1. No
princípio criou Deus os céus e a terra. [...]
11. E disse
Deus: “Produza a terra erva verde, erva que dê semente, árvore frutífera que dê
fruto segundo a sua espécie, cuja semente esteja nela sobre a terra.” E assim
foi.
12. E a
terra produziu erva, erva dando semente conforme a sua espécie, e a árvore
frutífera, cuja semente está nela conforme a sua espécie. E viu Deus que era
bom.
No Gênesis, primeiro livro do Pentateuco, a narrativa bíblica não só é
pautada pela repetição, como também é marcada pelo predomínio do lendário,
afinal, como explicar a astúcia da serpente enredando Eva em uma prosa
científica, prometendo-lhe o conhecimento? Serpente e Eva punidas, sobrou-nos o
pecado original e as tentativas ad
eternum de arrependimento, até que Darwin batesse o pé e os criacionistas
os tambores.
Ainda que os criacionistas
glorifiquem as maravilhas divinas, como a criação dos céus e da terra e tudo o
que nela existe, parece-me, não respeitam Deus e sequer a sua obra. Mas isso
não é de hoje. Para os homens dos séculos XVII e XVIII, a maior prova da
existência divina era a natureza; toda a natureza, afirmavam, estava cheia de
traços que ajudavam a conceber as coisas celestes e as verdades mais sublimes.
Contudo, vieram os racionalistas e os materialistas, solapando a rocha sobre a
qual assentavam as ideias metafísicas. Deus no que deus! O cientificismo,
acreditando resolver todos os problemas das sociedades por meio do progresso e
da industrialização, ignorou as maravilhas concebidas pelo Altíssimo. Deu no
que deu! Com o tempo a própria ciência se deu conta de que a natureza era a
fonte de muitas de suas realizações; feito isso, voltou-se para as ervas, seus
frutos e suas sementes.
Enquanto os europeus, depois de
passarem por duas guerras, verem o fim do comunismo e terem enfrentado atribulações
de percurso, decidiram que era a hora de pintar de verde o seu território, nós,
brasileiros, a passos céleres resolvemos colorir tudo de cinza e preto – como ocorreu
esta semana na cidade de São Paulo, quando o dia virou noite em razão do
corredor de fumaça oriundo das queimadas na Amazônia.
A floresta é a última das
preocupações das forças políticas que se enfrentam e polarizam as opiniões no
cenário político atual. A destruição das matas é explicada por ambas as forças,
cada uma apresentando suas razões e ignorando a tragédia que ora vemos, sem que
nenhuma delas tenha implementado qualquer ação para impedir o fim da flora e da
fauna da Amazônia. Os interesses são diversos e ambas as forças lucram de uma
ou outra forma. O descaso é tamanho a ponto de os moradores-desmatadores da
cidade de Novo Progresso, no sul do Pará, terem instituído o “Dia do Fogo” (10
de agosto), cujo objetivo não é outro que o de queimar propositadamente a
floresta, sob o silêncio abençoado do governo federal, que sustenta um discurso
abjeto sobre a questão.
Não à toa, países como a Alemanha e
a Noruega, que contribuem com milhares de euros para a preservação da floresta,
ao se recusarem a continuar a abrir a burra para os brasileiros, têm sido
achincalhados pelo presidente e seus asseclas. Nesses nossos dias de
relativização da imprensa escrita, em que tudo é pautado pelo visual, é comum
recebermos imagens com frasezinhas curtas incitando o ódio contra
ambientalistas, além de afirmarem que os europeus só estão atrás das riquezas
minerais que jazem sob a camada verde criada pelo Altíssimo.
Não sou ingênuo: o interesse existe,
assim como existe a cobiça desenfreada das mãos nacionais e cristãs, cujos
ouvidos eriçam ao tilintar do vil metal.
O resultado é que em razão da
polarização das forças políticas, a massa, que pouco e mal lê, deixa-se levar
por discursos construídos pelos salvadores da pátria de ontem e de hoje, e
passa a viver em bolhas (também líquidas?), construindo
grupos que se juntam a fim de analisar e refletir sobre situações específicas,
porém, a prerrogativa para a admissão nesses círculos é a uniformidade das
ideias. Tem-se então a igualdade de pensamentos, as pessoas falam como se
estivessem frente a um espelho, que, refratário, lhes devolve a mesmíssima
coisa, e todo mundo fica feliz.
A circulação - e a evolução - das ideias exige contrapontos,
reticências, desacordos, mas, porém, contudo, todavia... Nesta semana a
imprensa divulgou comparação de pontos de vista de duas figuras do cenário
político nacional a respeito do desmatamento na Amazônia. Os comentários, no site em que foi publicada, dão conta do
que eu disse acima e mostra a intolerância construída entre pares que dizem e
ouvem sempre um pouco mais do mesmo.
A despeito das variantes que envolvem o cotejo de opiniões publicado na
imprensa, parece-me que no momento ninguém está interessado na diversidade dos
discursos, na alteridade, na divergência de opiniões e no que pode advir disso.
Encastelam-se em suas opiniões e sustentam as primícias do “eu e eles” e da
“verdade absoluta”, nas quais o “eu” sempre prevalece, esquecendo-se de que o
que move o homem são os interesses - e política é política. Não por outra razão
Adorno nos advertiu um dia para desconfiarmos das ideologias, tenham elas o
matiz que tiverem.
Abaixo, reproduzo os pontos de vista mencionados acima só para provocar,
só para furar a sua bolha, caro leitor:
Lula: “Fico pensando que a Amazônia é que nem aqueles litros de água benta que tem na igreja: todo mundo acha que pode meter o dedo. Nós não podemos permitir que as pessoas tentem ditar as regras do que a gente tem que fazer na Amazônia.”
Bolsonaro: “Eu queria até mandar recado para a senhora querida Angela
Merkel, que suspendeu 80 milhões de dólares pra Amazônia. Pega essa grana e
refloreste a Alemanha, tá ok? Lá está precisando muito mais do que aqui.”
Publicado originalmente em https://www.z1portal.com.br/genesis-1-a-criacao-do-ceu-e-da-terra-e-de-tudo-o-que-ha-na-amazonia/