Não é nenhum absurdo afirmar que o grupo de leitores continua bastante reduzido. Em minhas últimas garatujas, retomei certo articulista que afirmara ser de no máximo seis minutos o tempo dedicado à leitura no Brasil. E, embora as livrarias estejam apinhadas de pessoas (leitores?), não é claro que tenham contribuído para a melhora do índice. Bem, pergunta-me você leitor, qual índice? Sei lá, o índice que aponta a quantidade de almas que leem; afinal, talvez ainda acredite na sacralidade do livro, este objeto que encerra verdades que escapam aos homens. Também só me lembrei disso por causa das minhas leituras e, como o velho adágio afirma que quem conta um conto aumenta um ponto, escorreguei-me para o intertextual e, de repente, ouvi a fala de Jean-Claude Carrière saltar das páginas e me contar sobre um filme de Laurel e Hardy, suas personagens prediletas. Pois bem, segundo Carrière, Laurel afirma alguma coisa e Hardy, refuta-o, perguntando se tem certeza do que acabara de dizer. Laurel, crédulo, responde: "Tenho, li num livro."
O mesmo se deu comigo: acreditei no dito articulista e agora quando alguém me diz que passou quinze minutos com os olhos pregados em uma página qualquer, já olho para esse alguém com certa intimidade, correndo até mesmo o risco de ser mal interpretado!
Mas não nos menosprezemos! Umberto eco, há pouco mais de cinco anos, afirmara que em se tratando de leitura, a Itália situava-se imediatamente antes de Gana. Eu acreditei! Acreditei porque li num livro e também porque acho que em Gana há poucas livrarias - e bibliotecas -, lugares onde os ingleses, por sua vez, preferem ir à busca de livros.
Na Itália - como aqui -, jornais e revistas esporadicamente usam o artifício de "presentear" seus leitores com livros (e ou CDs e filmes), talvez na tentativa de atribuir certa credibilidade a periódicos já há muito abandonados pela genuína e imparcial reflexão. As revistas e jornais teimam em imitar a TV ao confundir, ideologizar e relativar as sinapses de seus pobres leitores - e ou expectadores. No caso, tem-se articulista e leitor, ambos, pervertidos: o primeiro, no sentido de que se corrompe ao se deixar levar pelos interesses da política "parva e sanhuda", vendendo sua alma ao diabo e esquecendo-se de toda e qualquer imparcialidade; já o leitor, perverte-se porque ao dar crédito à letra impresa, desmoraliza-se, às vezes, por pura imprudência.
Mas não é essa a perversão que tinha em mente. Pensara na devassidão, na depravação e nos desvios de comportamento que nos levam para longe da realidade, do certo e do errado (se é que, de fato existem) e nos conduz a uma decadência moral e a um gozo tão excitante quanto o prazer que nos proporciona Iago, mesmo quando nos dá calafrios ou apequena o Satanás de Milton, ou ainda quando nos deparamos com as peripécias de Brás Cubas, o defunto-autor. Para os depravados, a lista é imensa: Proust, Cervantes, Dante, Montaigne, Voltaire, Machado de Assis...
Essa perversão só a leitura provoca...
A devassidão, porém, não é casual, mas dá-se também pela constância; algo como a ninfomania ou o priapismo, portanto, pervertido é aquele leitor que vive com seu livro na bolsa, abre-o tão logo - e milagrosamente - consiga um lugar no metrô para se sentar, ou ainda quando se encosta nos pontos à espera de um ônibus. No ônibus mesmo, impossível. Falo de São Paulo, claro, onde os ônibus não rodam, mas sim trotam, tornando proeza aos olhos aprisionar as palavras que saltam das páginas feito pipoca quando estoura na panela.
A perversão configura-se então naquele senhor que, nos anos 80, se sentava na estação de metrô Hôtel-de-Ville, colocava ao lado quatro ou cinco livros, esquecia-se dos transeuntes, perdendo-se intermitentemente em uma ou outra história à medida em que mudava de livro. Fazia isso por semanas a fio, interrompendo sua leitura diária apenas para almoçar e, às seis da tarde, quando terminava uma rotina semelhante à de qualquer operário. Segundo Carrière, de quem roubei o relato, este senhor lia de tudo: romances, história, ensaios. Vê-se, a partir disso, que o pervertido não tem lá muito critério. O que lhe cair nas mãos é proveito, ganho, algo libidinoso.
A libido, esta, é complexa! As taras, tal qual o gosto daquele senhor do metrô, são várias, prova de que nem todo mundo goza com as mesmas leituras. As razões são diversas: alguns, masturbam-se com Marx e se esquecem da estética pura e simples ao ler Shakespeare; outros, a exemplo dos surrealistas, são seletivos e criam listas (Breton) de quem se deve ou não ler: leiam Rimbaud, Hugo, Rabelais; não leiam Verlaine, Lamartine ou Montaigne, e por aí vai...
Há ainda os que não querem saber nem de uma coisa e nem de outra: deixam para a Escola dos Ressentidos a harmonia social e a luta de classes e a estética para 'as elite' e se enchafurdam nos ditos libertinos. Sade, o grande representante, soa profético! Isso sem falar nesses "livres qu'on ne lit que d'une main" (livros que se leem só com uma mão), deliciosa especialidade do século XVIII.
Como se vê, Dante é que tinha razão, quando, ao arrumar o Inferno, nos colocou no nível oito abaixo no oitavo círculo, bem pertinho de Satanás.
Imagem: RESTIF DE LA BRETONNE, Nicolas Edme. Histoire de Madame Parangon. GIRARD, Daniel (Illustrateur), extraída do site: hhttp://www.librairie-curiosa.com/2013_12_01_archive.html?zx=da4ac2f6eecfbe53
Na Itália - como aqui -, jornais e revistas esporadicamente usam o artifício de "presentear" seus leitores com livros (e ou CDs e filmes), talvez na tentativa de atribuir certa credibilidade a periódicos já há muito abandonados pela genuína e imparcial reflexão. As revistas e jornais teimam em imitar a TV ao confundir, ideologizar e relativar as sinapses de seus pobres leitores - e ou expectadores. No caso, tem-se articulista e leitor, ambos, pervertidos: o primeiro, no sentido de que se corrompe ao se deixar levar pelos interesses da política "parva e sanhuda", vendendo sua alma ao diabo e esquecendo-se de toda e qualquer imparcialidade; já o leitor, perverte-se porque ao dar crédito à letra impresa, desmoraliza-se, às vezes, por pura imprudência.
Mas não é essa a perversão que tinha em mente. Pensara na devassidão, na depravação e nos desvios de comportamento que nos levam para longe da realidade, do certo e do errado (se é que, de fato existem) e nos conduz a uma decadência moral e a um gozo tão excitante quanto o prazer que nos proporciona Iago, mesmo quando nos dá calafrios ou apequena o Satanás de Milton, ou ainda quando nos deparamos com as peripécias de Brás Cubas, o defunto-autor. Para os depravados, a lista é imensa: Proust, Cervantes, Dante, Montaigne, Voltaire, Machado de Assis...
Essa perversão só a leitura provoca...
A devassidão, porém, não é casual, mas dá-se também pela constância; algo como a ninfomania ou o priapismo, portanto, pervertido é aquele leitor que vive com seu livro na bolsa, abre-o tão logo - e milagrosamente - consiga um lugar no metrô para se sentar, ou ainda quando se encosta nos pontos à espera de um ônibus. No ônibus mesmo, impossível. Falo de São Paulo, claro, onde os ônibus não rodam, mas sim trotam, tornando proeza aos olhos aprisionar as palavras que saltam das páginas feito pipoca quando estoura na panela.
A perversão configura-se então naquele senhor que, nos anos 80, se sentava na estação de metrô Hôtel-de-Ville, colocava ao lado quatro ou cinco livros, esquecia-se dos transeuntes, perdendo-se intermitentemente em uma ou outra história à medida em que mudava de livro. Fazia isso por semanas a fio, interrompendo sua leitura diária apenas para almoçar e, às seis da tarde, quando terminava uma rotina semelhante à de qualquer operário. Segundo Carrière, de quem roubei o relato, este senhor lia de tudo: romances, história, ensaios. Vê-se, a partir disso, que o pervertido não tem lá muito critério. O que lhe cair nas mãos é proveito, ganho, algo libidinoso.
A libido, esta, é complexa! As taras, tal qual o gosto daquele senhor do metrô, são várias, prova de que nem todo mundo goza com as mesmas leituras. As razões são diversas: alguns, masturbam-se com Marx e se esquecem da estética pura e simples ao ler Shakespeare; outros, a exemplo dos surrealistas, são seletivos e criam listas (Breton) de quem se deve ou não ler: leiam Rimbaud, Hugo, Rabelais; não leiam Verlaine, Lamartine ou Montaigne, e por aí vai...
Há ainda os que não querem saber nem de uma coisa e nem de outra: deixam para a Escola dos Ressentidos a harmonia social e a luta de classes e a estética para 'as elite' e se enchafurdam nos ditos libertinos. Sade, o grande representante, soa profético! Isso sem falar nesses "livres qu'on ne lit que d'une main" (livros que se leem só com uma mão), deliciosa especialidade do século XVIII.
Como se vê, Dante é que tinha razão, quando, ao arrumar o Inferno, nos colocou no nível oito abaixo no oitavo círculo, bem pertinho de Satanás.
Imagem: RESTIF DE LA BRETONNE, Nicolas Edme. Histoire de Madame Parangon. GIRARD, Daniel (Illustrateur), extraída do site: hhttp://www.librairie-curiosa.com/2013_12_01_archive.html?zx=da4ac2f6eecfbe53
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