Em
busca do carro das ideias, uma vez mais ensaio voos de colibri – ou de
borboletas. O quotidiano se impõe e me vejo levado a um adejar de abelha, em
humilde remissão ao célebre dito de Montaigne. Vá lá, quem sabe eu consiga
fazer um mel que seja todo meu. Não creio ter uma alma afeita à quizília, mas
abelhas têm ferrões e, como dizia o velho Machado, a crônica é como gato,
acaricia arranhando. Desta feita, ao recolher algum pólen aqui e acolá é
provável que às flores esqueça algum ferrão.
Creio,
leitor, que nada pode ser diferente, afinal, viver é faca de dois gumes e concordar
cegamente nunca foi de bom tom, portanto, desconfie de muito galanteio e muita
lisonja. Pois bem, vivemos tempos de intenso falatório, e ai de quem discorda
da galera com megafone em punho, do politicamente correto etc e tal. Este
falatório, na maioria das vezes, é propositado, creio eu, porque nos afasta do
que mais importa, do que nos é mais próprio.
Na
redes sociais, grupos se organizam e, num átimo, fazem de uma simples opinião –
que é de direito a todos –, por tratar-se de uma discordância, algo ferino, que
tergiversa, blasfema, insulta, impreca, destrói, calunia e corrompe! Isto
posto, acreditam que o mais importante é falar, esquecendo-se de que a fala é
feita de pausas e silêncios que residem, sobretudo, no escutar.
Um
leve pouso em uma dessas flores do campo e envolvo-me de um pólen cuja fonte
ignoro; de lá apreendo que a dificuldade de escutar advém principalmente do
renunciar à satisfação de exprimir-se. E mais, escutar é abdicar do controle,
deixar-se guiar, digerir e deixar-se tocar pelo outro; algo como outorgar ao
outro certa liberdade e algum poder sobre si mesmo. É desistir, ao menos
temporariamente, daquele discurso internalizado que carregamos há algum tempo e
ao qual atribuímos alguma verdade. É renunciar ao uso de seu/nosso poder sobre
o outro. Escutar é correr o risco de se sentir confuso, de não entender bem o
interlocutor, de não conseguir ajudá-lo e sobretudo de não poder salvá-lo (isso
àqueles que se julgam os donos da verdade). Escutar é, portanto, uma espécie de
luto para viver, o luto da nossa onipotência, da nossa fala, enfim.
O
discurso quotidiano avança e se publiciza, disseminado por vozes supostamente
“entendidas” disso ou daquilo. O resultado é um bando de gado marcado
ejaculando as mesmas palavras, gritando aqui e ali a supremacia de seu lugar de
fala, de modo a tornar tudo previsível; o leitor mais arguto conhece o diálogo
de cabo a rabo, porque este é impessoal, trazendo em si uma suposta segurança,
que acredita-se vantagem.
Nessa
lógica, a musa multiculturalista, em seus filminhos youtube, atribui o adjetivo fascista àquele que se nega a escutar,
mas, ao fazê-lo reproduz o mesmo, e, pela negação tenta impor o “seu” discurso, negaceia
escutar e relativiza a fala do outro.
O
desamparo é total, a seletividade é hiperbolizada. A fala do discordante é
exagerada, ampliada e comentada a partir de críticas ideológicas e, finalmente,
transformada em “discurso fascista” (uso a palavra porque está na moda). As
opiniões, sejam elas de esquerda, sejam de direita, são severamente criticadas
e refutadas por aqueles que não fazem parte da mesma panelinha ideológica.
Vejam, por exemplo, o pólen que busquei hoje em uma flor da rede, em que um
internauta (Braz Chediak) comenta o direito à opinião a dois atores
brasileiros, um achincalhado por ser coxinha
e outra por ser mortadela
(rótulos usados sempre pejorativamente, inclusive por intelectuais):
“LUCÉLIA SANTOS é uma atriz
brasileira. Uma grande atriz brasileira.
Desde o início de sua carreira teve posições políticas que devem ser respeitadas, como devem ser respeitadas todas as opiniões – estamos numa democracia. Lucélia defende Lula. Quer sua liberdade. É opinião de Lucélia e, portanto, deve lutar por ela como lutou por todas suas convicções e sua arte.
Desde o início de sua carreira teve posições políticas que devem ser respeitadas, como devem ser respeitadas todas as opiniões – estamos numa democracia. Lucélia defende Lula. Quer sua liberdade. É opinião de Lucélia e, portanto, deve lutar por ela como lutou por todas suas convicções e sua arte.
CARLOS VEREZA é um ator
brasileiro. Um grande ator brasileiro.
Ele tem suas posições políticas que devem ser respeitadas - estamos numa democracia. Vereza é a favor da condenação de Lula. É opinião dele e, portanto, deve lutar por ela como lutou para ser o grande ator que é.
Ele tem suas posições políticas que devem ser respeitadas - estamos numa democracia. Vereza é a favor da condenação de Lula. É opinião dele e, portanto, deve lutar por ela como lutou para ser o grande ator que é.
LUCÉLIA SANTOS está sendo
duramente atacada nas redes e blogs, com comentários que ultrapassam o bom
senso. Não respeitam sua opinião, não respeitam sua vida. E ISTO É UMA
MANIFESTAÇÃO FASCISTA, DE ÓDIO.
CARLOS VEREZA foi atacado por
intolerantes que pediram ao público que boicotassem seu espetáculo em Brasília.
Nas redes sociais, fazem análises maldosas sobre sua arte e sua vida. E ISTO É
UMA MANIFESTAÇÃO FASCISTA, DE ÓDIO.
Lucélia Santos e Carlos
Vereza são dois grandes artistas; são dois exemplos de nosso povo. Faltar com o
respeito a eles é faltar com o respeito à liberdade de expressão, à democracia,
é faltar com o respeito ao país.”
Concordo com Chediak, mas, à
imprensa vendida/comprada e tendenciosa, que importância tem isso?
É melhor tratar de assuntos
mais palatáveis e alienantes: “Ana Clara ficará na história”, anuncia a chamada
do site do jornal que se diz a serviço do Brasil, enquanto este desce a
ladeira. Quem é Ana Clara?
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