Revista Philomatica

quinta-feira, 21 de março de 2019

Golden shower, borboleta paraguaia, boquete, coprografia e as taras da família brasileira


O assunto mais comentado da semana foi a prática da golden shower. A tara, que pensei fosse prática restrita à alcova de alguns casais, revelou-se pública, comum; performática no Carnaval, mostrou-se ato político. E não sou eu quem está dizendo; puxei a ideia de uma atriz novata que sobressaiu-se ao anonimato pelas mijadas na calçada da beata Dona Maria. De minha parte, não critico ninguém, afinal, cada um cuida do seu toba. No mais, sempre achei que o fiofó deve ser free na alcova, nos becos, nas ruas e nas boîtes; menos nos meretrícios, porque lá trabalha gente de bem que precisa faturar alguns caraminguás.  
Li algumas notícias na internet e descobri que só eu não pratico a tal da golden shower; todo mundo já sabia – mas ninguém fez -, afinal, por que confessar, não é mesmo? Onde enfiaríamos nossa hipocrisia? No toba? Ah, na-na-ni-na-não!
Está me achando vulgar, leitor? Não me julgue! Só estou tentando acompanhar os novos tempos. Sim, foi com essas palavras que um amigo me recriminou, dizendo que não sei acompanhar os novos tempos, que sou conservador, fascista, preconceituoso etc, e tudo, achei, só porque não faço golden shower.
Decidido a largar o conservadorismo, levar uma vida mais fácil e agitada, mostrar que sou de esquerda, tornar-me vagamente intelectual, descolado, sensível e solidário, fui atrás do que gosta a família brasileira quando se trata de sexo. Confesso, não me surpreendi, como também confesso não ter estômago para algumas práticas. A Tribuna de Minas[1], traz a experiência de uma senhora com a coprofagia e o Estado de São Paulo[2] (Caderno Mais) trouxe uma lista de distúrbios (distúrbio não! – penso que erraram, trata-se, de fato, de uma lista de manias gozosas, afinal, sou deslocolado!), muitos dos quais, podem ser perfeitamente praticados no Carnaval, pois são, de fato, atos políticos.
Transcrevo da lista do Estadão para você leitor. E vamos lá, à prática!
Pequeno Dicionário das Parafilias - comentado:
Anaclitismo: adulto que se excita com práticas da infância, tais como usar chupeta ou mamadeiras (Muito bobinho, infantil, não configura ato político.);
Apotemnofilia: excitação com a ideia de sofrer amputações (Bastante cristão, lembra-me autoflagelação e, do jeito que a coisa anda, logo será oficializada pela bancada evangélica.);
Automisofilia: excitação advinda de sentir-se sujo (Praticada por muitos moradores de rua, configura-se ato político quando praticada por pequenos burgueses. Alguns amigos uspianos afirmam que sim, dá tesão.);
Cleptofilia: excitação que vem da prática de roubos (Dependendo da situação, se o comerciante entrar no clima, rola uma boquete para pagamento da mercadoria e o resto será puro prazer; com direito a bukkake, configura-se ato político, sobretudo em dias de Carnaval.);
Claustrofilia: excitação pelo confinado em compartimento pequeno (Não vi graça, mas é uma saída quando não se tem lugares adequados e espaços, onde dá pra ficar de pernas pra cima.);
Coprofagia: excitação pela ingestão de fezes (Não quero nem pensar, sou conservador! Mas sei que é ato político.);
Dacrilagnia: excitação ao observar a parceira chorar (Bobinho, bobinho, para frouxas.);
Fobofilia: excitação pelo medo ou ódio (Coisa de psicótico.);
Frotismo: obtenção de intenso prazer sexual ao esfregar-se em outra pessoa, sem o seu consentimento (Dada a etimologia da palavra, pensei que fosse alguma prática inventada pelo Alexandre Frota, mas vi que é muito comum. Não é ato político; pode sim, caracterizar assédio em ônibus e metrô.);
Geronosexualidade: quando o objeto de excitação tem 30 anos a mais que a pessoa (Meu Deus, que decadência! Tudo tem sua hora!);
Ginemnese: homem que se excita ao vestir-se de mulher (Ah! Linda, mesmo?);
Hemotigolagnia: excitação com absorventes femininos (Só se não for operado; pode ser nojento, principalmente se o absorvente tiver sido usado, mas ouvi dizer que há quem goste.);
Hipoxifilia: excitação por meio de asfixia (Adolescentes, velhos e deputados americanos praticam!);
Iconolagnia: por meio do contato tátil com estátua de obras de arte (Minhas sinceras desculpas a Da Vinci e Michelangelo.);
Mucofagia: excitação com a ingestão da própria mucosa nasal (Que nojo!);
Odaxelagnia: excitação por mordidas (Para mim é raiva – a doença.);
Sitofilia: excitação com comida (Isso é o pecado da gula, antigo.);
Tafofilia: refere-se a quem fica excitado ao ser sepultado vivo (Loucura, não imagino.);
Telefonicofilia: com conversas telefônicas eróticas (Ah! Verdade? Essa todo mundo faz, não configura traição e nem ato político.);
Tesauromania: excitação ao colecionar roupas íntimas de pessoas do sexo oposto (Ah! Mesmo? Só colecionar? Wando (o cantor) sofria disso?!);
Timofilia: excitação sexual com a riqueza (Queria tanto ter... quem não tem?);
Tlipsosis: excitação por beliscar outras pessoas (Ah! Vá cagar! Não vi graça alguma!);
Urofilia: excitação associada ao ato de receber jato urinário do parceiro e, em alguns casos, engolir a urina, prática chamada de chuva dourada – golden shower (Está na moda, mijemo-nos todos; é ato político!);
Vampirismo: desejo por cadáveres (Leiam Drácula, de Bram Stoker, dá mais tesão.);
Zelofilia: excitação sexual associada ao ciúme (Deve ser comum no Brasil, haja vista a quantidade de feminicídios.);
Zoofilia: excitação sexual com animais (Abominável. Respeito os animais e se souber de alguém que a pratica, pago para cortar o bilau.).
E a borboleta paraguaia? Ah, vá, nunca fez?

Foto: Divulgação. Saló ou os 120 dias de Sodoma, filme de Pier Paolo Pasolini


[1] https://tribunademinas.com.br/blogs/sexo-no-diva/10-04-2018/um-curioso-e-medonho-caso-de-coprofagia-humana.html
[2] https://emais.estadao.com.br/noticias/geral,parafilia-quando-o-prazer-se-torna-problema,20070219p9457

quarta-feira, 6 de março de 2019

Março Mulher


Estamos em março, mês dedicado às mulheres. É provável que no dia oito, escolhido para homenageá-las, você, leitora, receba uns parabéns daquele seu chefe misógino e machista. A contragosto, é possível que ele seja capaz de alguma gentileza e, de quebra, distribua rosas para as mulheres com as quais divide, por certa imposição, o espaço.
As mulheres vivem dias difíceis; o salário menor, considerando-se o desrespeito como ser humano e MULHER, é algo de pequena monta. Relatos sobre agressões físicas e verbais pululam na imprensa. O recente episódio da paisagista espancada por longas quatro horas na Barra, Rio de Janeiro, revela a escalada da violência. Ainda no Rio, no Leblon, uma tentativa de estupro só não chegou a termo porque a mulher foi socorrida por frequentadores do bar. O curioso, neste caso, foram as intimidações[1] que a família do agressor impuseram à vítima, mostra de que até mesmo a violência é seletiva. Se o estuprador é alguém que não conheço, aponto o dedo, grito, xingo, esperneio e comento; se é da minha família, procuro entender suas razões, atenuo o fato, crio mentiras. Esse é o universo em que as mulheres, assediadas ou não, vivem, um universo em que a culpada é sempre a vítima.
O porquê disso é assunto para especialistas de fato; o que posso afirmar é que a violência contra a mulher é uma senhora idosa – plagiando certa figura política. Tome-se, por exemplo o caso de Hipátia de Alexandria. Hipátia foi a primeira mulher da história exterminada por ter sido uma cientista. Conhecer um pouco de sua vida (os dados não são muitos) é compreender um pouco do declínio de Alexandria.
Hipátia nasceu por volta do ano de 370 e era filha de Téon de Alexandria, homem conhecido como “o mais sábio dos filósofos” e membro importante do Museu de Alexandria. Téon escreveu tratados sobre astronomia, geometria e música; renomado erudito, comentou as Tabelas de Ptolomeu, divulgou os Elementos de Euclides para seus alunos de Bizâncio - que os utilizariam por décadas –, foi autor de textos sobre a iniciação dos órficos e de poemas como os que lhe foram atribuídos pela Anthologia graeca, que evocam o caos do cosmos e a obra do próprio Ptolomeu.
Hipátia foi sua colaboradora obstinada e rapidamente ultrapassou-o em tudo, dominando completamente a matemática de seu tempo, além de versar sobre filosofia, astronomia, religião, oratória, retórica, poesia, artes etc. Hipátia escreveu textos densos como os Comentários sobre a aritmética de Diofanto e os Comentários sobre os cônicos de Apolônio de Perga e outros.
Hipátia foi também uma professora dedicada; dava cursos a grupos de iniciados e seu neoplatonismo obedecia a seu amor pela doutrina geométrica. Influenciada por Platão e Plotino, escolheu a via esotérica e teve a sorte de encontrar um público atento e interessado. Conta-se que as pessoas disputavam a oportunidade de assistir a seus cursos e que os altos funcionários de Alexandria iam até ela em busca de conselhos, caso de Orestes, o prefeito da cidade, o que despertou a inveja da homarada conservadora e religiosa de plantão.
Na primavera de 415, uma turba de monges devotos, liderados por um certo Pedro, discípulo do venerável Cirilo, bispo de Alexandria, sequestrou Hipátia e acusou-a de bruxaria. No momento de sua prisão, ela estava em uma conferência, defendeu-se, gritou, mas ninguém ousou ajudá-la. O medo abateu-se sobre o público petrificado e os monges a levaram até a igreja do Cesareum. Lá, à vista de todos, começaram a espancá-la brutalmente, arrancaram seus olhos e sua língua. Depois de morta, levaram seu corpo a um lugar chamado Cinaron e o esquartejaram, extraindo os órgãos e os ossos; por fim, queimaram o resto em uma fogueira.
Orestes, o prefeito da cidade, ordenou uma investigação sobre a morte de Hipátia e nomeou um certo Edésio como responsável; este, honestíssimo, não demorou a receber uns caraminguás de Cirilo para esquecer tudo e seguir em frente. Orestes, por sua vez, teve que deixar a cidade, de modo que o assassinato de Hipátia continuou impune.
De minha parte, desejo a todas as Hipátias mais amor – se é que é possível em meio a tanta selvageria!


Imagem: Afresco Pompeia, Donna con tavolette cerate e stilo (consideratta ‘Saffo’)


[1] https://universa.uol.com.br/noticias/redacao/2019/02/26/ela-sofreu-tentativa-de-estupro-em-bar-no-rj-lutei-mas-fiquei-sem-forca.htm

sexta-feira, 1 de março de 2019

As “modernidadi”


Hoje, encontrei d. Maria no supermercado. Nossa amizade já conta mais de um ano. Nos conhecemos na fila do caixa em um daqueles dias em que você troca de fila várias vezes à procura de uma que flui mais rápido. Na pressa, tem-se a impressão de que a fila ao lado tornou-se mais curta e, zás, você muda de fila, mas, por alguma razão você vai ficando para trás, a fila que antes andava, de repente, para! Nesse dia, uma cliente teve problema com seu cartão, de modo que d. Maria e eu tivemos que aguardar por um bom tempo; resolvido o problema do cartão, acabou o papel da máquina registradora, d. Maria e eu continuamos a esperar, agora, já resignados, esquecemos as filas e começamos a papear.
__ Não entendo essas “modernidadi”, dizia d. Maria. Antes era tudo mais fácil, anotava-se na caderneta e, uma vez ao mês, com o dinheiro na mão, íamos ao empório e quitávamos tudo. Sem frescuras, arremata d. Maria. Hoje, com todas essas “modernidadi”, o tempo que dizem valer ouro vai todo para o ralo!
Concordei com d. Maria, buscamos exemplos e situações várias até que a moça do caixa disse “o próximo”.
Hoje, como disse, encontrei-me com d. Maria. Entabulamos uma prosa e d. Maria disse-me que não resistiu, capitulou, rendeu-se ao whatsapp depois que ganhou um celular da filha.
“Menino, é uma delícia!”, me divirto! “Minha filha diz para eu ter cuidado, que também dão golpes pelo whats, mas eu sou esperta, ó!” (d. Maria está chic, já faz reduções e capricha na pronúncia). Depois, viramos maldizer o governo, a reforma da previdência, e d. Maria disse só não estar mais preocupada porque já se aposentou, mas, mesmo assim, afirma, “me divirto”. “Você viu que o presidente, dizem né, foi eleito pelo whats, o ministro agora, caiu pelo whats, e o do turismo, tenho certeza, vai cair pelo whats. Sei não, quem ganha pelo whtas, pode muito bem perder pelo whats. Hoje a candidata laranja já divulgou as conversas do assessor do ministro. Tudo pelo whats, meu filho! Já viu frigideira porreta como essa? Ah, esse whats... podia deixar as pessoas menos estúpidas, não podia não?”
À espera do cliente à minha frente, que já colocara suas mercadorias no balcão, viro-me para d. Maria e pergunto um “como”. Ela, reflexiva, continua: “Não é história de comadre, não. É sério. É tudo muito bom, mas acho que as pessoas têm se tornado estúpidas. Sabe, houve um tempo em que muita gente acreditava ser verdade aquilo que estava escrito nos jornais. A palavra escrita tinha poder, menino. Ninguém desacreditava daquilo! É claro, houve também um tempo em que não se precisava assinar nada. Dava-se a palavra, entende? Empenhava-se a palavra. A palavra era sinônimo do caráter da pessoa. A palavra mostra quem você é, menino, só essa moçada é que não percebeu.”
Em meio à reflexão de d. Maria, esta levanta os braços e exclama: “Não acredito! De novo, não!” De costas para o caixa, pergunto com um olhar o que acontecera. “O cartão, menino, o cartão”, responde d. Maria. Volto-me para o caixa e mais uma vez vejo um cliente com problemas. O cartão, enfim, prolonga minha prosa com d. Maria.
“Como dizia”, continua ela, “A palavra era o bem mais precioso de uma pessoa. Era importante manter o que foi dito. Os mais velhos diziam que honravam sua palavra, não importava o grau de responsabilidade daquilo que haviam assumido. Ter palavra é ter honra. Ainda acredito nisso”, constata para si mesma.
Falante, continua d. Maria: “Hoje, com essas “modernidadi”, as pessoas esqueceram-se da palavra. Mesmo estando escrito, lendo aquilo, dizem que foram mal interpretadas, que cortaram pedaços, editaram né, não é assim que falam?” Pois é, no fim das contas ninguém tem palavra, todo mundo cai fora na hora do vamos ver!”
Chega a minha vez de passar no caixa. Despeço-me de d. Maria. A caminho de casa, penso no seu modo de falar, na sua sapiência. D. Maria queria dizer que a palavra é uma espécie de corpo dos nossos pensamentos, é nossa verdadeira carne.