Revista Philomatica

sexta-feira, 16 de junho de 2017

Os vacilões e a scriptum frons

A grosso modo, o humanismo é uma filosofia moral que, valendo-se de uma escala de importância, coloca o homem no centro do mundo, qual seja, versa sobre o humano, suas posturas éticas, suas aspirações e capacidades, atribuindo, sempre que pode, alguma importância à dignidade humana, sem, contudo, perder de vista a racionalidade.
Eis aí um rótulo: humanista! Filosófico, traz em si um método que, aceito em parte por uns e rechaçado por outros, deu origem a várias outras vertentes. E, uma vez que de rótulos entendemos em demasia, deveríamos todos ser íntimos do humanismo, e a tal ponto que não nos obrigássemos a um mínimo esforço que fosse para exercê-lo. Inspirar e ser humanista; expirar e ser humanista, contagiando outros tantos de tanta utopia - desculpem-me o rasgo irônico!
Ainda assim, presumo, o borogodó de todo humanista tem um não sei quê de alteridade – não avento qualquer definição para esta última porque suponho que o mais obtuso dos leitores constitui-se a partir do outro. Fosse esta uma prática, falar em respeito e tolerância cairiam em desuso pelo uso.
Mas, vá lá, vivemos de e para os rótulos! De miséria e mediocridade constitui-se o barro humano. A mediocridade, que na alma humana navega em águas profundas, dá mostras quotidianas. Fosse eu um desses especialistas – expertises, nomeiam-se alguns -, armar-me-ia de uma meia dúzias de rótulos para criticar outros tantos rótulos.
O porquê de toda esse palavrório, leitor vacilão? Não leu, não viu, não compartilhou, não comentou a testa do adolescente homem adulto que, pego no flagra, saiu rotulado?
Você, leitor especialista em comportamento humano, entendedor de suas relações, ás em generalizações teóricas com inferências sociológicas, não me aponte o dedo!
Não avalizo a frase grafada no crânio do adolescente, entre as sobrancelhas e o couro cabeludo; não, em absoluto! Mas também não avalizo sua inocência, assim como a de seus carrascos! Penso, ao contrário, na ladeira em que descemos todos; desde a canaille que desliza pela rampa dos palácios em Brasília até o poviléu que se movimenta por trilhas, ruas e becos das periferias, todos irmanados na possibilidade de se apossarem de um botão, matar um mandarim, amealhar uma fortuna sem qualquer esforço e livrar a si mesmos de qualquer culpa, a despeito da consciência.
Seríamos todos partículas de um povo ética e moralmente fraco? A corja de Brasília não me representa, dizem todos. Subiram a rampa prometendo ética, por isso é que os elegemos. Mas somos assim tão ingênuos? Acreditamos ainda em duendes e na fadinha do dente? Ora, a literatura nos ensina muita coisa: a vida, qual o romance, é um espelho, cujos reflexos faz com que vejamos a nós mesmos, e iluminemos hora ou outra os porões de nossa consciência. Por isso, leitor, aqueles que obram o poder e obram no poder, só o fazem por sua causa!
Como a memória precisa de chão, e às vezes é tratada como uma planta aérea, investem-se os especialistas de sabedoria facebookiana e perpetuam a disseminação de rótulos. Na tentativa de apontar o dedo para uns e outros, a fronte do adolescente foi reproduzida à exaustão com dizeres diversos, acusando o leitor virtual por seus pecadilhos sem, contudo, se darem conta de que ao fazê-lo expunham ainda mais o adolescente ao ridículo e à execração pública.
Esqueceram-se os especialistas da teoria do benefício. Será preciso avivar sua memória, obtuso leitor, achegar alguma terra às suas raízes? Pois é isso o que se vê! Certos de uma suposta anuência do leitor virtual, decidiram criticá-la e, ao fazê-lo, divulgaram a foto do rapaz incontáveis vezes acreditando praticar algum benefício. Há muito, Cubas explicou a natureza do benefício e seus efeitos. Acreditando fazer uma boa ação, julgam-se os especialistas superiores, esquecem-se dos próprios pecadilhos, cuja consciência acumula em seus porões nacos de perversidade, transgressão, maldade, erros, heresias, luxúria, vícios transgressões e, quiçá, crimes.
Ora, acenda ao menos uma lamparina nas trevas dos porões de sua consciência, caro leitor; tire primeiro o argueiro de seus próprios olhos, recolha o indicador, exclua as fotos do adolescente de sua página virtual, dê azo ao livre arbítrio e, se especialista, imploro: meta defronte à sua consciência um espelho e deixe o adolescente e seus carrascos responderem por seus atos!



 Publicado originalmente em http://z1portal.com.br/category/miscellanea/

quinta-feira, 15 de junho de 2017

Flânerie na Rue Lepic

Manhã fria, céu cinza, embora já estivéssemos no começo de junho, com o verão à porta. Saímos logo depois do café. A chuvinha era leve e triste; o destino, Montmartre. Ela, como sempre, remoía clichês e disse estar exultante por conhecer os lilases eternizados por Aznavour. Eu, esforçando-me para parecer simpático, disse que a mim me encantavam os gerânios que pendiam das janelas e se ofereciam aos passantes.
Descemos na gare Anvers só porque ela achava a Rochechouart muito cheia de gente. É próxima uma da outra, disse-me, mas tem menos gente. É bizarro (o adjetivo saia-lhe dos lábios sequenciado, ritmando-se à medida em que via algo que merecesse sua crítica de cientista social – assim fizera ante igrejas, castelos e museus, por terem sido construídos com mão de obra escrava, afirmava), tem-se a impressão de que se está no Oriente ou na África! Não pude deixar de notar o laivo de sinceridade, mas não disse palavra! Prova leitor, de que há muito discurso que só considera o fenômeno. Arremedos de metafísica!
A razão para me acompanhar, dissera, fora o fato de que eu já fizera vários passeios pelo bairro, alguns deles, na companhia de uma francesa, que me mostrara becos e ruelas estranhos à horda de turistas que diariamente afluem para o local.
Entabulamos uma boa conversa, mesmo depois de a minha retina ter espelhado a ambiguidade de seu discurso. Num azo compensatório, destampou a falar de José do Patrocínio, a viagem que ele teria feito a França em 1892, de onde trouxera o primeiro automóvel a vapor que circulara pelo Brasil e cujo barulho espantava os transeuntes.
A historieta do automóvel e outra do dirigível Santa Cruz, uma geringonça de 45 metros e 1200 quilos que jamais levantou voo, ficaram por minha conta. De fato, ela estava por lá para descobrir o que Patrocínio fizera em sua viagem a Paris, curiosidade que, confesso, justifica um bom ano de flânerie – e que se dane a Capes e a pilha de formulários a ser preenchida! Tudo vale a pena se se está em Paris, ainda que seu orientador esteja locado em outro continente. Sobre isso ela preferiu não comentar! Mas, deixemo-la de lado, andemos por Montmartre!
Ainda nos arredores da Basilique du Sacré Coeur, torcemos à direita rumo a Saint-Pierre de Montmartre, onde mostrei-lhe as duas colunas que supostamente teriam pertencido a um templo dedicado ao deus Marte. Disse-me que só entrara ali por minha causa; detestava igrejas, achava-as bizarro!
Dali partimos para a Place du Tertre, encantamo-nos com os pintores de rua, flanamos por becos, lojinhas, o Museu do Chat Noir; arrisquei algumas anedotas quando chegamos ao Lapin Agile, descrevendo peripécias envolvendo boêmios e os salões de arte moderna, o burro de Frédéric, a tela que um pintor italiano jamais pintara... e, de repente, descobri a razão pela qual ela quisera tanto flanar por Montmartre: o café da Amélie Poulain, dissera, onde é o café da Amélie Poulain?
Num rasgo romântico, dissera-me que se encantara com o filme e pôs-se a contar-me sobre o dia em que o assistira, o dvd que comprara, as inúmeras vezes em que o revira, os sentimentos que lhe vinham à tona, certa nostalgia inexplicável... Face a tal disposição emocional, partimos rumo a Rue Lepic.
Juntos, éramos dois seres distantes: eu observava os prédios, as janelas, os gerânios, a rua, as marcas do tempo, as frutas, os peixes expostos nos pequenos comércios, as cerejas que teimavam em sufocar pêssegos e maçãs tal a quantidade com que eram oferecidas.
Descemos a desigual Rue Lepic até chegarmos à esquina do Café des 2 Moulins, com seu toldo vermelho a atrair turistas ansiosos em reviver seu filme preferido. Na calçada, abarrotada de mesas, transeuntes equilibravam-se na pequena faixa por onde ainda se podia andar, todos voltados para o interior do café.
Perguntei a ela se queria tomar um café no interior, afinal, por um lapso de tempo estaríamos e seríamos parte do cenário do filme. Não, respondeu-me! Quero entrar sim, mas só para tirar umas fotos e depois postar; minha amiga vai morrer de inveja!
Entramos e logo um garçom nos abordou. Ela respondeu ao garçom ensaiando um pedido de licença para fotografar o interior do café. De minha parte, olhava o balcão e tentava rememorar cenas e sons que fizeram a graça do célebre acetato. Embora disperso, acompanhei o rápido diálogo:
O garçom: Bonjour Madame, je peux vous aider?
Ela : Oui, faire des fotos seulement!
O garçom: Quel est le mot magique ?
Ela: (perdida, olha para mim).
Eu (absorto): Amélie Poulain.
Diante da bizarrice, o garçom sai gesticulando, sem deixar de mostrar toda a sua impaciência por ter cruzado com dois não clientes paspalhões.
Na rua, ria às desbragadas, por ter confundido a célebre palavra mágica “s’il vous plaît” com “Amélie Poulain”. Ela, que mal tirou uma ou duas fotos do café, saiu achando tudo bizarro.


Crédito: Aquarela d'Alex Krajewski

 Publicado originalmente em http://z1portal.com.br/category/miscellanea/

domingo, 4 de junho de 2017

Morre a Rainha Elizabeth II, do Reino Unido

Londres já não é mais a mesma. Nesta manhã, a comoção tomou conta dos ingleses ao saberem que Elizabeth II falecera no Royal London Hospital. À espera de um primeiro boletim médico que esclareça a morte da monarca, jornalistas do mundo todo se concentram defronte ao hospital. Contudo, comenta-se que a rainha teria vindo a óbito após ter comido um priániki de chocolate, que lhe fora oferecido por Alexandr Yakovenko, embaixador russo em Londres. Fontes não oficiais informam sobre intensa movimentação na Scotland Yard; a Royal Air Force, segundo jornalistas do The Guardian, movimenta-se em direção ao Kensington Palace Gardens, sede da embaixada russa. Moscou, até agora, é de um silêncio sepulcral.

Haja vista esta coluna tratar da semana em curso - e dada a relevância do assunto -, desculpo-me desde já, caro leitor, por interrompê-lo, mas, sinto-me obrigado a perambular entre os foliões antes de voltar à fria Londres.
Antes que soubesse da morte Rainha, à espera do carro das ideias, corri os olhos pelas diferentes notícias. O que vi confirma a lógica de que padecemos todos de alguma coerência. Foliões travestidos de mulher agridem casal gay em beijo caloroso na orla de Florianópolis; militantes da causa animal desfilam enfeitados com penas de pavão (a escola campeã de São Paulo gastou meio milhão de reais só em penas da malfadada ave, afirma a imprensa); apoiadas em carros estacionados nos becos de Ouro Preto, feministas se deixam fotografar em momento de luxúria com rapazes ‘bombados’; outros, que bradam aos quatro cantos o emblema da apropriação cultural, acabam-se no Carnaval, esquecendo-se de que ele nasceu no covil de lobos brancos de olhos claros e com os pés bem fincados nas Lupercálias e nas festas dionisíacas, e così via... De qualquer modo, como o ano só começa agora, desejo-lhe um Feliz Ano Novo!
É provável que você tenha vindo até esta página em razão do título. Felizmente a simpática Rainha continua lá, firme como uma rocha. Para encerrar algumas ideias desenvolvidas em textos anteriores (Fatos, opiniões e pós-verdade e Imprensa folhetinesca), decidi partilhar do mesmo modus operandi da imprensa atual, qual seja, lançar mão de um título sensacionalista a fim de arrastar o pobre leitor até suas páginas.
Depois de quase uma semana em que meus ouvidos foram postos à prova sob intenso bum bum paticumbum prugurundum, didático, comento como jornais e sites de notícia criam notícias falsas à cata de leitores.
Títulos sensacionalistas pululam nas redes sociais e até mesmo nos grandes jornais - a dita imprensa tradicional -, aquela que se coloca a serviço do Brasil, ou vem a cavalo, ou vê o que vê no imperativo, ou nomeia-se carta.
Pois bem leitor, você já deve ter notado que seu texto é incessantemente interrompido por propagandas; para dizer a verdade, elas se intrometem por todos os lados, apertam-no, fazem dele uma coluna estreita em meio a carros, modelos, banners de imobiliárias e lojas, anúncios de cartão de crédito, fotos paradisíacas de agências de viagem, etc. Tudo isso não está lá à toa. A cada vez que você se distrai e clica em um desses atrativos, esquecendo-se do texto, o site hospedeiro lucra um pouquinho. Eis o lema: clique é dinheiro.
Uma vez que a maioria dos leitores não sabe distinguir fato de boato, a mídia e as redes sociais navegam de vento em popa e a verdade, se antes já mostrava ter uma coluna bastante flexível, hoje, é relativizada a ponto de a ambiguidade surgir como pré-requisito, pois é instrumento de fidelização do público. Em geral, embaralha-se verdade e mentira. Desta feita, a militância, a intolerância, o ódio ou mesmo a simples curiosidade, encarregam-se de retroalimentar as notícias divulgadas por meio de infinitos compartilhamentos (espero que você faça o mesmo com meu post).
Para o sites e portais eletrônicos - o mesmo aplica-se à imprensa escrita -, pouco importa o estrago provocado pela notícia. Quando muito o ofendido entra com um processo, o juiz obriga a retirada da notícia e, vez ou outra, à cata do vil metal, um processo por dano moral continua; mas o link já foi disseminado, copiado, colado, gravado na memória de milhões de almas que o reproduzem ad infinitum. O fato é que se lucra com a notícia e quanto maior a audiência, mais se ganha com publicidade.
A maioria dessas notícias são publicadas em sites sensacionalistas registrados fora do país; não se publicam o expediente, endereço ou telefone para contato e sequer os autores dos textos são identificados - primeira pista para que você desconfie da veracidade do que está lendo.
Sob a bitola de “tudo é business, tudo é dinheiro”, a responsabilidade de saber o que é e o que não é fica a cargo do leitor, de modo que, relativizada, a verdade passa a ser uma questão de ponto de vista, uma pós-verdade, cada um acredita no que acha que deve acreditar, ainda que o fato esteja lá, diante dos olhos, e/ou posteriormente apareçam os desmentidos.
Os descalabros na política tem sido uma inesgotável fonte de criação de notícias sensacionalistas e, como não poderia deixar de ser, aparecem os especialistas. Estes, dividem-se ao sabor dos diferentes pontos de vista, uma vez que muitos deles também fazem as vezes de Teseu alimentando o Minotauro das fake news. Alguns clamam por uma regulação global, uma alfabetização midiática; outros proclamam uma autocorreção da mentira à medida que o tempo passa, acreditando que assim tudo se esclarece; outros ainda minimizam o assunto, registrando que ao compartilhar uma notícia falsa, que nos choca ética ou moralmente, nos sentimos, de fato, participativos.
O fato é que em tempos em que governos bradam gastos sensacionalistas com a educação, institutos apontam que apenas 8% dos brasileiros entre 15 e 64 anos de idade são capazes de se expressar por escrito, opinar, argumentar, ler gráficos e tabelas. Daí, vale que para essa maioria, a imagem ou o vídeo que muitas vezes vem acoplado ao texto passa ao largo do que jaz escrito, revelando-se uma crítica inócua.
Uma vez que o objetivo é provocar a desinformação e solapar a credibilidade de notícias pretensamente objetivas, cabe ao leitor agarrar-se àquela que lhe pareça mais fidedigna, já que nada de braçadas em um mar de mentiras. Mas nada disso é novo: há muito, ao escrever Anekdota, Procópio arruinou a reputação do Imperador Justiniano; Maria Antonieta foi outra que passou pelo crivo da imprensa clandestina pré-Revolução, que produzia notícias falsas e sensacionalistas às desbragadas.
Para terminar a prosa, leitor, só molequei no título por brincadeira - e nem precisei fazer como aquele jornal a serviço do Brasil que, para tentar elevar garatujas em paredes à categoria de Basquiat, precisou de um videozinho e fotos de pichação em estilo modern art para falar a mesmíssima coisa que falei aqui. E God Save the Queen.

 Publicado originalmente em http://z1portal.com.br/category/miscellanea/

sexta-feira, 2 de junho de 2017

A exaustão das palavras

O fenômeno, em si, talvez não tenha nada de novo. Ocorre, porém, que à medida em que as redes sociais adensam os vínculos - ou as rupturas -, ele ressurge flagrante e invade o espírito. No espaço do texto, além de preencher o branco da página, palavras e discursos reiteradamente ditos, carregam-se de diferentes sentidos e utilizados à exaustão tornam-se ambíguos, perdem a significação e ganham certo vazio cuja sonoridade produz eco tão frívolo quanto a fonte.  
A mocinha que diz que sua filosofia não é carregar na maquiagem ou o amor dito às desbragadas nas redes sociais são exemplos de como as palavras ‘filosofia’ e ‘amor’ foram vandalizadas pelo uso. Fala-se muito e demais, diz-se pouco ou quase nada.
Não bastassem as palavras, nesse nosso tempo em que abundam celebridades, intelectuais e filósofos - hoje, pops e habitués de programas de variedades na TV -, as personalidades também se pautam pela mediocridade. O mérito, tal o carvalho frondoso, foi abatido pela obstinação da lâmina contra o caule; degenerado, tornou-se constitutivo opressivo e de menosprezo.
Vilipendiado pelo discurso multicultural, o mérito, por sua presença, contribui para a relativização do respeito, e quiçá, da competência; esta, tal como a flor do cacto, deve brotar de caules duros e espinhosos, em solo desértico e pedregoso, caso contrário, não se deve respeitá-la. Outras flores, malgrado o encanto, a delicadeza e a frescura, dado o discurso atual, são impiedosamente condenadas por supostamente terem se nutrido da umidade da campina em que nasceram. Ninguém quer saber do esforço empenhado por suas raízes, persistentes na procura do húmus que jaz na profundeza. Assim, cantada em verso e prosa, pulula a mediocridade!
No nada desse mundo sem Deus, em que o século ainda jovem só faz perpetuar o niilismo dos anteriores, tentamos a todo custo preencher o vazio. Para isso, buscamos alguma segurança material e algum conforto moral substituindo as certezas antigas, na maioria das vezes, por discursos antigos travestidos do novo, mas um novo feito de palavras exauridas! Ensaiamos novas tournures de frases cujo conteúdo quase nunca alça voo, arremetemos sempre! Esgotadas, as palavras sequer incomodam os ouvidos do sistema.
A verdade, como dizia Schopenhauer, não é uma garota que pula no pescoço de quem não a deseja, de modo que nos encantamos com o velho como se estivéssemos diante de algo genuíno e novo. Engodo às polarizações, os discursos nos desviam daquilo que realmente importa. E, no mais das vezes, fazemos ouvidos moucos, alienamo-nos face às ideologias e à verborragia das palavras cansadas.
Os fatos, por mais díspares que possam parecer, são ganchos para que os filósofos das redes sociais expressem os mais variados sistemas, todos, sem exceção, alheios ao mundo (ainda que se esforcem em mostrar-se interessados) e à evidência, mas focados unicamente na política à qual são subservientes, fazendo dela seu critério decisivo para julgar o que é bom, o que é ruim, o que é notável, ou o contrário! Os que não leem a mesma cartilha e ejaculam o mesmo discurso, as mesmas palavras velhas e cansadas, merecem a indiferença.
Neste cenário, é comum a mediocridade frequentar todos os bares, todas as esquinas, todos os becos, de modo que pode ser comprada e transmitida pela rede da qual o cidadão faz parte. Nas universidades, como em qualquer outro lugar, a amável mediocridade trabalha incessantemente, subserviente a interesses gerais ou pessoais, fazendo com que o saber seja prostituído e desprezado, tornando-se, não raro, simples favor.
Nesse mundo sombrio, uma palavra nova e robusta equivale a um ponto de luz projetado em meio à escuridão, capaz de emocionar, alegrar e nos consolar nesse deserto que é a vida! Mas sempre é preciso algum cuidado: ainda que as palavras curem os males, há sempre aquelas que matam!


 Publicado originalmente em http://z1portal.com.br/category/miscellanea/