Somos
um povo de “olho junto e mal caráter”. A expressão, pincei-a do seriado Toma lá dá cá, exibido já há algum tempo, e usada pela personagem de Miguel
Falabella. A cordialidade do brasileiro? Buarque de Hollanda enganou-se
completamente, não notou que a suposta gentileza e manifestações de afeto do
brasileiro são puramente interesseiras. Somos um povo mal caráter: botamos a
boca no trombone, esguelamos a torto e a direito quando surrupiam nossos
direitos, mas, espertalhões, na próxima esquina, se vemos uma oportunidade de
nos darmos bem, por menor que esta seja, como diz o vulgacho, não deixamos
passar batido.
Quantas
vezes você leitor não ouviu este ou aquele dizer que se fosse político também
se daria bem? Pois é assim que a coisa funciona, sobretudo quando se tem a
certeza da impunidade. Não temos caráter. Ética? Desconhecemos o que seja.
Vou
falar de um assunto do qual não entendo patavinas: sindicalismo e sindicalistas.
E só falo a partir de algumas reminiscências e uma notícia publicada esta
semana. As primeiras, vá lá, quem não se lembra do movimento grevista que
estoura em São Bernardo do Campo em 1978 e se espalha pelo interior, chegando a
Campinas? Pois então, nas eleições que ocorreriam naquele ano para a diretoria
do Sindicato dos Metalúrgicos, a chapa 2, de oposição, embora derrotada,
cresceu face à situação, encabeçada por Cid Ferreira, um desses sindicalistas
jurássicos, que acabaram na política e, nela, cercados de capangas, reinou como
os antigos coronéis.
Era
moleque, mas lembro-me de ter ouvido dizer que todos aqueles que participaram
da greve naquele ano, e faziam parte da oposição, ao término do processo que
escolheria o “novo” diretor do sindicato, foram demitidos. A aliança entre o
patronato e o diretor do sindicato, Cid Ferreira, ficou clara. Dizia-se, à
época, que as famosas ‘listas negras’ para demissão eram elaboradas com a ajuda
do próprio diretor do sindicato. As negociações avançaram e no ano seguinte, em
Campinas, os metalúrgicos insatisfeitos com o acordo assinado com os patrões,
em uma assembleia confusa no Ginásio do Guarani, rasgaram suas carteirinhas na
presença de Cid Ferreira, o jurássico presidente do sindicato que, arremedo de ditador,
não permitiu que qualquer outra pessoa falasse ao microfone. Enfim, um dos
nossos medíocres Madurozinhos da época.
De
Cid Ferreira não guardo boa lembrança. Ouvi estas histórias ainda adolescente e
este senhor de olho junto e mal caráter, a mim, nunca se redimiu. Não sei se
vive ainda, mas, seus colegas sindicalistas, irmanados no exercício de manipular
a massa de trabalhadores, obter vantagens junto aos patrões, reduzir aqueles à
condição de mendicância, obtendo para eles sempre os menores aumentos, continuaram
seus estratagemas, não mudaram nada!
Após
os anos 80, os sindicalistas tornaram-se uma casta associada ao poder; a moeda
de troca no conluio com os poderosos da indústria e da política é o operário.
Este, crente de que os atravessadores, em algum momento, levarão ao patrão as
suas reivindicações era, até há pouco, obrigado ao pagamento da tal da
contribuição sindical e assistencial. Dado os milhões de trabalhadores e a
quantidade de sindicatos, fica fácil a conta: acumulam milhões e vivem como
marajás. Seguindo a lógica meteorologista, prometem dissídios que enchem os
olhos do trabalhador, mas, pós negociações, o vento muda e o que o operário vê
são migalhas. Os atravessadores, julgam-se ainda no direito de dizer que vale
transporte, vale refeição etc só existem em razão de suas intervenções. A
rentabilidade do negócio explica a absurda quantidade de sindicatos no país.
Veja-se, a título de exemplo: na Argentina existem 91 sindicatos, no Reino
Unido 168, nos Estados Unidos 190 e no Brasil nada menos que 17.289!
Pois
bem, após a reforma trabalhista de novembro de 2017, que tornou a contribuição
não obrigatória, o caixa dos sindicatos entrou em colapso. Os defensores dos
trabalhadores que, de microfones em punhos nos palanques, gritavam às desbragadas
contra a exploração dos trabalhadores, mudaram o discurso. Agora, o Sindicato
dos Metalúrgicos de São Paulo e o SindPD (Sindicato dos Trabalhadores em
Processamento de Dados e tecnologia da Informação do Estado de São Paulo) estão
condicionando o pagamento de benefícios ao pagamento da contribuição. Isto não
é ser mal caráter, não é ter o ‘olho junto’?
Não
vou entrar no mérito da questão porque não sou especialista, mas para os
sindicalistas, alguns trabalhadores são mais trabalhadores que os outros, são
mais explorados que os outros – desde que paguem a taxa! Do lado de cá, o
operário que quiser ser mais igual terá de contribuir para a burra dos
sindicatos. O que vejo é a verdade vindo à tona: os sindicalistas, que sempre
se associaram ao pior da política, agem como aqueles brasileiros que disse
acima, não podem deixar passar batido, ainda que fazendo uso de uma lógica rasa
e oportunista, a oportunidade de se dar bem, enfim, por meio de uma manobra de
intimidação junto ao trabalhador.
O
curioso é que a natureza do sindicalismo é ser de oposição, mas no frigir dos
ovos, sindicalistas não gostam que se oponham a eles, de modo que o trabalhador
que não quiser se deixar obrigar ao pagamento da contribuição deverá ser punido
- punido por ser oposição. Que os sindicatos inventem novas formas de
representação, que convençam os trabalhadores, que produzam resultados e deixem
de usar as sinapses para a corrupção, o crime e a associação vergonhosa com o
patronato e a política. Que sejam, de fato, oposição, mas que não se oponham
aos trabalhadores!