Revista Philomatica

sexta-feira, 20 de maio de 2011

Plágio: no princípio é o Control-C, o Control-V...

No princípio era o Verbo... (João 1:1). Confesso: talvez tenha sido pura perda de tempo citar João logo no início, pois, mesmo que tentasse me apropriar da célebre frase do apóstolo, rapidamente seria descoberto por algum leitor capcioso. Outros, nem tão atentos, pensariam: "Já li isto em algum lugar, não sei exatamente onde."
Pois é. Lembra-me de que no princípio era a cola. Certa vez, no primeiro ano do ensino médio - à época, colegial-, deparei-me com florestas tropicais úmidas, tundras, estepes, savanas, desertos, pradarias, taigas... Rodeei o assunto e depois de alguma leitura buscando cercá-lo, não tive dúvidas: optei pelo copiar-colar. Óbvio que não havia então o Control-X, nem Control-C, nem Control-V. Foi com Bic mesmo! Bic, papel branco e letra miúda, miudinha. Ao final da operação, o papel, já azul, era uma sanfoninha à semelhança de um fole de acordeão. É provável que o professor esperasse que eu ao menos respondesse as questões à minha maneira, o que não fiz, ergo, não sabia que plagiava. Pensando bem, por este lado, quem nunca plagiou que jogue a primeira pedra! Ops!, isto é plágio.
Naturalmente, você, leitor, sabe que essa história de jogar a primeira pedra vem de longa data e já notou que o assunto aqui é o hábito cada vez mais comum de assumir a obra intelectual ou artística de outrem, sem lhe dar os devidos e merecidos créditos.
Cheguei a isso em razão de notícias que li recentemente: plágio em tese de doutorado derruba ministro alemão; universidade confirma plágio em tese de vice-presidente do parlamento europeu; escritoras acusam de plágio a série Macho Man, da Rede Globo; SBT é notificado por plágio de quadro no Programa do Sílvio Santos, além, é claro, de histórias próximas e que correm à boca miúda, cujos envolvidos não ganham foro de imprensa.
De fato, ao longo da produção literária, o conceito de plágio é algo relativamente novo. Na Idade Média, regiam as leis da imitação. Aos escritores e artistas era permitido que buscassem um exemplum, um modelo do passado que servisse de base para que se pudesse fazer algo novo. O público que ia ao teatro ver a Fedra, de Racini, muito provavelmente já conhecia a paixão proibida vivida pela heroína em Hipólito, de Eurípedes, ou na Fedra, de Sêneca. Talvez o que procurassem era constatar o gênio de Racine ao recontar a história por outro viés, afora sua habilidade com os versos alexandrinos.
Isso ocorria porque talvez ainda imperasse a mentalidade cristã do imitatio Christi, ascese que ditava a assimilação de Cristo como modelo a ser seguido. Nesse contexto, artistas, escritores e professores apropriavam-se com liberdade de fontes cristãs e greco-latinas porque lhes parecia inspirador. No caso dos clássicos, recontar a história era, ao fazê-lo, acrescentar um nova argola à corrente, um ponto ao conto, enfim, uma espécie de plágio criativo.
Na antiguidade e, depois, na Idade Média, antes da difusão da imprensa, o direito do autor não existia: foi com a aparição do texto impresso que se instaurou a noção de propriedade literária. Desnecessário dizer que se os autores buscaram proteger suas ideias, os plagiadores não deixaram por menos e, ironicamente, criaram... maneiras e dinâmicas próprias de copiar.
O plágio constitui uma cópia ipsis litteris, sem tirar nem por, enfim, algo que pode trazer sérias implicações jurídicas e... derrubar ministros. Mas nem todo mundo pensa assim: a primeira das Fictions, de Borges, Tlön Uqbar Orbis Tertius, traz o conceito de que o plágio não existe e de que todas as obras são obras de um autor atemporal e anônimo[1], logo, todos os textos passam à condição de fragmentos de um grande texto, ou um conjunto de obras chamado literatura, patrimônio que pertence a todos.
Barthes também concebe a ideia da literatura como patrimônio generalizado ao dizer que na literatura tudo existe, resta saber onde.[2] Mas nem sempre se apropriar da fala do outro é plágio. Dentre as práticas intertextuais, a citação é claramente destacada e a interação entre os textos é bastante distinta. No entanto, a referência, assim como a alusão e o plágio, são bastante ambíguos. Sua localização depende da cultura e da sagacidade do leitor, algo que torna a relação intertextual incerta e aleatória. Em casos de apropriação total, como ocorre com o plágio, o texto citado se funde de tal maneira ao texto citante que a heterogeneidade - se notada -, só ocorre devido à sintaxe ou ao estilo, isso quando não atinge todo o conteúdo do texto, eliminando qualquer traço particular - se é que eles existem (rsrsrs). Afinal, como dizia o pregador nos Eclesiastes (1:9): nada há de novo debaixo do sol (viram que fiz uma mudançazinha?).
Para encurtar a prosa, lá vai um copiar-colar da Wikipédia. Conta-se que o escritor austríaco Egon Freidell (1878-1938), ao constatar que tinha sido vítima de plágio, em 1931, escreveu ao seu plagiador, um certo Anton Kuh, esta memorável cartinha:

Prezado Senhor,
Foi surpresa verificar que resolveu publicar a minha humilde estória, "O imperador José e a Prostituta", tal como a escrevi, com o acréscimo das três palavras: "Por Anton Kuh" , na publicação Querschnitt. Honra-me sem dúvida o fato de sua escolha ter recaído na minha estorinha, quando toda a literatura mundial desde Homero se encontrava à sua disposição. Teria gostado de retribuir na mesma moeda, mas depois de examinar toda a sua obra, não encontrei nada que tivesse vontade de subscrever. (ass) Egon Friedell.

[1] BORGES, Jorge Luís. Fictions. Paris: Gallimard, Coll. Folio, p. 24
[2] BARTHES, Roland. Le Bruissement de la langue. Paris: Seuil, 1984, p. 330

Imagens: Mona Lisa, de Botero. Todas disponíveis no Google Images.



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