Revista Philomatica

sábado, 24 de agosto de 2019

Gênesis1 – A criação do céu e da terra e de tudo o que há na Amazônia


1. No princípio criou Deus os céus e a terra. [...]
11. E disse Deus: “Produza a terra erva verde, erva que dê semente, árvore frutífera que dê fruto segundo a sua espécie, cuja semente esteja nela sobre a terra.” E assim foi.
12. E a terra produziu erva, erva dando semente conforme a sua espécie, e a árvore frutífera, cuja semente está nela conforme a sua espécie. E viu Deus que era bom.


No Gênesis, primeiro livro do Pentateuco, a narrativa bíblica não só é pautada pela repetição, como também é marcada pelo predomínio do lendário, afinal, como explicar a astúcia da serpente enredando Eva em uma prosa científica, prometendo-lhe o conhecimento? Serpente e Eva punidas, sobrou-nos o pecado original e as tentativas ad eternum de arrependimento, até que Darwin batesse o pé e os criacionistas os tambores.
Ainda que os criacionistas glorifiquem as maravilhas divinas, como a criação dos céus e da terra e tudo o que nela existe, parece-me, não respeitam Deus e sequer a sua obra. Mas isso não é de hoje. Para os homens dos séculos XVII e XVIII, a maior prova da existência divina era a natureza; toda a natureza, afirmavam, estava cheia de traços que ajudavam a conceber as coisas celestes e as verdades mais sublimes. Contudo, vieram os racionalistas e os materialistas, solapando a rocha sobre a qual assentavam as ideias metafísicas. Deus no que deus! O cientificismo, acreditando resolver todos os problemas das sociedades por meio do progresso e da industrialização, ignorou as maravilhas concebidas pelo Altíssimo. Deu no que deu! Com o tempo a própria ciência se deu conta de que a natureza era a fonte de muitas de suas realizações; feito isso, voltou-se para as ervas, seus frutos e suas sementes.
Enquanto os europeus, depois de passarem por duas guerras, verem o fim do comunismo e terem enfrentado atribulações de percurso, decidiram que era a hora de pintar de verde o seu território, nós, brasileiros, a passos céleres resolvemos colorir tudo de cinza e preto – como ocorreu esta semana na cidade de São Paulo, quando o dia virou noite em razão do corredor de fumaça oriundo das queimadas na Amazônia.
A floresta é a última das preocupações das forças políticas que se enfrentam e polarizam as opiniões no cenário político atual. A destruição das matas é explicada por ambas as forças, cada uma apresentando suas razões e ignorando a tragédia que ora vemos, sem que nenhuma delas tenha implementado qualquer ação para impedir o fim da flora e da fauna da Amazônia. Os interesses são diversos e ambas as forças lucram de uma ou outra forma. O descaso é tamanho a ponto de os moradores-desmatadores da cidade de Novo Progresso, no sul do Pará, terem instituído o “Dia do Fogo” (10 de agosto), cujo objetivo não é outro que o de queimar propositadamente a floresta, sob o silêncio abençoado do governo federal, que sustenta um discurso abjeto sobre a questão.
Não à toa, países como a Alemanha e a Noruega, que contribuem com milhares de euros para a preservação da floresta, ao se recusarem a continuar a abrir a burra para os brasileiros, têm sido achincalhados pelo presidente e seus asseclas. Nesses nossos dias de relativização da imprensa escrita, em que tudo é pautado pelo visual, é comum recebermos imagens com frasezinhas curtas incitando o ódio contra ambientalistas, além de afirmarem que os europeus só estão atrás das riquezas minerais que jazem sob a camada verde criada pelo Altíssimo.
Não sou ingênuo: o interesse existe, assim como existe a cobiça desenfreada das mãos nacionais e cristãs, cujos ouvidos eriçam ao tilintar do vil metal.
O resultado é que em razão da polarização das forças políticas, a massa, que pouco e mal lê, deixa-se levar por discursos construídos pelos salvadores da pátria de ontem e de hoje, e passa a viver em bolhas (também líquidas?), construindo grupos que se juntam a fim de analisar e refletir sobre situações específicas, porém, a prerrogativa para a admissão nesses círculos é a uniformidade das ideias. Tem-se então a igualdade de pensamentos, as pessoas falam como se estivessem frente a um espelho, que, refratário, lhes devolve a mesmíssima coisa, e todo mundo fica feliz.
A circulação - e a evolução - das ideias exige contrapontos, reticências, desacordos, mas, porém, contudo, todavia... Nesta semana a imprensa divulgou comparação de pontos de vista de duas figuras do cenário político nacional a respeito do desmatamento na Amazônia. Os comentários, no site em que foi publicada, dão conta do que eu disse acima e mostra a intolerância construída entre pares que dizem e ouvem sempre um pouco mais do mesmo.
A despeito das variantes que envolvem o cotejo de opiniões publicado na imprensa, parece-me que no momento ninguém está interessado na diversidade dos discursos, na alteridade, na divergência de opiniões e no que pode advir disso. Encastelam-se em suas opiniões e sustentam as primícias do “eu e eles” e da “verdade absoluta”, nas quais o “eu” sempre prevalece, esquecendo-se de que o que move o homem são os interesses - e política é política. Não por outra razão Adorno nos advertiu um dia para desconfiarmos das ideologias, tenham elas o matiz que tiverem.
Abaixo, reproduzo os pontos de vista mencionados acima só para provocar, só para furar a sua bolha, caro leitor:

Lula: “Fico pensando que a Amazônia é que nem aqueles litros de água benta que tem na igreja: todo mundo acha que pode meter o dedo. Nós não podemos permitir que as pessoas tentem ditar as regras do que a gente tem que fazer na Amazônia.”

Bolsonaro: “Eu queria até mandar recado para a senhora querida Angela Merkel, que suspendeu 80 milhões de dólares pra Amazônia. Pega essa grana e refloreste a Alemanha, tá ok? Lá está precisando muito mais do que aqui.”



sexta-feira, 16 de agosto de 2019

O padre Fábio de Melo e a ciranda das vaidades


Roda, roda, roda
Pé, pé, pé
Roda, roda, roda,

Caranguejo peixe é


O padre, cuja retórica era arrimo para uma multidão de internautas desesperançados, resolveu tirar a trave dos olhos de seus fiéis seguidores, mostrar-lhes que a verdade liberta, e não deu outra, rodou! Na fogueira das vaidades, a hipocrisia que habita as almas girou, girou e padre rodou, rodou. Condenado sumariamente por um aluvião de hipócritas, não teve como fincar o pé, desistiu! Abandonou o Twitter. É possível que a roda viva, nas voltas que o mundo dá, o traga de volta, mas, no momento, para o padre, tudo estancou de repente.

O padre Fábio de Melo, aventurou-se emitir sua opinião a respeito das beneméritas saidinhas com as quais são premiados pela justiça brasileira os filicidas e parricidas. Como é senso comum que nem sempre a justiça se ocupa da justiça, acredito que o padre tenha se sentido à vontade ao se expressar via Twitter e deu no que deu. Internautas moralmente corretos, éticos, virtuosos, honestos e escrupulosos apontaram o dedo para o padre, condenando-o por sua falta de cristandade, afinal, se Jesus perdoou um ladrão segundos antes de seu último suspiro, por que o padre faria diferente? Com mil raios! O padre não é filho de Deus? Por que não perdoar um pai que espancou e depois atirou a filha de cinco anos do sexto andar do prédio em que morava? A menina, claro, índole difícil, não devia ser alguém com quem fosse fácil conviver, e o pai, pobre pai, tomado pela pressão do dia a dia, certamente agiu em legítima defesa. O resto, bem, o resto foi tudo intriga e armação da promotoria, razão pela qual continua, injustamente encarcerado.

Vale lembrar que do episódio até nossos dias rodaram-se apenas 11 anos, mas a memória, fraca, fez com que a turba se esquecesse de que, à época, tentara ela mesma fazer “justiça” com suas próprias mãos, ignorando os preceitos que agora cobra do padre.  Este, por sua vez, afirmou: “Este lugar [a internet, o Twitter] deixou de ser saudável pra mim”; isto, depois de expor sua opinião e ter sido chamado de ‘justiceiro, canalha, desinformado, desonesto’ e otras cositas impublicáveis.

O padre, conhecido por suas tiradas bem humoradas não se deu conta de que muitos dos seus sete milhões de seguidores, obtusos, só enxergam aquilo que querem enxergar. É perda de tempo mostrar, provar, argumentar... Parte desses fiéis - ignorou o padre - só é ética se tiver a certeza de que uma câmera paira sobre suas cabeças como um onipresente anjo alado, caso contrário, subtrai, surripia, rouba e trai, mostrando-se moralmente correta e altruísta.

Ora, é sabido que as redes sociais é o espaço do fingido, do hipócrita, do mentiroso, do desleal, do enganoso, do errado, do ilegal, do falso, do fraudulento, do pérfido, do traiçoeiro, do fariseu, enfim, é por esta fogueira de vaidades que o padre se deixou levar ao imaginar uma Ágora a sua conta do Twitter, lugar em que pudesse dialogar com as diferenças e estabelecer alguma dialética com certa natureza de seguidores que só povoa as redes sociais porque divide as características que mencionei acima. Estes, hipócritas, travestem-se de juízes dignos e impolutos, pessoas moralmente íntegras, e, irrepreensíveis, “enfiam suas violas no saco” ou “enrolaram o rabo e sentam em cima” - como dizia minha sagrada nonna - sempre que algo é do seu interesse. 
O padre, não se dando conta disso, reuniu-se com improváveis, achou que tudo fosse uma brincadeira de meninos, esquecendo de que mesmo a cantiga, serve-nos de aviso, afinal, caranguejo só é peixe na enchente da maré. Trocando em miúdos, só quando você fala aquilo que ele quer ouvir.




sexta-feira, 9 de agosto de 2019

Toni Morrison: livre e insurgente


Toni Morrison partiu esta semana. Ao ler sobre sua morte, uma vez mais lembrei-me de Angela Davis, professora, ativista e insurgente contra o estado de coisas e o sistema que nos sufoca. Mas a semana foi de Toni Morrison, professora, rebelde, livre, pensadora, ativista, radical em suas análises e observações, isto é, alguém que afirmava o que quer que seja sem o uso de meias palavras - sempre do agrado de gregos e troianos -, alguém que afirmava ser a morte o significado da vida e a linguagem, por podermos fazê-la, a medida de nossas vidas. Enfim, alguém que dizia ser o “romance o lugar da liberdade”. Como não amar Toni Morrison? Como não fruir da literatura de Toni Morrison?
Aos avessos ao cânone, Morrison, queiram ou não, há de se tornar canônica; seu percurso deixou traços na pátina das ideias literárias, o que é indício de repouso no Panteão dos imortais. Agraciada com o Pulitzer de 1988, foi a primeira mulher afro-americana a receber o Prêmio Nobel de Literatura em 1993, por Beloved, um mergulho no universo negro dos Estados Unidos no século XIX.
Toni Morrison morreu na noite de segunda-feira sem que víssemos seu sentimento de revolta se esvanecer por um só momento. Nem o sucesso internacional nem o Prêmio Nobel de Literatura em 1993, nem os vários doutorados honoris causa e outras distinções alteraram suas paixões e sua altivez, ainda que, depois de ver um afro-americano na presidência dos Estados Unidos, testemunhasse o retorno do racismo desinibido com a eleição de Donald Trump.
Neta de ex-escravos, ela sabia de onde veio e nunca teve medo de chocar. Em outubro de 1998, por exemplo, chamou Bill Clinton de “o primeiro presidente negro dos Estados Unidos”. “Ele tem todas as características dos cidadãos negros: veio de um lar monoparental, origem modesta, infância na classe trabalhadora, um grande conhecimento do saxofone e um amor pela junk-food digno de um rapaz do Arkansas”, disse ela. Recentemente, em 2015, quando promovia em Londres seu livro God Help the Child, ao comentar os vários abusos policiais que haviam acabado de acontecer nos Estados Unidos, disse ao The Telegraph: “Eu quero ver um policial atirar em um adolescente branco e indefeso. Eu quero ver um homem branco encarcerado por estuprar uma mulher negra. Só então, se você me perguntar: “Acabamos com as distinções raciais?”, eu responderei a você sim.”
Chloe Ardelia Wofford nasceu em 1931; ao converter-se ao catolicismo adotou o nome de Anthony, que seus amigos abreviaram paraToni. Seu avô era um fervoroso leitor da Bíblia e com ele logo aprendeu a ler e a escrever. Bolsista, Chloe Anthony Wofford (Morrison vem de seu casamento com Harold Morrison, em 1958) foi uma estudante brilhante, defendeu uma dissertação sobre o suicídio em Faulkner e Virginia Woolf e iniciou uma carreira docente. Em 1973, publicou pela Random House uma antologia de escritores negros, The Black Book.
Entre os anos 1989 a 2006, lecionou literatura na Universidade de Princeton (New Jersey), havia muito proibida para negros. Em 1989, ela já era uma escritora reconhecida, porém, tudo começou no ano de 1970, quando publicou o primeiro de seus onze romances, The Bluest Eye, que não teve sucesso e é apreciado com reservas pela comunidade negra. Na obra, uma menina de 11 anos, Pecola Breedlove, sonha em ter olhos azuis e acaba cega, louca e persuadida a ter um aspecto de cor cobalto, graças à operação de um charlatão negro.
Além de seus romances, vale ressaltar ensaios como Playing in the dark, extraído de suas conferências na Harvard, no qual pode-se observar a natureza radical de suas análises e suas observações: “Eu falo da construção da brancura em literatura. Como a literatura se torna ‘nacional’, como Melville ou Twain tiveram a ideia do branco que eles eram, imaginando o negro: sua linguagem, estranha, diferente, quase estrangeira; o modo de associar os negros a certos traços: a violência, a sexualidade, a raiva ou, se for um bom negro, o servilismo, o amor. O que não tem nada a ver com a realidade, mas é a maneira como os brancos imaginam os negros. Por exemplo, eu estudo Benito Cereno, de Melville, em que o homem branco não consegue imaginar que o negro possa fazer algo inteligente. Em Hemingway (em Ter e não ter, O Jardim do Éden), Saul Bellow, Flannery O'Connor, Willa Cather, Carson McCullers, Faulkner ... eles contemplam corpos negros para refletir sobre si mesmos, sobre sua própria moralidade, sua própria violência, sua própria capacidade de amar, ter medo etc.” 
E Morrison não reflete só sobre os preconceitos que constroem o tecido social, mas também sobre a escrita. Em 1998, referindo-se a Jazz, publicado em 1992, afirmou depois de ter sido acusada de “não respeitar o que fundamenta todo o romance, a unicidade da voz narrativa”: “Hoje, ser moderno é um crime!”, “Sem falar daqueles que me colam a etiqueta de “realismo mágico”, evocando alguma proximidade com Garcia Márquez, o que não faz sentido. ‘Realismo Mágico’ é o que dizemos quando não sabemos o que dizer, para ‘literatura não branca’”.
Por fim, leitores, espero que essas garatujas lhes deixem algo do espírito da Sra. Morrison, que gostaria, lessem um dia.


sexta-feira, 2 de agosto de 2019

Lições da África


Aos olhos dos países ricos europeus, Estados Unidos e Canadá, a África, a despeito de todos os beneméritos discursos dos líderes ocidentais, continua sendo vista com descaso, lugar fugidio de tribos e povos incultos, selvagens, pouco afeitos à inventividade coletiva e ao talento individual; a este, quando valorizado, atribui-se algum destaque em razão de seu caráter exótico. Não que os europeus não tenham visto - e vejam - a nós, brasileiros, da mesma forma. Ocorre que nós, quer queiram ou não, do alto de nosso espírito de colonizado, arrogantes, reputamo-nos colonizadores e sempre olhamos para a África a partir do olhar europeu, nunca fomos lá fuçar e tentar entender a África a partir de seus filhos.
Prova disso são as centenas de dissertações e teses defendidas nas universidades públicas brasileiras, cujo teor são as relações culturais, as literaturas africanas e as literaturas pós-colonialistas; seus autores, na maioria das vezes, não se deslocam para Angola, Moçambique, Cabo Verde etc., mas sim, vão a Lisboa, Coimbra, Paris... - é sempre mais prazeroso estudar os povos africanos à margem do Sena. Desse modo, em parte perpetuamos a ideia de uma África atrasada, longínqua e inacessível. Não generalizo, é claro, mas parte do que tenho visto hoje são produções pautadas por certo equívoco, resultado de pouca leitura e super valorizando as questões raciais como parâmetro para a criatividade, o talento, a aptidão e a capacidade. Dito isto, penso em qual seria a cor da literatura ou das literaturas. É claro que as literaturas refletem seus meios e a manufatura de um autor africano ou descendente terá traços e marcas próprias do seu espaço, das suas histórias e de seus traumas, enfim, da saga do povo africano. Mas é preciso reconhecer, é isso é polêmico, que muitos que se arvoram por esses estudos o fazem superficialmente, uma vez que os olhares - como disse - foram intermediados.
Mas deixemos os estudos literários de lado e tomemos o bonde das notícias. Vejam como o pensamento na Etiópia está a anos luz à frente do brasileiro: aqui, o governo defende abertamente o desmatamento das florestas e o sucateamento dos parques nacionais, empenhando-se em uma política retrógada que, se revertida, demorará décadas, oxalá século, para que a natureza e fauna se refaçam – o que não acredito, dada a ânsia de saúva que nos tomou a todos. Explico-me: nós, brasileiros, (generalizo, embora deva respeitar uns poucos que navegam contra a maré, pois é fato que a maioria ainda não se deu conta de que é um hospedeiro consumindo seu organismo - o planeta – de tão forma avassaladora cujo fim não é outro senão a morte de ambos) ainda não sabemos conviver com outras formas de vida, derriçamos tudo, flora, fauna, enfim, praticamos a política da terra arrasada.
Lá, na Etiópia, o governo adquiriu nova consciência em relação ao meio-ambiente, o que faz com que nos envergonhemos das notícias por nós produzidas nos últimos anos. Lá, na Etiópia, o governo está empenhado no reflorestamento do país. Estranho, não!? É possível que as boas ideias tenham aparecido lentamente, mas como nunca é tarde, a Etiópia propôs-se a plantar 4 bilhões de árvores para preservar seus recursos naturais e combater as mudanças climáticas. Também é possível que os etíopes tenham se dado conta disso às custas de muito sofrimento: quem não se lembra da Carestia de 1983-1985, na Etiópia? Essa fome em massa que exterminou 400.000 etíopes e impulsionou o concerto Liv-Aid, elevando a fome a status internacional e garantindo algum recurso aos etíopes. À época, se alguns acharam a ideia maravilhosa, outros discordaram, haja vista o acadêmico Alex de Waal ter afirmado que “a ajuda humanitária prolongou a fome, e com ela, o sofrimento humano”, talvez porque, ele próprio, jamais tenha sentido o estômago preso às costas.
Mas hoje os etíopes estão enxergando para além dos umbrais de suas portas. Na segunda-feira passada, segundo notícias da agência AFP, o governo dispensou os funcionários e organizou um esforço coletivo junto aos cidadãos para que pudessem plantar árvores, motivando assim o restante do país a fazer o mesmo. [Interrompa sua leitura, caro leitor, e compare as ações dos etíopes aos discursos e o não fazer nada dos brasileiros. Quanto aos europeus, estes são sensíveis à causa, mas plantam pouco ou coisa nenhuma!]
Feito isso, continue.
Depois de o governo etíope ter afirmado que cerca de 350 milhões de mudas de árvores foram plantadas, o porta-voz do primeiro ministro Abiy Ahmed afirmou: “Demonstramos a capacidade de as pessoas se unirem coletivamente.” De quebra, ressaltou que a campanha cujo objetivo é reflorestar áreas desmatadas ao longo das últimas décadas surgiu como uma boa oportunidade de solidarização entre os cidadãos, qual seja, plantar árvores tornou-se instrumento humanitário, algo que talvez seja óbvio para os indígenas, povos que têm por hábito o respeito à natureza e estão aqui por perto, mas tão perto, que os ignorarmos - e os matamos.
Por fim, se para os etíopes o desmatamento tornou-se um problema muito sério, para os brasileiros a consciência de que desmatar é algo nocivo à natureza está longe de se tornar uma questão quotidiana, haja vista o INPE ter anunciado hoje um aumento de 40% no desmatamento da Amazônia. É claro, há gente que desmereça o INPE, afinal...
Para concluir: a África é a mãe de muitas outras lições que o tempo e o espaço não me permitem retomá-las.