Há
dias, lembro-me de haver divagado sobre a solidão. Creio haver dito algo sobre
como a solidão tem sido levada à
condição de abandono. Malgrado deste meu ponto de vista, à busca do carro das
ideias, deparei-me com as ideias de Zygmunt Bauman sobre a questão, que não são
muito mais animadoras. Bauman, dentre outras observações, comenta em um vídeo
disponível na rede (prova de que nesse mar de lixo, pode-se, com alguma
perseverança garimpar uma ou outra pérola) a solidão em nossos dias.
Bauman ataca sobretudo a liquidez das amizades em
nosso mundo contemporâneo. Estas, mensuradas nas redes sociais por um ícone cujas
imagens estilizadas de homenzinhos sob um círculo vermelho anunciam novos e
incógnitos amigos, são despossuídas de afeto e humanidade e, lidas matematicamente,
não passam de números que, somados ou diminuídos, traduzem a sociabilidade do
sujeito.
Isto posto, o sociólogo discute a definição de
amigo em nossos dias. O que é ter um amigo? Ao fazê-lo, responde a questão
comparativamente, colocando-se como sujeito cujos anos avançados lhe conferem
alguma credibilidade, ainda que, ontem, tenha ouvido algo de um professor que
desmerece o que acabo de dizer. Para este meu colega, a democracia derruba a
barreira do tempo e da experiência, contudo, ao proferir sua máxima, começou
justamente por ressaltar seus anos na instituição! Ao fazê-lo, o que ouvi foram
só ruídos, nada além de esquisitices.
Mas, revenons
à nos moutons: Bauman, que não é bobo nem nada e, acredito, nada
panfletário como aquele meu colega do parágrafo anterior, evidencia justamente
o fator etário para entabular seu argumento, de modo que afirma: “Um viciado em Facebook me confessou, não confessou, de
fato, mas gabou-se para mim de que havia feito 500 amigos em um dia. Minha
resposta foi que eu tenho 86 anos, mas não tenho 500 amigos. Eu não consegui
isso. Então, provavelmente, quando ele diz 'amigo' e eu digo 'amigo', não
queremos dizer a mesma coisa. São coisas diferentes”.
Assim, ligo os meus pontos a partir do nó central da trama -
os amigos: de um lado, um ser solitário, no centro, milhares de “amigos” - hoje
mesurados pela letra K (khilioi) -, e,
no outro extremo, o mesmo ser solitário, que exclui ou adiciona amigos que
desconhece, acumulando ou descartando-os ao sabor do humor e ou das opiniões.
Digo opiniões porque as amizades virtuais não são compatíveis
com a pluralidade de pontos de vista, de modo que amigos, para a maioria, é
aquela classe de pessoas que pensa exatamente como eu penso. Nessa lógica, criamos
bolhas nas quais nos sentimos confortáveis e seguros. Ao menor sinal de um
desacordo de pontos de vistas, o clique certeiro apaga comentários, perfil e
tudo o mais que a tecnologia permite; quando não, o desafeto é conspurcado face
aos ‘verdadeiros amigos’; sim, verdadeiros porque pensam como eu penso.
O que há de perigoso nessa adição e subtração voraz de
cliques é que em nossas sociedades contemporâneas, as pessoas descartam
relações, amor, companheirismo e, acreditem, amizades! Conectamos e
desconectamos pessoas como fazemos tão logo encerramos uma compra ou
consultamos uma informação na rede. Amigos virtuais não têm rosto. Sabe aquela
história de que o corpo fala? Pois então, dos amigos virtuais desconhecemos o
olhar, o gesto, o semblante que conforta, transmite calor, amor, compreensão,
enfim, amizade, mas também impaciência, desacordo, repulsa e – por que não? -
raiva. Amigos discordam, mostram caminhos, indicam-nos desvios, discordam!
Já, os amigos virtuais, estes não são muito afeitos ao
diálogo, afinal, nas redes sociais é muito fácil evitar a controvérsia, algo
que aparentemente indica suposta condescendência, contudo a desinteligência é
tão salutar quanto a amizade, uma vez que nos afasta do eco de nossas próprias
vozes, de nossas zonas de conforto, dos nossos reflexos, de modo que continua
valendo o velho adágio de que mais vale um pássaro na mão que dois voando. Por
isso, ainda que você tenha alguns poucos amigos, poucos mesmo e em quantidade
que talvez não consiga fazer uso de todos os dedos da mão para contá-los, ainda
assim, isto é preferível a contá-los em
khilioi e jamais poder contar com eles.
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