Ah,
quanta diferença entre o discurso e a prática, entre o ser e o não ser, entre o
ser e a fraude, entre o camarão e o molho! Um leitor afinado à literatura
machadiana há de ter reparado no desejo de nomeada de algumas de suas
personagens. O escritor, é claro, parodiava, ironizava a hipocrisia reinante entre
seus confrades e figuras eminentes na sociedade de sua época.
E
por falar em eminência, vamos ao rol de títulos que fazem com que os medíocres
se debatam e se digladiem entre si: se começarmos pelas universidades, de
pronto temos a Vossa Magnificência ou Vossa Excelência, e como vocativos,
Magnífico reitor, Excelentíssimo Senhor Reitor (o termo é usado mesmo para
aqueles que surrupiam o erário e mantém seus clubes de suivants).
Em
pleno século XXI, acreditem leitores, há seres afeitos a toda essa titulação,
casca que esconde o podre dentro da fruta. Pois há! E isso não é o pior: há
também os pequenos poderes. Assessores, presidentes de comissões, coordenadores
e diretores de departamentos e, junto deles, toda uma legião de aduladores e
puxa-sacos, ávidos por um naco de poder, uma verbinha aqui e outra acolá. Para
isso, caluniam, tergiversam, blasfemam, insultam, imprecam, tumultuam e, claro,
bajulam, seduzem e corrompem.
No
meio judiciário a coisa é tão enojada quanto. Quem já não leu nos noticiários
sobre as estripulias de juízes e ministros do STF/TCU/ETC/ETC, cujas biografias
constroem-se em conchavo com o que há de pior na política e na criminalidade? Estes,
nomeiam-se Meritíssimo Juiz ou Vossa Excelência
e trazem como vocativos Meritíssimo Senhor Juiz ou Excelentíssimo Senhor Juiz.
Para os advogados, aduladores por excelência, tais figuras são seres eminentes.
A
proeminência, penso, que deveria ser intelectual e moral, na maioria das vezes
é parda! Casos recentes como os dos ministros do TCU Aroldo Cedraz e Raimundo
Carreiro, não me deixam mentir. Ambos, depois de
se declararem impedidos para julgar um processo de superfaturamento, voltaram
atrás ao ver que o ex-senador Efraim Morais e o ex-diretor geral Agaciel Maia,
hoje deputado distrital em Brasília (os dois, ex-dirigentes do Senado e ligados
ao MDB), seriam condenados a devolver ao menos R$ 14 milhões em prejuízos aos
cofres públicos. Nada de novo no horizonte: mais um caso em que a canalha se junta
e se acoberta.
Hoje não foi diferente, o “eminente ministro Marco Aurélio”
(palavras do advogado do Lula), às vésperas do Natal, resolveu presentar a
corja com a qual se coaduna. Numa canetada só deferiu uma liminar movida pelo
jurássico PCdoB, libertando condenados em tribunais de segunda instância, o
que, no frigir dos ovos, significa suspender “a execução de pena cuja decisão a
encerrá-la ainda não haja transitado em julgado, bem assim a libertação
daqueles que tenham sido presos, ante exame de apelação”.
Não sou douto em leis e direitos, mas, conversando com meus
botões, constatamos o óbvio: trata-se de um indulto perpétuo de Natal para a
“cumpanheirada” do ministro, a constituição é mentirosa porque sim, alguns
estão acima da lei (o ministro, por exemplo, usando da subjetividade e da
hermenêutica ao examinar as leis, aplica-as como lhe convém, portanto, está
acima de todos e da lei, até mesmo porque não pode ser processado e preso), os
tribunais de segunda instância são teatros, não valem de nada, haja vista a
caneta do ministro desfazer tudo o que fizeram e, por fim, o povo é palhaço.
Ave às eminências!