O livro 1808, de Laurentino Gomes, narra algo inusitado para época, embora já estejamos habituados à história: a fuga da família real para o Rio de Janeiro. Até então, reis e rainhas que haviam sido destronados procuravam refúgio em territórios alheios, mas nenhum deles ousou tanto, ou seja, cruzou o oceano para viver, reinar e transformar uma colônia do outro lado do mundo. Laurentino repete a dose: seu 1822 está vendendo como água nas livrarias, tamanha é a sede e a curiosidade do público leitor em saber mais sobre esse período importante para a história de nosso país. O protagonista do livro, claro, é D. Pedro I.
É sabido que as ligações históricas Brasil-França começaram pouco tempo depois do achamento do Brasil, por Pedro Álvares Cabral. Em 1504, Binot Palmier de Gonneville, capitão francês, aportou na região onde hoje é o Estado de Santa Catarina. Durante os seis meses em que ali esteve o capitão e sua esquadra conviveram com os índios carijós. Ao partirem, levaram um índio que receberia o nome Essomericq e permaneceria na França pelo resto de sua vida. Depois veio Villegaignon, o corsário René Dougay-Trouin, La Condamine, Jean-Baptiste Debret, Grandjean de Montigny, Nicolas-Antoine Taunay, a filosofia positivista de Auguste Comte, etc etc, até que a Rua do Ouvidor estivesse repleta de lojas francesas, os palcos cariocas plenos de espetáculos e cocottes francesas e a literatura quase que inteiramente ligada à influência gálica, só para mudar um pouco o adjetivo.
Todo esse exórdio - como diria Machado, é para falar de D. Pedro I e suas relações francesas (relações, aqui, no sentido físico do termo, se é que me entendem). E, se você leitor, não faz parte da grande maioria desmemoriada, há de se lembrar de um certo senador da república, que até recentemente pagava a pensão de sua amante com dinheiro público. Lembrou-se? Não? Pois aí vai uma pista: ele não tem afeição nehuma pela pecuária, mas, ainda assim, conseguiu vender mais de 400 cabeças de gado a um pequeno açougueiro de Alagoas que, curiosamente, o que fatura por mês mal atinge dois dígitos. Milagres do sertão. Ainda não se lembrou? Acho que é C.., Ca..., Calh... Bem, o prenome é francês e o restante, leitor, trate de descobrir.
Mas e D. Pedro I, o que tem com isso? Pois bem, nosso querido Imperador esteve envolvido em um caso de golpe da barriga. Isso mesmo! Esse golpe tão aplicado em nossos dias, época em que os neurônios estão em baixa e o bumbum em alta. Acredita-se que foi o primeiro da história nacional em que ela dá o golpe, ele aproveita e você, contribuinte, paga a conta. O estratagema remonta a 1828; o incauto, nesse caso, foi o Imperador D. Pedro I e quem pagou a conta, tal como no caso do dito senador, foi o povo brasileiro.
D. Pedro I, como sabido, foi um grande conquistador de corações e exímio fazedor de filhos. Em quinze anos de vida sexual ativa, foi pai de nada mais nada menos que 28 filhos, dez em seus dois matrimônios e dezoito fora dele. Até a quituteira negra do Palácio de São Cristóvão entrou no... na... quero dizer, na dança, e teve a honra de uma gravidez real, como também uma freira, na Ilha Terceira! Aleluia!
Entretanto, o caso mais rumoroso e caro foi, sem dúvida o de Madame Saisset, Clémence Saisset. Em 1828, na Rua do Ouvidor, era o local das lojas mais refinadas da cidade, em geral de propriedade de franceses. D. Pedro I, quando se delocava de São Cristóvão para o Paço da Cidade, na atual Praça XV, passava por ali com sua carruagem e, certamente, observava o animado comércio e, dada a virilidade do moço, as modistas francesas ali estabelecidas, com as quais não poucas vezes teve casos amorosos. Acontece que certo dia sua atenção voltou-se para a casa de n°. 98, defronte à Rua Nova do Ouvidor (atual Travessa do Ouvidor) um fino estabelecimento de modas e papéis pintados, de Bernardo Wallenstein & Companhia. Porém, sua atenção não era dirigida às roupas ou papéis de parede ali exibidos, nem era a figura do solteirão Bernardo ou de seu sócio, Pierre Joseph Félix Saisset que lhe despertaram a curiosidade, mas sim a bela figura da esposa do segundo, Madame Clémence Saisset, nascida Mëes, modista e bela mulher de vinte e cinco anos e já mãe de dois filhos, o último deles nascido em março daquele ano. D. Pedro I percebeu que a jovem lhe correspondia e concebeu engenhoso plano para conquistá-la. Contratou Pierre Félix para colocar papéis de parede em todo o Paço de São Cristóvão. Enquanto o marido colocava os papéis nos salões imperiais, D. Pedro I colocava-lhe chifres! Como em toda boa história de traição, um dia a casa caiu. Nesse dia Pierre Félix retornou mais cedo para casa e encontrou D. Pedro I totalmente despido em sua cama! A esposa o convenceu de que o Imperador havia sofrido uma queda de um cavalo defronte à casa, e Madame Clémence Saisset, fazendo jus ao nome, o recolhera e despira (tudo no maior respeito, é claro...) para aplicar-lhe uma massagem de socorro. O marido fingiu acreditar, pois logo percebeu o quanto poderia lucrar com a situação. D. Pedro I, inclusive, posteriormente o autorizou a colocar uma placa na fachada da casa, indicando o negócio de papéis pintados ser “Fornecedor da Casa Imperial”, motivo de muita gozação entre os vizinhos. Em novembro, Clémence engravidou de D. Pedro I e, para o escândalo não aumentar, no dia 30 de dezembro de 1828 o casal Saisset partia para a Europa, não sem antes ter todo seu negócio indenizado a peso de ouro pelo Imperador, recebendo Madame Clémence Saisset, dentre os muitos presentes e dádivas, um saque de setenta e cinco mil francos e um título de pensão vitalícia.
É sabido que as ligações históricas Brasil-França começaram pouco tempo depois do achamento do Brasil, por Pedro Álvares Cabral. Em 1504, Binot Palmier de Gonneville, capitão francês, aportou na região onde hoje é o Estado de Santa Catarina. Durante os seis meses em que ali esteve o capitão e sua esquadra conviveram com os índios carijós. Ao partirem, levaram um índio que receberia o nome Essomericq e permaneceria na França pelo resto de sua vida. Depois veio Villegaignon, o corsário René Dougay-Trouin, La Condamine, Jean-Baptiste Debret, Grandjean de Montigny, Nicolas-Antoine Taunay, a filosofia positivista de Auguste Comte, etc etc, até que a Rua do Ouvidor estivesse repleta de lojas francesas, os palcos cariocas plenos de espetáculos e cocottes francesas e a literatura quase que inteiramente ligada à influência gálica, só para mudar um pouco o adjetivo.
Todo esse exórdio - como diria Machado, é para falar de D. Pedro I e suas relações francesas (relações, aqui, no sentido físico do termo, se é que me entendem). E, se você leitor, não faz parte da grande maioria desmemoriada, há de se lembrar de um certo senador da república, que até recentemente pagava a pensão de sua amante com dinheiro público. Lembrou-se? Não? Pois aí vai uma pista: ele não tem afeição nehuma pela pecuária, mas, ainda assim, conseguiu vender mais de 400 cabeças de gado a um pequeno açougueiro de Alagoas que, curiosamente, o que fatura por mês mal atinge dois dígitos. Milagres do sertão. Ainda não se lembrou? Acho que é C.., Ca..., Calh... Bem, o prenome é francês e o restante, leitor, trate de descobrir.
Mas e D. Pedro I, o que tem com isso? Pois bem, nosso querido Imperador esteve envolvido em um caso de golpe da barriga. Isso mesmo! Esse golpe tão aplicado em nossos dias, época em que os neurônios estão em baixa e o bumbum em alta. Acredita-se que foi o primeiro da história nacional em que ela dá o golpe, ele aproveita e você, contribuinte, paga a conta. O estratagema remonta a 1828; o incauto, nesse caso, foi o Imperador D. Pedro I e quem pagou a conta, tal como no caso do dito senador, foi o povo brasileiro.
D. Pedro I, como sabido, foi um grande conquistador de corações e exímio fazedor de filhos. Em quinze anos de vida sexual ativa, foi pai de nada mais nada menos que 28 filhos, dez em seus dois matrimônios e dezoito fora dele. Até a quituteira negra do Palácio de São Cristóvão entrou no... na... quero dizer, na dança, e teve a honra de uma gravidez real, como também uma freira, na Ilha Terceira! Aleluia!
Entretanto, o caso mais rumoroso e caro foi, sem dúvida o de Madame Saisset, Clémence Saisset. Em 1828, na Rua do Ouvidor, era o local das lojas mais refinadas da cidade, em geral de propriedade de franceses. D. Pedro I, quando se delocava de São Cristóvão para o Paço da Cidade, na atual Praça XV, passava por ali com sua carruagem e, certamente, observava o animado comércio e, dada a virilidade do moço, as modistas francesas ali estabelecidas, com as quais não poucas vezes teve casos amorosos. Acontece que certo dia sua atenção voltou-se para a casa de n°. 98, defronte à Rua Nova do Ouvidor (atual Travessa do Ouvidor) um fino estabelecimento de modas e papéis pintados, de Bernardo Wallenstein & Companhia. Porém, sua atenção não era dirigida às roupas ou papéis de parede ali exibidos, nem era a figura do solteirão Bernardo ou de seu sócio, Pierre Joseph Félix Saisset que lhe despertaram a curiosidade, mas sim a bela figura da esposa do segundo, Madame Clémence Saisset, nascida Mëes, modista e bela mulher de vinte e cinco anos e já mãe de dois filhos, o último deles nascido em março daquele ano. D. Pedro I percebeu que a jovem lhe correspondia e concebeu engenhoso plano para conquistá-la. Contratou Pierre Félix para colocar papéis de parede em todo o Paço de São Cristóvão. Enquanto o marido colocava os papéis nos salões imperiais, D. Pedro I colocava-lhe chifres! Como em toda boa história de traição, um dia a casa caiu. Nesse dia Pierre Félix retornou mais cedo para casa e encontrou D. Pedro I totalmente despido em sua cama! A esposa o convenceu de que o Imperador havia sofrido uma queda de um cavalo defronte à casa, e Madame Clémence Saisset, fazendo jus ao nome, o recolhera e despira (tudo no maior respeito, é claro...) para aplicar-lhe uma massagem de socorro. O marido fingiu acreditar, pois logo percebeu o quanto poderia lucrar com a situação. D. Pedro I, inclusive, posteriormente o autorizou a colocar uma placa na fachada da casa, indicando o negócio de papéis pintados ser “Fornecedor da Casa Imperial”, motivo de muita gozação entre os vizinhos. Em novembro, Clémence engravidou de D. Pedro I e, para o escândalo não aumentar, no dia 30 de dezembro de 1828 o casal Saisset partia para a Europa, não sem antes ter todo seu negócio indenizado a peso de ouro pelo Imperador, recebendo Madame Clémence Saisset, dentre os muitos presentes e dádivas, um saque de setenta e cinco mil francos e um título de pensão vitalícia.
De quebra, D. Pedro I ainda prometeu pagar a educação do pimpolho com mesada régia, às custas dos contribuintes. Em Paris, às seis horas da tarde do dia 23 de agosto de 1829, à rua Bergère, n°. 17, nasceu um menino, que passou a chamar-se Pedro de Alcântara Brasileiro, oficialmente filho de Pierre Saisset, antigo oficial de cavalaria francesa, de 32 anos, e de Madame Clémence Saisset[1].
Durante a gravidez da esposa, tanto Mr. Saisset como Clémence endereçaram muitas cartas ao Imperador e a seus procuradores, todas tratando de dinheiro, é claro. Depois, os Saisset se mudaram para a Avenue de Sceaux, n°. 2, em Versailles, onde granjearam fama na sociedade local, tendo o casal feito larga propaganda do filho tido com o Imperador do Brasil, fato que o próprio Mr. Saisset alardeava como de grande mérito. Costumava Madame Saisset exibir aos amigos e visitantes os presentes oferecidos a ela pelo Imperador do Brasil, em especial um papagaio falante, bem como toda a correspondência amorosa de ambos.
Entretanto, a renúncia do Imperador ao trono do Brasil, ocorrida a 7 de abril de 1831, bem como sua morte precoce, em Lisboa, a 24 de setembro de 1834, interromperam a remessa de dinheiro ao casal, fato que não passou sem poucos protestos. Após alguns anos, a Imperatriz viúva, Da. Maria Amélia, concedeu uma pequena pensão à criança, por alguns anos. Pedro de Alcântara Brasileiro foi educado num dos melhores colégios de Paris, o Lycée Louis le Grand, e se bacharelou em letras. Casou-se e foi pai de dois filhos, indo afinal residir em San José de Guadalupe, São Francisco, Califórnia. Em outubro de 1864 recebeu a notícia do falecimento da mãe, morta aos 61 anos. Só então, por meio do advogado da família, recebeu uma pasta de documentos e veio a saber que era filho do ex-Imperador do Brasil. Pedro de Alcântara enviou então uma missiva ao seu meio-irmão brasileiro, nada mais nada menos que o Imperador D. Pedro II, pedindo uma ajuda de custo para a educação de seus dois filhos, haja vista que sua mãe, a finada Clémence Saisset, havia torrado toda a fortuna da família em luxos e futilidades. O Imperador não retornou a correspondência e o assunto morreu. Alguns anos depois, em 26 de agosto de 1877, quando D. Pedro II esteve em Londres, um dos filhos de Pedro de Alcântara, o Capitão de Fragata Ernest de Saisset tentou contato com o Imperador, sem sucesso.
E assim acaba a história de como a França adentrou-se a alcova do Imperador e o contribuinte pagou pelo rendez-vous.
[1] Em 1822, de Laurentino Gomes, à página 125, há a informação de que a certidão de batismo do filho de D. Pedro I com Clémence Saisset está reproduzida em Pedro I, um brasileiro, Acervo do Museu Imperial de Petrópolis.
Nota: A história narrada acima, justamente em razão das estripulias do corrupto senador, foram disseminadas pela internet, porém em Cartas de D. Pedro I à Marquesa de Santos, de Alberto Rangel, Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 1984, p. 244 e 323, há informação sobre o rebento e os Saisset.
Veja ainda: GOMES, Laurentino. 1808: como uma rainha louca, um príncipe medroso e uma corte corrupta enganaram Napoleão e mudaram a história de Portugal e do Brasil. São Paulo: Editora Planeta do Brasil, 2007; 1822: como um homem sábio, uma princesa triste e um escocês louco por dinheiro ajudaram D. Pedro a criar o Brasil - um país que tinha tudo para dar errado. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 2010.
Nota: A história narrada acima, justamente em razão das estripulias do corrupto senador, foram disseminadas pela internet, porém em Cartas de D. Pedro I à Marquesa de Santos, de Alberto Rangel, Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 1984, p. 244 e 323, há informação sobre o rebento e os Saisset.
Veja ainda: GOMES, Laurentino. 1808: como uma rainha louca, um príncipe medroso e uma corte corrupta enganaram Napoleão e mudaram a história de Portugal e do Brasil. São Paulo: Editora Planeta do Brasil, 2007; 1822: como um homem sábio, uma princesa triste e um escocês louco por dinheiro ajudaram D. Pedro a criar o Brasil - um país que tinha tudo para dar errado. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 2010.
Imagens: D. Pedro I, de Simplício de Sá (1826); D. Pedro I compondo o Hino Nacional (hoje Hino da Independência), em 1822, de Augusto Braga (1880); Brasão e Coroa do Império do Brasil.
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