Revista Philomatica

sexta-feira, 26 de outubro de 2018

A perversão do Negacionismo


Primeiro vieram os monistas. Na filosofia, mais precisamente na metafísica, afirmavam que toda a essência da realidade de baseava em um princípio único e original. Não era assim Platão. Mas parece que Platão não está na moda. Portanto, nada de dualismo, pluralismo, o escambau, sobretudo quando se trata de ideias.
A alteridade, o outro, a opinião do outro, valem só em nível de discurso, portanto, aqui também, nada de pragmatismo. Refiro-me ao pragmatismo enquanto tratamento não dogmático, ao abordar questões literárias, filosóficas, políticas, enfim – e por extensão -, o quotidiano.
Monistas que somos, tendemos a negar tudo aquilo que vai além do horizonte que nossa vista alcança. Não à toa, tem-se negado o óbvio não só quando ele está além dos umbrais de nossas janelas, mas principalmente quando jaz debaixo dos nossos narizes. A frequência com que ouvimos “não sabia de nada”, “não fui informado”, “nunca soube disso”, etc, tem sido algo constrangedor, sobretudo porque as desculpas, via de regra, partem da canalha política, antro onde ninguém assume nada!
Mas o pior disso é quando, mesmo com a comprovação dos fatos, as negaças persistem e políticos, professores, pseudopensadores e pesquisadores afirmam teorias da conspiração e complôs, exibindo certa demência ou perversidade intelectual. Tem-se então o que chamamos de negacionismo.
O negacionismo, termo relativamente recente, foi criado em 1987 pelo francês Henry Rousso para contestar o genocídio judeu pelos nazistas durante a Segunda Guerra Mundial. Para um bom entendedor, meia palavra basta! E nem é preciso dizer que dessa forma a França preservou seu antissemitismo, abrigando sob as asas de um perverso revisionismo uma pá de “formadores de opinião”, fascistas e conservadores que negam o óbvio.
Como os franceses tem gosto pela erudição e produzem como ninguém teses, ensaios, tratados, proposições, experimentos e tudo o mais que a cozinha literário-filosófica permite, a semana foi de relembrar as asneiras de Robert Faurisson, um dos ideólogos do negacionismo (nego-me a grafá-lo em maiúscula!). A France Culture, em sua página ‘facebook’, claro, dada as suas tendências antiisraelitas, contribui dando visibilidade a Faurisson, felizmente explicada por Valérie Igounet, especialista em negacionismo, ultradireita e antissemitas de carteirinha.
No vídeo publicado pela France Culture, vê-se Faurisson afirmar que as câmaras de gás de Auschwitz eram utilizadas para exterminar piolhos; Jean-Marie Le Pen dizer que elas são um detalhe da guerra; Alain Soral sustentar que a população judia hoje dobrou desde 1939, o que, para ele, contradiz o extermínio dos judeus.
Igounet afirma que para os negacionistas o Holocausto é a primeira teoria de complô, pois ela aparece três anos após a Segunda Guerra, data que coincide com a criação do Estado de Israel. Os negacionistas, por perversidade, antissemitismo e mau-caratismo, via Faurisson, mediatizaram a questão (o site Slate.fr afirma: “Faurisson está morto, mas seus métodos estão bem vivos”).
Faurisson afirmou nas páginas do Le Monde, em 29/12/1978, que foi zero o número de judeus mortos na Segunda Guerra Mundial. Segundo Igounet, os negacionistas, imbuídos de uma ideologia, distorcem os fatos históricos, selecionam documentos, procuram testemunhos de pessoas que se adequam à teoria de que o extermínio de judeus nunca existiu e, dessa forma, através de métodos nada científicos e desiguais, corroboram um postulado e estruturam um discurso de modo a sustentarem a negação do óbvio, uma vez que no caso específico dos judeus, há uma produção historiográfica indiscutível à prova de qualquer análise.
Se, à época, Faurisson criou um certo escândalo na França ao divulgar suas ideias no Le Monde, na imprensa em geral e nas rádios públicas, hoje, órgão públicos de imprensa, tal a France Culture, dissimulando mea culpa, mais uma vez ecoa – e propaga - as ideias de Faurisson, para o deleite de um bando de loucos à espreita de algo que os incite e os convença de que o ódio é algo naturalmente aceito, se já não bastasse  o fato de gente como Jean-Gabriel Cohn-Bendit, da extrema-esquerda, tê-lo publicado em nome da liberdade de expressão. Assim, o ódio assume ares político-intelectuais e, de forma sub-reptícia, o antissemitismo aparece em obras como Les Mythes fondateurs de la politique israélienne, do comunista Roger Garaudy, afora as asneiras vomitadas pelo iraniano Mahmoud Ahmadinejad e pelo humorista antissemista Dieudonné.
Não é preciso dizer que os ecos do ódio oriundo dos negacionistas ecoaram nos trópicos, fotos de encontros dos militantes dos partidos nanicos da extrema esquerda brasileira estão aí e não me deixam mentir (disponíveis na rede).
Sob os auspícios dos negacionistas, nego ter escrito este texto, assim como nego que haja corrupção no Brasil, assim como nego qualquer forma de intolerância nesse torrão de meu Deus, assim como nego que existiram o genocídio circassiano, o dos hererós e namaquas, o armênio, o Holodomor, o genocídio de Bangladesh de 1971, o cambojano, o de Ruanda, o de..., o de..., o de...

sexta-feira, 19 de outubro de 2018

O craquelê do verniz: o caso Regina Duarte/Maitê Proença


Não é segredo: vivemos dias de intenso falatório, alteridade, lugar de fala e otras cositas más. Nada contra, ao menos podemos espernear, escancarar as mandíbulas, gritar e rir às desbragadas - quando convém. Ocorre que os discursos tem-se tornado impositivos e na rinha para definir o que é democrático e o que é fascista, ninguém dá o braço a torcer. Ambos os lados querem vencer no grito – ou no tiro -, e tudo fica por conta do gosto do freguês. Este, como se diz em jargão comercial, sempre tem razão, por isso não discuto, aceito pura e simplesmente, ainda que a meninge pulse a ponto de parecer explodir e/ou esmagar o encéfalo (aqui também tudo depende do ponto de vista do leitor).
Mas troquemos em miúdos toda essa farelagem: deu no Figaro; ontem, na França, Mélenchon (para quem não o conhece, Mélenchon é um daqueles políticos que grudam como craca na crosta do navio e que, hora ou outra tem sérias dificuldades em esconder seu proselitismo, misto de oportunismo e corporativismo – ah!, esses “ismos”), diante da pergunta embaraçosa de uma jornalista do sul do país, questão que por sinal desnudara toda a sua incoerência e seu mal caráter, resolveu ridicularizá-la e, para isso, destacou o sotaque sulista da moça.
Qu'esseuh-que ça veut direuh ? Quelqu'un a-t-il une question formulée en Français? Et à peu près compréhensible? (O que isso quer dizer? Alguém tem uma pergunta em francês? Um pergunta que seja um pouco compreensível?). Voilà, pego de calças curtas, Mélenchon deixou cair a máscara e revelou-se como é; o verniz craquelou! Em tempo: Mélenchon estava exasperado face à visita da polícia à sede do partido nanico que ele representa e, de quebra, como é comum nesses casos, virou-se contra os juízes, magistrados, aliás, que defendera recentemente quando emitiram ordens para investigar seus oponentes políticos. Mas isso é história de - e para - gauleses; o que vale ressaltar são as ranhuras no verniz que cobre o caráter de Mélenchon, político de esquerda que sempre militou em favor dos desfavorecidos e das minorias, algo louvável, diga-se. Contudo, ao primeiro incômodo, esqueceu-se de sua origem marroquina e ejaculou todo o seu preconceito, apontando o sotaque da jornalista, salvo engano, de Marseille. Nobody’s perfect, claro! Mas, no mundo da politicagem, pautado por causas que sustentam discursos (e vice-versa) e garantem votos, isto é uma bela de uma escorregadela que mostra, de fato, o que pensa Mélenchon sobre aqueles que não pensam exatamente como ele. E não nos esqueçamos de que nos trópicos temos as mulheres de grelo duro! É sempre bom lembrar!
E, já que falo dos trópicos, situação análoga de verniz craquelado, ocorreu ao longo da semana. Regina Duarte, atriz reconhecidamente de direita por seus posicionamentos políticos, deixou-se fotografar ao lado de um dos presidenciáveis. Movimento do bumerangue? Ao voltar, veio todo conspurcado de ódio, raiva, injúria, xingamentos e todo o mais que a vilipendiação pode provocar. E tudo isso porque Regina Duarte resolveu-se posicionar politicamente. Desprezada e injuriada pelo público e colegas de trabalho (alguns, aliás, de caráter bastante discutível) que, num átimo, apagaram o passado o passado da artista, condenando-a sumariamente ao ostracismo, a atriz teve o apoio de alguns poucos corajosos que defenderam o direito dela se posicionar, afinal, o que defendem os que a condenam, senão a dita democracia?
Uma dessas corajosas foi Maitê Proença que, por sua, vez, viu-se diante dos balaços atirados pelos democráticos. Maitê, em sua conta do Instagram, publicou um vídeo justaposto a um pequeno texto cuja primeira frase deixa claro o pensamento da artista: “Você não tem mais razão que o vizinho, tem apenas outra razão.” Ora, eis aí um princípio de tolerância e de pluralidade de ideias. Na sequência a atriz exalta a coragem da colega e o repúdio às agressões que recebera, além de ressaltar o conservadorismo que impera no mundo desde os tempos ancestrais o afirmar: “O mundo sempre foi conservador e nunca gostou de quem pensa diferente. Atenas se enchia de motivos e guerreava com Sparta, japoneses com chineses, judeus com palestinos, pretos com brancos, protestantes com católicos, e até crianças de cinco anos fazem bullying com seus coleguinhas que parecem diferentes.”
A frase da atriz foi lida ao gosto de seus opositores: os comentários são tão agressivos quanto os destinados anteriormente a Regina Duarte. Há internautas que afirmaram estar ela a defender torturadores e matadores de homossexuais...
No frigir dos ovos, mais uma vez tem-se o craquelê do verniz, qual seja, eu defendo a tolerância, o respeito, a diversidade, a alteridade e uma convivência pacífica desde que você pense como eu, caso contrário, democraticamente, você deve ser expurgado da sociedade e não importa se tenhamos que expurgar vários, até que logremos todos de uma mesma ideia. Ao menos assim não teremos qualquer autoritarismo e sequer tragédias, afinal, como dizia o grande líder, “a morte de uma pessoa é uma tragédia; a de milhões, uma estatística”.
Como concluir?
– “... ... ... ... ... ...”

Era uma vez...


Era uma vez... A maioria das histórias infantis - e mesmo alguns contos filosóficos, como os de Voltaire -, trazem como principal constitutivo o fantástico; o cenário remete a reinos distantes; as narrativas constroem-se a partir do imaginário; as personagens, envoltas em total fantasia, deixam-se levar pelo capricho injustificável ou descontrolado da vontade ou da fábula, sem base alguma em realidades concretas. Não raro, trata-se de um mundo de total esquisitice e excentricidade, do qual desprende-se um fundo moral, provável tentativa de moldar a personalidade da criança, para muitos, ainda tabula rasa.
Ainda que Chapeuzinho tenha conseguido tirar a vovó da barriga do lobo, a Bela Adormecida, livrar-se de Malévola e casar-se com o príncipe, Branca de Neve ver a rainha pelas costas e, de quebra, juntar-se com outro príncipe, as três viveram instantes de medo e terror, este, por sinal, matéria-prima de histórias de meninos e homens.
O cenário político que se desenhou a partir do primeiro turno das eleições presidenciais, parece-me, só não traz o “cenário” de pitoresco, no mais, todos os outros elementos estão lá e só nos resta saber qual fundo moral há de se tirar de tudo isso.
Hoje, nas redes sociais, nota-se verdadeira confrontação entre o Bem e o Mal, maniqueísmo cuja natureza faz com que ambos os grupos atribuam a si o direito de opinião, o “estar certo”. Nesse conflito cósmico entre o Reino da Luz e o Reino das Sombras, penso, há muito mocinhos e mocinhas perderam a visão periférica e hoje sequer enxergar um palmo à frente do nariz.
A aura luminosa (ou sombria, depende do ponto de vista) fez com que ambos os lados olhassem para seus próprios umbigos, edulcorassem a pílula e afirmassem a de suas escolhas. Ambos veem um amanhã magnífico, belo e radioso caso consigam impor suas convicções, contudo, ganhando ou perdendo, a “Aura” já conseguiu seu objetivo alienante: todos se esqueceram da condição pútrida da fruta dentro da casca!
De sobra, o que se tem visto crescer como relva em campo orvalhado são as inimizades. No intuito de defender suas posições políticas, amigos já não são mais amigos e, de quebra, em suas justificativas, passam a considerar detalhes que um dia foram os ingredientes da boa amizade, qual seja, as diferenças.
Hoje, o reflexo das grandes forças ideológicas nocivas ao espírito afastam pessoas, de modo que a amizade vê-se submetida à convicção. Imaturas, pessoas digladiam-se por uma hipótese quase sempre – ou sempre – imperfeita e transitória. Arrisco dizer que em um futuro bem próximo lamentar-se-ão das amizades perdidas em razão de ideias já esquecidas. O obtusidade de hoje transforma a fantasia em verdade, semeando o medo no reino das águas claras, conspurcando-o de lama.
Entre amigos, não se tem mais a virtude da fidelidade! Deixamo-nos (e aqui me incluo!) manipular e nem nos demos conta. Agora é tarde! O final, arrisco do alto de meu ceticismo, será um ranger de dentes: a dor de sacrifícios indesejados e de perdas desnecessárias. No lugar das sinceras amizades, o trago amargo e ácido da verdade que todos teremos que engolir caso o Bem ou o Mal vençam. Não haverá remanso para se contar histórias e o Era uma vez tornar-se-á tão real e inócuo que não nos sobrará nada além de miseráveis tentativas - de sobreviver!


sexta-feira, 5 de outubro de 2018

07/10/2018 e a importância do voto em Bananalândia


A uma semana do sufrágio, palavra cujo significado alguns partidos (se me acompanha, leitor, há de notar que um dia ao referir-me a esses ajuntamentos ditos ‘políticos’, utilizei as palavras ‘quadrilhas’, ‘corjas’ etc, mas, hoje, decidi não tecer com pleonasmos e redundâncias a trama desta curta prosa!) sonegam aos seus eleitores, parece-me que o dito de Neruda, a filosofia de Taine e a livre expressão de ideias vêm à tona.
Vá lá! Neruda, por ser poeta, mexe com os sentimentos do leitor, e pode ser que este, em momento de franca fragilidade (ah!, as aliterações) existencial, emule de suas ideias o ritmo, a métrica, a lírica e tudo o mais que transcenda ao mundo fático, tomando seus versos por mera autoajuda ou, no melhor dos casos, como judiciosa advertência. “Você é livre para fazer suas escolhas, mas é prisioneiro das consequências.”
O pleito do final de semana coloca o eleitor honesto – e só utilizo tal adjetivo porque, como Anne Frank, ainda acredito na bondade humana - entre a cruz e a espada: de um lado a busca por um salvador da pátria advinda do cansaço e da desilusão de experiências recentes, de outro, a crença nas divisas libertárias e humanistas que movimentam os espíritos racionalistas. Em ambos os casos Neruda adverte, você há de ser prisioneiro de seus escolhas: os primeiros, podem provar do fel – ou do mel -, que surpreende o paladar ao provar do fruto exótico; os últimos, creio eu, se não se derem conta de que nisto que chamamos de pós-modernidade, a razão como totalidade caminha a passos largos em direção à própria degeneração, preconizando a dissolução de valores e costumes. Estes, ainda não apreenderam que a razão já não oferece qualquer garantia de compreensão do mundo, visto que, muitas vezes, está comprometida com as cabalas e jogos do poder, insurgindo-se como agente de repressão.
A repressão, no caso, começa por desqualificar aquele que não compartilha de suas próprias ideias - ainda que seja seu partidário, pouco importa. Até mesmo a grande imprensa (veja nosso Pravda tupiniquim) filtra as notícias e ludibria o leitor, alterando de forma exponencial fatos sem importância para, dessa forma, desviar o olhar e a atenção daquilo que compromete, tudo porque as ideias ditas contrárias não se ajustam aos próprios interesses. E não me venham com o evangelho da ideologia porque isso não pega mais! Não há ideologia em nada disso! O que é há são projetos de poder e a ideologia vem de arrasto, no intuito de sedimentar planos, conchavos, conluios, tramoias, intrigas, desvios... - e a ganância pelo poder tout court.
É nessa hora que se desmontam os discursos, sobretudo aqueles construídos sobre a pluralidade de ideias e a alteridade, uma vez que o que serve para mim não serve para você, isto é, o que eu digo merece ser considerado, refletido, discutido, o que você diz é algo extremamente retrógado, representa o que há de mais primitivo no âmbito das ideias, é primário, sequer pode ser levado em conta. Nas universidades, em congressos, já vi alunos e professores levantarem-se e deixarem a sala, afinal, a correção e a superioridade de suas opiniões podem ferir-se face a argumentos contrários – e tão chinfrins! Tal é a susceptibilidade – e arrogância - intelectual!
Os discursos desmoronam-se pela intolerância: os que mais professam a intolerância, utilizam-na como prescrição diária! E é aí que Taine entra na trama, já que os primeiros fios que se rompem desse discurso autocentrado mostram a resistência do indivíduo à compreensão, ao debate e ao pluralismo. Embora, nos corredores e nos cafés exibam postura democrática e modernosa, ao defenderem suas ideias a partir da leitura de um livro só, negam inteiramente toda a prática acadêmica (falo dos meios universitários), que consiste na comparação e confrontação de pontos de vista e mostram-se tal como Taine professava, qual seja, reiteram a afirmação de que o ambiente, a raça e o momento histórico determinam a compreensão do homem e da história.
Ora, sob tais discursos, fulano ou beltrano não pode votar em sicrano dada a cor de sua pele e/ou sua condição social, ou ainda porque em períodos recentes beneficiou-se de alguma ajuda do erário. É claro que tudo isso não é dito descaradamente, mas leitores e observadores contumazes leem entrelinhas, pausas, entonações. E tudo está lá, claro, límpido, uma vez que em tais discursos sobejam ideias deterministas. Por isso, parece-me importante o voto do final de semana, tão importante quanto aquele churrasco na laje, afinal, em nossa pobre cleptocracia, resta optar por aquele que, hipoteticamente, versará alguns caraminguás do erário em nossa burra! O presidente está morto! Viva o presidente! Viva Bananalândia!