Revista Philomatica

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terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

O índio colonial

"Este livro não quer ser um falso estudo acadêmico, [...], e sim uma provocação. Uma pequena coletânea de pesquisas históricas sérias, irritantes e desagradáveis, escolhidas com o objetivo de enfurecer um bom número de cidadãos." Isto que você acaba de ler, leitor, está na contra capa de um pequeno livro, leve e agradável que me caiu nas mãos. Trata-se do Guia Politicamente Incorreto da História do Brasil, do jornalista Leandro Narloch. De maneira irreverente, o autor discorre sobre temas centrais da nossa formação cultural, precisamente aqueles maquiados pela história oficial ou por historiadores militantes, que em determinado momento acharam por bem refazer o traço à sua moda. Não é preciso ir muito longe. Veja-se o noticiário atual. Quiçá daqui há cem ou duzentos anos o adjetivo guerreira que a máquina governamental tenta agora imprimir à imagem da candidata governista não perdurará? Para isso, basta repetir e repetir à exaustão. Já mencionei aqui o lema de Joseph Goebbels, ministro do Povo e da Propaganda de Adolf Hitler, de que uma mentira repetida várias vezes, torna-se uma verdade. Aí, quem sabe, o adjetivo guerrilheira, fruto do passado da candidata, não será mera curiosidade a ser escavada por um jornalista curioso feito Narloch? Mas voltemos ao livro. Ali, o autor provoca ao desenvolver temas como: Zumbi tinha escravos, A origem da feijoada é europeia, Aleijadinho é um personagem literário, Antes de entrar em guerra, O Paraguai era um país rural e burocrático... etc. Por aí tem-se uma ideia da afronta à mens sana da história oficial e do intelectual engajado. Com disse o autor: é pura provocação. Li o primeiro capítulo dedicado aos índios, no qual afirma-se que quem mais matou índios foram os próprios índios, colocando em cheque a ideia vendida de que foram os portugueses os algozes responsáveis pela extinção quase que total dos indígenas. Para isso o autor recorre a estudos recentes de historiadores e estudiosos que se deram ao trabalho de fuçar em Arquivos Históricos e de lá trouxeram dados que realmente dão o que pensar. Veja-se, por exemplo, o caso dos índios: segundo o autor, à época das bandeiras paulistas, a distinção entre bandeirantes paulistas e índios era difusa. Muitos daqueles que chamamos de bandeirantes eram mestiços de primeira geração, pois tinham mãe, tios e primos criados nas aldeias e pareciam mais índios que europeus. Domingos Jorge Velho, bandeirante paulista, era filho de europeu com uma índia e sequer falava português, assim como quase todos naquela época, pois se comunicavam em tupi-guarani, a língua geral. Narloch cita ainda José de Anchieta que, já em 1565, percebeu que os tupinambás, tradicionais adversários dos colonos, repentinamente se mostraram dispostos a se aliarem aos portugueses. O motivo, segundo Anchieta, era "o desejo grande que têm de guerrear com seus inimigos tupis, que até agora foram nossos amigos, e há pouco se levantaram contra nós." Enfim, o que se pode destacar como dado mais interessante é o fato de que a história oficial afirma que os portugueses reduziram o número de nativos a 10% do original (de cerca de 3,5 milhões, em 1500, para 325 mil) e, ao afirmar isso, se esquecem do índio colonial, que os historiadores oficiais ignoram. Ao menos, jamais ouvi expressão similar de professores em minha época de escola. O índio colonial era aquele que abandonava a aldeia para se estabelecer junto dos portugueses, nas vilas. O índio colonial, personagem esquecido da história brasileira, tem símile exemplar na figura do índio Arariboia, cacique da tribo dos timiminós, que ajudaram os portugueses a expulsar os franceses e tupinambás do Rio de Janeiro. Vencida a guerra, muitos temiminós e tupiniquins foram batizados e adotaram sobrenome português. Arariboia virou, então, Martim Afonso de Souza (em homenagem ao primeiro colonizador do Brasil) e ganhou a sesmaria de Niterói, para onde transferiu sua tribo. Tempos depois, em 1644, Brás de Souza reivindicou ao Conselho Ultramarino o cargo de capitão-mor da aldeia de São Lourenço, valendo-se de seu principal argumento - o nome da família. O pedido foi aceito pelo Conselho pois era "descendente dos Souza que sempre exercitaram o dito cargo"; em 1796, é a vez de Manoel Jesus de Souza pleitear o posto de capitão-mor, e, o mesmo Conselho, autorga-lhe o cargo visto "sua descendência nobre." Passados cem anos, os descendentes de Arariboia já não se viam como índios, eram os Souza e faziam parte da sociedade brasileira. Hoje, muito provavelmente, continuem a se identificar da mesma maneira e sequer têm ideia de que um dia foram filhos de Arariboia. Bem, para encurtar a prosa, o Guia de Narloch rende boas horas de leitura.

Nota: Guia Politicamente Incorreto da História do Brasil, NARLOCH, Leandro; ilustrações Gilmar Fraga, São Paulo: Leya, 2009.

sábado, 23 de janeiro de 2010

Ermida do Guaibê: patrimônio histórico e descaso secular

Às margens do canal de Bertioga, próximo à balsa que liga Guarujá a Bertioga, jaz a Ermida do Guaibê, também conhecida por Capela ou Igreja de Santo Antônio de Guaíbe (ou Guaibê). Em tempo: jaz, do verbo jazer, que lembra jazigo, sepultura, ou seja, aquilo que permanece em estado ou condição tal que parece não existir, que está enterrado. Pois bem, é esse o estado atual da Ermida do Guaibê. Está literalmente enterrada entre a vegetação e o descaso do Poder Público e das instituições responsáveis pela conservação do Patrimônio Histórico. Malgrado as poucas iniciativas tomadas (Ministério Público Federal - leia abaixo), a situação permanece quase inalterada. Quase, porque quando lá estive, notei a ausência de pedras seculares que faziam parte do portal da igreja - roubadas não se sabe por quem. Também havia um novo barraco em construção, diga-se, em local onde se pretende criar o Parque Arqueológico São Felipe. É lamentável o ritmo das iniciativas públicas. Qualquer empresa privada que tralhasse em tal velocidade, estaria fadada ao fracasso. E parece-me ser este o destino da Ermida - o fracasso, o que, no caso, é seu total desmoronamento.
Construída por volta de 1560 (afirma-se também que foi entre os anos de 1563/1565), por José Adorno, a Ermida que, no século XVII, já foi chamada de Capela de Santo Antônio da Armação, tem suas ruínas localizadas no extremo nordeste da Ilha do Guaíbe ou Santo Amaro (Guarujá). A importância histórica dá-se pelo fato de que naquela região ocorreram acontecimentos marcantes para a história do Brasil. Ali desembarcou a armada de Martim Afonso de Souza, dando início ao povoamento da Capitania de São Vicente. Ali ocorreram os grandes conflitos entre portugueses, tupiniquins e tamoios, interrompidos graças à intervenção dos jesuítas José de Anchieta e Manoel da Nóbrega. A Ermida, afirma-se, é um patrimônio setecentista, embora muitos estudiosos acreditem tratar-se de ruínas remanescentes de uma capela construída no século 16, onde José de Anchieta e Manoel da Nóbrega pregavam e catequizavam os índios. Ali afirma-se, José de Anchieta teria escrito seu célebre poema Milagre dos Anjos.
A Ermida jaz em completo abandono, sem que o Poder Público adote medidas para sua recuperação e preservação. Há uma trilha pela qual se chega até o conjunto arquitetônico: um muro secular que traça o entorno da Ermida e a capela propriamente dita, com o aspecto do abandono ressaltado pelas inúmeras pichações deixadas por frequentes visitas de vândalos, além do que, não há qualquer sinalização que indique a existência das ruínas e seu valor histórico. O local permaneceu por muito tempo esquecido, em razão da densa vegetação que escondia por completo as ruínas. Armando Lichti mandou limpá-las, em 1945, mantendo-as em condições de acesso e visitação turística. Fez isso enquanto viveu, de lá para cá, parece-me, nada foi feito. Espera-se que um dia, nos subterrâneos da burocracia, alguém tropece nos documentos do referido patrimônio e resolva de vez iniciar os trabalhos de sua recuperação. E detalhe: não se pode esperar muito por tal tropeço, caso contrário, quem cai é a Ermida.

Fontes: www.novomilenio.inf/guaruja/gfoto009.htm e site do Ministério Público Federal?SP
Nota: No site do Ministério Público Federal, em Notícias do MPF, há documento disponível, de 25/6/2008, com o seguinte título: MPF/SP recomenda que Iphan preserve patrimônio no Guarujá. A notícia começa assim: "O Ministério Público Federal em Santos (SP) recomendou ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) que apresente, em 45 dias, um relatório com diagnóstico completo das atuais condições estruturais e dos riscos mais evidentes de degradação, desabamento ou qualquer outra condição que cause danos às ruínas do Forte de São Luiz, da Armação da Baleia e da Capela de Santo Antônio do Guaibê." Sobre o inquérito, diz o Ministério Público: "Em um inquérito civil, realizado pelo Ministério Público Federal, foi apurado que o patrimônio arqueológico está em total estado de abandono, sujeito à ação modificadora e destrutiva por condições climáticas e de tipologia da vegetação verificada na área. Outro risco detectado é a ocupação da área por moradores, particulares e populações caiçaras, inclusive sobre áreas do próprio sítio da Armação das Baleias, além de pichações. Para o procurador da República Antonio Arthur Barros Mendes, autor da recomendação, os problemas fundiários ali existentes em virtude de a área ser composta de terras da União, do estado e do município e a ocupação das terras por parte de populações caiçaras não são motivos para que o poder público fique inerte, permitindo a deterioração progressiva dos bens tombados.'É necessário que o Iphan assuma a iniciativa de preservação e coordene juntamente com as autoridades estaduais e municipais o processo de intervenções necessárias para a preservação do sítio', afirma. A atual persistência dos órgãos responsáveis pelo patrimônio em manter uma postura passiva diante dos problemas pode levar os monumentos tombados a perder suas feições atuais, o que acarretaria em uma maior dificuldade de manutenção e pesquisa das ruínas e, conseqüentemente, no seu desaparecimento, com danos irreparáveis à memória da formação da sociedade brasileira. Consulte: http://noticias.pgr.mpf.gov.br/noticias-do-site/meio-ambiente-e-patrimonio-cultural/25-06-08-mpf-santos-recomenda-que-iphan-preserve-patrimonio-no-guaruja/.