“Amo
Platão, mas amo muito mais a verdade.” A fala é de uma personagem e são duas as
razões pelas quais dela me aproprio: primeiro, porque não acredito em
absolutos, seja no sentido aristotélico, seja no sentido pragmático, que traduz
tudo aquilo que não se deixa falsear; depois, porque a hipocrisia ronda o
quotidiano, está sempre à espreita e nos fustiga, também diariamente.
A
ética, dizem, é fazer o correto quando não se tem uma câmera a registrar suas
ações. Ora, evoluímos muito e sequer trazemos à definição a intenção, o
caráter. Desse modo, o caráter é relativo, tudo depende do grau de exposição. O
complicador maior, creio, é que em nossos dias, mesmo sob os holofotes a
hipocrisia e a falta de ética ganham foro privilegiado e de verdade.
Tomemos
alguns exemplos aos quais já nos habituamos: o presidente da república indica o
novo diretor da polícia federal (isso mesmo, tudo em minúsculas!); pois bem, na
tal da nomeação do novo ‘servidor’ (e o nome vem bem a calhar), o recém nomeado
orbita em torno do presidente e seus asseclas, todos investigados por
corrupção. Em seu discurso, o mais novo servidor presidencial, digo, da polícia
federal, diz pretender combater a corrupção com unhas e dentes.
A
plateia, composta por outros servidores ilibados e pela imprensa, participa do
ritual como se estivesse diante de um absoluto pragmático, o que não deixa de
ser irônico. Discurso feito, essa mesma imprensa, tão absoluta quanto o novo
diretor, passa a entrevistá-lo; e é nesse exato momento que o servidor corrompe
sua imparcialidade irônica, afirmando que uma malinha ou outra de dinheiro não
quer dizer absolutamente nada! No mais, um cidadão qualquer que tenha lá no
fundo da alma um resquício de bom-caratismo, sentir-se-á ultrajado face a
exponencial hipocrisia.
A
hipocrisia é uma senhora idosa. E está aí uma ex-presidente que não me deixa
mentir, também ela partidária do absoluto e da ética, razão de seus discursos
memoráveis. O fato é que a hipocrisia não só divide o prato que comemos, como,
às vezes, faz uso do nosso próprio garfo, tornando hipócritas a nós mesmos. Nas
relações de trabalho isso é matéria comum. A amizade muito comumente tem seus
dois lados, o particular e o público. Nessa lógica, vale o velho adágio de
confiar desconfiando.
A
hipocrisia, como visto no início dessa nossa prosa, não só está presente nas
altas esferas públicas, moldando sua estrutura, mas serve de arcabouço para a
sustentação dos pequenos poderes. Nas universidades, por exemplo, comumente se
confunde o público e o particular. Funcionários reinando há algum tempo em
determinado território, apropriam-se do público em proveito de seus próprios
interesses e dos interesses de seus amigos e protegidos. A vida acadêmica,
relativizada, resume-se a ‘panelas’, estas, digamos, nem sempre pautadas pelo
intelectual, se é que me entendem.
Os
concursos públicos são o exemplo mais claro e evidente de como as estruturas
espúrias se articulam. Tudo é feito e arquitetado dentro de uma clara e
evidente transparência, contudo, nas arrrières
boutiques, como dizia Montaigne, os resultados são publicados em ‘secreto’
antes mesmo de os editais virem à luz. Funcionários e servidores agem
hipocritamente, atuam, às vezes, porcamente, e acreditam que as demais almas
sequer desconfiam dos ardis que se tramam à vista de todos.
Diante
disso tudo o que fazer? Não sei, caro leitor. Definitivamente, não sei. Mas há
sempre duas saídas: nos acostumarmos, e assim nos tornamos a cada dia um pouco
mais hipócritas, ou fazermos como Rousseau, retirarmo-nos para as montanhas,
tal um promeneur solitaire. Mas, como
dizem os mais aquiescentes, o conhecimento só vem com lágrimas, agonia e dor,
sempre temperadas com alguma pitada de decepção.
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