Revista Philomatica

sexta-feira, 1 de março de 2019

As “modernidadi”


Hoje, encontrei d. Maria no supermercado. Nossa amizade já conta mais de um ano. Nos conhecemos na fila do caixa em um daqueles dias em que você troca de fila várias vezes à procura de uma que flui mais rápido. Na pressa, tem-se a impressão de que a fila ao lado tornou-se mais curta e, zás, você muda de fila, mas, por alguma razão você vai ficando para trás, a fila que antes andava, de repente, para! Nesse dia, uma cliente teve problema com seu cartão, de modo que d. Maria e eu tivemos que aguardar por um bom tempo; resolvido o problema do cartão, acabou o papel da máquina registradora, d. Maria e eu continuamos a esperar, agora, já resignados, esquecemos as filas e começamos a papear.
__ Não entendo essas “modernidadi”, dizia d. Maria. Antes era tudo mais fácil, anotava-se na caderneta e, uma vez ao mês, com o dinheiro na mão, íamos ao empório e quitávamos tudo. Sem frescuras, arremata d. Maria. Hoje, com todas essas “modernidadi”, o tempo que dizem valer ouro vai todo para o ralo!
Concordei com d. Maria, buscamos exemplos e situações várias até que a moça do caixa disse “o próximo”.
Hoje, como disse, encontrei-me com d. Maria. Entabulamos uma prosa e d. Maria disse-me que não resistiu, capitulou, rendeu-se ao whatsapp depois que ganhou um celular da filha.
“Menino, é uma delícia!”, me divirto! “Minha filha diz para eu ter cuidado, que também dão golpes pelo whats, mas eu sou esperta, ó!” (d. Maria está chic, já faz reduções e capricha na pronúncia). Depois, viramos maldizer o governo, a reforma da previdência, e d. Maria disse só não estar mais preocupada porque já se aposentou, mas, mesmo assim, afirma, “me divirto”. “Você viu que o presidente, dizem né, foi eleito pelo whats, o ministro agora, caiu pelo whats, e o do turismo, tenho certeza, vai cair pelo whats. Sei não, quem ganha pelo whtas, pode muito bem perder pelo whats. Hoje a candidata laranja já divulgou as conversas do assessor do ministro. Tudo pelo whats, meu filho! Já viu frigideira porreta como essa? Ah, esse whats... podia deixar as pessoas menos estúpidas, não podia não?”
À espera do cliente à minha frente, que já colocara suas mercadorias no balcão, viro-me para d. Maria e pergunto um “como”. Ela, reflexiva, continua: “Não é história de comadre, não. É sério. É tudo muito bom, mas acho que as pessoas têm se tornado estúpidas. Sabe, houve um tempo em que muita gente acreditava ser verdade aquilo que estava escrito nos jornais. A palavra escrita tinha poder, menino. Ninguém desacreditava daquilo! É claro, houve também um tempo em que não se precisava assinar nada. Dava-se a palavra, entende? Empenhava-se a palavra. A palavra era sinônimo do caráter da pessoa. A palavra mostra quem você é, menino, só essa moçada é que não percebeu.”
Em meio à reflexão de d. Maria, esta levanta os braços e exclama: “Não acredito! De novo, não!” De costas para o caixa, pergunto com um olhar o que acontecera. “O cartão, menino, o cartão”, responde d. Maria. Volto-me para o caixa e mais uma vez vejo um cliente com problemas. O cartão, enfim, prolonga minha prosa com d. Maria.
“Como dizia”, continua ela, “A palavra era o bem mais precioso de uma pessoa. Era importante manter o que foi dito. Os mais velhos diziam que honravam sua palavra, não importava o grau de responsabilidade daquilo que haviam assumido. Ter palavra é ter honra. Ainda acredito nisso”, constata para si mesma.
Falante, continua d. Maria: “Hoje, com essas “modernidadi”, as pessoas esqueceram-se da palavra. Mesmo estando escrito, lendo aquilo, dizem que foram mal interpretadas, que cortaram pedaços, editaram né, não é assim que falam?” Pois é, no fim das contas ninguém tem palavra, todo mundo cai fora na hora do vamos ver!”
Chega a minha vez de passar no caixa. Despeço-me de d. Maria. A caminho de casa, penso no seu modo de falar, na sua sapiência. D. Maria queria dizer que a palavra é uma espécie de corpo dos nossos pensamentos, é nossa verdadeira carne.


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