Revista Philomatica

quarta-feira, 23 de janeiro de 2019

Sindicatos e seus líderes de “olho junto e mal caráter”


Somos um povo de “olho junto e mal caráter”. A expressão, pincei-a do seriado Toma lá dá cá, exibido já há algum tempo, e usada pela personagem de Miguel Falabella. A cordialidade do brasileiro? Buarque de Hollanda enganou-se completamente, não notou que a suposta gentileza e manifestações de afeto do brasileiro são puramente interesseiras. Somos um povo mal caráter: botamos a boca no trombone, esguelamos a torto e a direito quando surrupiam nossos direitos, mas, espertalhões, na próxima esquina, se vemos uma oportunidade de nos darmos bem, por menor que esta seja, como diz o vulgacho, não deixamos passar batido.
Quantas vezes você leitor não ouviu este ou aquele dizer que se fosse político também se daria bem? Pois é assim que a coisa funciona, sobretudo quando se tem a certeza da impunidade. Não temos caráter. Ética? Desconhecemos o que seja.
Vou falar de um assunto do qual não entendo patavinas: sindicalismo e sindicalistas. E só falo a partir de algumas reminiscências e uma notícia publicada esta semana. As primeiras, vá lá, quem não se lembra do movimento grevista que estoura em São Bernardo do Campo em 1978 e se espalha pelo interior, chegando a Campinas? Pois então, nas eleições que ocorreriam naquele ano para a diretoria do Sindicato dos Metalúrgicos, a chapa 2, de oposição, embora derrotada, cresceu face à situação, encabeçada por Cid Ferreira, um desses sindicalistas jurássicos, que acabaram na política e, nela, cercados de capangas, reinou como os antigos coronéis.
Era moleque, mas lembro-me de ter ouvido dizer que todos aqueles que participaram da greve naquele ano, e faziam parte da oposição, ao término do processo que escolheria o “novo” diretor do sindicato, foram demitidos. A aliança entre o patronato e o diretor do sindicato, Cid Ferreira, ficou clara. Dizia-se, à época, que as famosas ‘listas negras’ para demissão eram elaboradas com a ajuda do próprio diretor do sindicato. As negociações avançaram e no ano seguinte, em Campinas, os metalúrgicos insatisfeitos com o acordo assinado com os patrões, em uma assembleia confusa no Ginásio do Guarani, rasgaram suas carteirinhas na presença de Cid Ferreira, o jurássico presidente do sindicato que, arremedo de ditador, não permitiu que qualquer outra pessoa falasse ao microfone. Enfim, um dos nossos medíocres Madurozinhos da época.
De Cid Ferreira não guardo boa lembrança. Ouvi estas histórias ainda adolescente e este senhor de olho junto e mal caráter, a mim, nunca se redimiu. Não sei se vive ainda, mas, seus colegas sindicalistas, irmanados no exercício de manipular a massa de trabalhadores, obter vantagens junto aos patrões, reduzir aqueles à condição de mendicância, obtendo para eles sempre os menores aumentos, continuaram seus estratagemas, não mudaram nada!
Após os anos 80, os sindicalistas tornaram-se uma casta associada ao poder; a moeda de troca no conluio com os poderosos da indústria e da política é o operário. Este, crente de que os atravessadores, em algum momento, levarão ao patrão as suas reivindicações era, até há pouco, obrigado ao pagamento da tal da contribuição sindical e assistencial. Dado os milhões de trabalhadores e a quantidade de sindicatos, fica fácil a conta: acumulam milhões e vivem como marajás. Seguindo a lógica meteorologista, prometem dissídios que enchem os olhos do trabalhador, mas, pós negociações, o vento muda e o que o operário vê são migalhas. Os atravessadores, julgam-se ainda no direito de dizer que vale transporte, vale refeição etc só existem em razão de suas intervenções. A rentabilidade do negócio explica a absurda quantidade de sindicatos no país. Veja-se, a título de exemplo: na Argentina existem 91 sindicatos, no Reino Unido 168, nos Estados Unidos 190 e no Brasil nada menos que 17.289!
Pois bem, após a reforma trabalhista de novembro de 2017, que tornou a contribuição não obrigatória, o caixa dos sindicatos entrou em colapso. Os defensores dos trabalhadores que, de microfones em punhos nos palanques, gritavam às desbragadas contra a exploração dos trabalhadores, mudaram o discurso. Agora, o Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo e o SindPD (Sindicato dos Trabalhadores em Processamento de Dados e tecnologia da Informação do Estado de São Paulo) estão condicionando o pagamento de benefícios ao pagamento da contribuição. Isto não é ser mal caráter, não é ter o ‘olho junto’?
Não vou entrar no mérito da questão porque não sou especialista, mas para os sindicalistas, alguns trabalhadores são mais trabalhadores que os outros, são mais explorados que os outros – desde que paguem a taxa! Do lado de cá, o operário que quiser ser mais igual terá de contribuir para a burra dos sindicatos. O que vejo é a verdade vindo à tona: os sindicalistas, que sempre se associaram ao pior da política, agem como aqueles brasileiros que disse acima, não podem deixar passar batido, ainda que fazendo uso de uma lógica rasa e oportunista, a oportunidade de se dar bem, enfim, por meio de uma manobra de intimidação junto ao trabalhador.
O curioso é que a natureza do sindicalismo é ser de oposição, mas no frigir dos ovos, sindicalistas não gostam que se oponham a eles, de modo que o trabalhador que não quiser se deixar obrigar ao pagamento da contribuição deverá ser punido - punido por ser oposição. Que os sindicatos inventem novas formas de representação, que convençam os trabalhadores, que produzam resultados e deixem de usar as sinapses para a corrupção, o crime e a associação vergonhosa com o patronato e a política. Que sejam, de fato, oposição, mas que não se oponham aos trabalhadores!

sexta-feira, 11 de janeiro de 2019

Incrível descoberta brasileira: a Terra é quadrada!


2019 parece mesmo ter vindo com tudo! O ano mal começou e nossos filósofos descobriram feito inédito: não só a Terra é quadrada como também a Lua! Esta última, ainda que a vejamos em forma esférica - afirmam filósofos da estirpe de Olavo de Carvalho -, tudo não passa de ilusão de ótica, ou seja, somos enganados por nossos próprios olhos em razão dos diferentes matizes da luz que incidem nas nossas retinas. Estas, como resultado da imensa onda de otimismo que embala o novo ano ao sul do Equador, já são vistas de outra forma: planas, assumiram ângulos geométricos e perderam a esfericidade, especialmente depois da tão considerável descoberta que mencionei acima. A razão, afirmam muitos dos 57.796.986 de brasileiros que corroboram tal ideia, é que só não notamos antes o quadratífero da Terra, da Lua e da retina, por causa dos espelhos, até hoje produzidos a partir de teorias ultrapassadas, sustentadas por uma cultura baseada em monstruosas falsificações histórico-científicas.
A ciência precisa ser revista desde a sua base. Não é possível que cientistas de países periféricos como Israel, Europa e Estados Unidos não tenham se dado conta de que a “época da modernidade científica está encerrada”! Felizmente, o Altíssimo olhou para nosso torrão piramidal (isto sou eu que estou dizendo, conspurcado por algum agnosticismo que, quiçá, convertido, dele logo me livrarei) e nos iluminou em sete dias, assim como criou todas as criaturas e coisas. É provável, afirmam muitos dos signatários das novas ideias, que ainda este ano tenhamos nosso primeiro Nobel. Outros vão mais além e, esperançosos, arriscam que a honraria será destinada a uma brasileira que, vestida de rosa, haverá de brandir o prêmio diante dos monarcas na Academia Sueca! Será o início de uma nova era, uma revolução na ciência e nas sociedades que adotarem o sistema brasileiro dos cientogiosos. Sim leitor, com a graça divina haveremos de introduzir tal neologismo não só no Houaiss e no Aurélio - porque isto é, convenhamos, fichinha, algo que com uma Medida Provisória está feito -, mas principalmente no Larousse, Le Robert, Oxford, Devoto/Oli, Zingarelli...e por aí vai.
Hoje tudo está mais claro. Só não notamos nossa excepcionalidade porque, como papagaios, ficamos a repetir uma mentalidade racionalista-cientificista cuja origem está na Renascença, no cartesianismo, em Francis Bacon, mas logo esta mentalidade estará morta, uma vez que todo o esforço para mantê-la de pé, afirma o cientogioso O. de Carvalho, só foi possível à custa de uma fraude epidêmica por parte de cientistas e estudiosos.
Não por outra razão, devemos deixar de papaguear expoentes de países periféricos como Newton, Darwin, Einstein, e olhar para os pastos e as goiabeiras, de onde vem nossa tradição. É de lá que vem Damares, prenome arcádico, de origem grega, cujo significado é ‘vaca, novilha’ e que ora designa a grande dama que corrobora as teorias do grande mestre O. de Carvalho, mentor dos novos tempos. Damares, em mais um vídeo divulgado hoje, explica as razões pelas quais a igreja evangélica, seita na qual é pastora, perdeu espaço na história: “Nós perdemos o espaço na ciência quando nós deixamos a teoria da evolução entrar nas escolas, quando nós não questionamos, quando nós não fomos ocupar a ciência.” E, completou a ministra: “A igreja evangélica deixou a ciência para lá. Vamos deixar a ciência sozinha, caminhando sozinha. E aí, os cientistas tomaram conta dessa área e nós nos afastamos.”
2019 veio com tudo! Felizmente vamos reescrever a história! Onde já se viu cientistas ocuparem-se de ciência!? No outro front, o ministro da marinha acaba de revelar que o Brasil lutou ao lado dos Estados Unidos nas três Guerras Mundiais. Vejam, leitores, os racionalistas cientificistas sonegaram-nos até mesmo relatos de um dos três grandes conflitos. Quantas narrativas, quantos dramas, quantos romances proibidos, quantas separações, quanto sangue, quantas tragédias inspiradoras para a literatura e a pintura não nos surripiaram! É bem provável que não nos tenham tornado pública a Terceira Guerra Mundial para camuflarem algum invento que deu errado, algum gás, sei lá, algo que tenha se espalhado pelo ar e seja a razão de tantos meninos apreciarem o rosa e tantas meninas o azul. Deus! Tende piedade de todos nós! Ilumine-nos mais e mais, a cada dia, nos próximos sete e em mais sete dias, setenta vezes sete! Permita que o mundo veja a mesma luz que ora nos ilumina, esclarecei a todos ó Senhor! Amém!


Então foi Natal


Em abril de 1895, à época da Semana Santa, Machado de Assis voltou-se para a ficção e comentou o relato da Paixão de Cristo. Ao olhar para Jerusalém, afirmou: “Há meia dúzia de assuntos que não envelhecem nunca; mas há um só em que se pode ser banal, sem parecê-lo, é a tragédia do Gólgota. Tão divina é ela que a simples repetição é novidade. Essa cousa eterna e sublime não cansa de ser sublime e eterna. Os séculos passam sem esgotá-la, as línguas sem confundi-la, os homens sem corrompê-la.”
Viajando no tempo, voltemo-nos para nossa semana e esbarremos, talvez, em um dos outros cinco assuntos que ignoram o envelhecimento: o nascimento do próprio Cristo. Ainda que muitos tentam negá-lo, a descrença se aprofunde e religiões como o socialismo se sobressaiam, sempre há alguém a dobrar os joelhos e tomá-lo como seu Mestre. Contudo, se a tragédia do Gólgota não é corrompida, o mesmo não se dá com a Natividade, que tem-se tornado um grande evento mercadológico, em cumprimento ao evangelho da religião capitalista.
Se na Antiguidade digladiavam-se judeus e cristãos, na atualidade, a hipocrisia reescreve a narrativa da Natividade e socialistas e/ou comunistas trocam farpas com capitalistas e/ou cristãos. Antes que continue, força é que explique o porquê do socialismo, comunismo e capitalismo serem vistos como religiões modernas. Antes, porém, cabe não esquecer certo maniqueísmo que há séculos persiste na esfera religiosa, esse dualismo entre o bem e o mal que pauta os discursos e a fé. Hoje não é diferente. Socialistas e comunistas irmanam-se do lado oposto ao capitalismo. Ambos proclamam-se bem, creditando ao adversário toda a maldade.
Chamar comunismo, socialismo e capitalismo de religiões pode soar algo constrangedor e desconfortável para muitos, mas ocorre que toda religião cria um sistema de normas e valores humanos cujas bases estão na crença de uma ordem metafísica, sobre-humana. É claro, islamismo, cristianismo, judaísmo, budismo, etc constituem-se a partir de uma ordem sobre-humana, um deus onipotente e criador de todas as coisas; os budistas, diferentes das outras três, não atribuem a mesma importância a deuses, mas, ainda assim, é visto como religião.
Diferente não é o comunismo, que, assim como os budistas, acredita nas leis da natureza. Se para os budistas foi Sidarta Gautama o descobridor de tais leis, para os comunistas foi a tríade Marx, Engels e Lenin, algo como o pai, o filho e o espírito santo – a ordem, leitor, altere-a como quiser. As correspondências vão além: assim como outras religiões, o comunismo tem seu livro sagrado e profético, O Capital, que, curiosamente, assim como a Bíblia para os cristãos, é muito citado e pouco lido por seus fiéis. Não vou me estender e falar dos teólogos adeptos e dos feriados dessas novas religiões porque, afinal, pretendia falar da degenerescência da Natividade. 
Se, na França islamizada, os presépios são banidos para não ferir as susceptibilidades dos muçulmanos, na Itália já há padres afirmando que tudo isso não passa de lorota. Na China, ao contrário, os chineses resolveram tomar gosto pela coisa e comemorar o Natal. As autoridades da cidade de Langfang, província de Hebei, proibiram árvores, meias de Papai Noel, luzinhas e pisca-piscas natalinos. Mas isso faz parte dos casos isolados, resquícios de um comunismo démodé, afinal, a China comunista é pragmática e não é boba por uma simples razão: a festa é ocidental, mas dá lucro. O ‘edital” da prefeitura da cidade é claro em sua ranzinzice: “camelôs que vendam árvores ou doces de Natal devem ser removidos”. O Global Times - o Granma, o Pravda, do partido comunista chinês - diz que não é bem assim, afinal o comunismo chinês é tão flexível quanto a coluna de um político, sobretudo quando brilha o vil metal.
Ano passado, Hengyang, na província de Hunan, emitiu um notificação pedindo que membros do partido comunista chinês “resistam ao festival ocidental” e a Liga da Juventude Comunista da China, publicou nas redes sociais que o “Natal é o dia da vergonha na China” e representa uma invasão por parte do ocidente, algo como comer pelas beiradas. E eles sabem do que estão falando, pois o fazem com maestria, afinal, o país produz nada menos que 80% das luzinhas que fazem as alegrias das crianças americanas. Esses casos isolados causam frisson nos fiéis das religiões modernas, sobretudo os tupiniquins, de posturas ambíguas, que negam a fé, mas lotam os shoppings.
Aliás, é nos shoppings, com sacolas e mais sacolas que se comemora o nascimento do Cristo. Que os tempos tenham mudado, vá lá, mas não custa lembrar da historieta da manjedoura, voltar-se aos pobres, aos humildes... só lembrar, mais nada!


Imagem: Banksy