05) em uma fazenda do município de Aquidauana , apreendeu várias galhadas de cervos, mandíbulas de porcos do mato, crânios de onças , couro de cobra, carcaças de animais silvestres, instrumentos utilizados para caça de onça, munições e armas de uso restrito.
Todas estas provas que dão indícios as caçadas ilegais de animais silvestres foram encontradas na Fazenda Santa Sofia, de propriedade da fazendeira e empresária Beatriz Rondom.
Em 2002 Beatriz recebia recursos de uma ONG internacional para proteger as onças que atacavam o rebanho bovino. Para cada animal constatado morto por uma onça e periciado pela organização, a fazendeira recebia a quantidade de R$250. Era uma espécie de indenização, conforme indicou uma reportagem televisiva da época.
Segundo apuração da PF, a pousada da fazenda Santa Sofia era fachada para realizar abates clandestinos de animais. A empresária está sendo investigada e não foi indiciada porque não há provas que ela tenha ligação com o grupo que agia de forma organizada para a prática de crime ambiental.
O Ibama apontou que os primeiros indícios de irregularidade na fazenda foram constatados na Operação Jaguar, realizada em junho de 2010. A investigação ganhou reforço de um vídeo anônimo gravado dentro da fazenda, em momentos de caçadas e abates.
Ninguém foi preso porque não havia pessoas na fazenda no momento da ação.

Fonte: A Tribuna News/Juliana Santos

Como se vê, Esopo continua atual. A pele de cordeiro caiu, muito embora, algo me escapa nesse imbróglio todo: o vídeo não configura prova? Recentemente, em Santos, uma mãe abandonou seu bebê em uma caçamba de lixo, foi flagrada pela câmera de um estabelecimento defronte e, diante da prova irrefutável, foi para a cadeia. Por que no caso da Sra. Loba Rondon, o vídeo não serve como prova? Será que sua condição de grande pecuarista muda o teor do vídeo, colocando-a acima da lei? Ou teria ela contatos influentes em Brasília? Numa fazenda tão grande, com pousada para a recepção dos turistas caçadores, que chegavam a desembolsar de 30 a 40 mil dólares por safári, com direito a passagem, alimentação, translado, hospedagem, por que estava deserta no momento da operação? O fato de saber que a Sra. Rondon é filha de Péricles Rondon, falecido desembargador da república, me deixou tudo bem mais claro. No mínimo, parodiando Shakespeare, há algo de podre no reino da Dinamarca.
Me revolto. Por que tiraram a venda da justiça? Vérité en deçà des Pyrénnées, erreur au-delà.
Ah! Brasil! Por que a todo momento me obrigas a não esquecer a máxima de Pascal?

Imagens: disponíveis no Google Images.