A
justiça e a honestidade pairam sobre a Terra. Ao menos, sobre nosso torrão tupiniquim,
haja vista a proximidade das eleições. Índices sociais e educacionais são
edulcorados e se o gringo daqui se aproximar há de crer que somos uma Finlândia
perdida nos trópicos. Vá lá: deixemos a canalha de lado. O que me vem ao
espírito enquanto deito estas garatujas sobre a folha – que, de fato, não é
folha, mas tornou-se hábito isto dizer do espaço em branco sobre a tela -, foi-me
suscitado por um pequeno texto, bastante pessoal, de um amigo. Nele, meu amigo discorre
sobre uma questão que lhe fora feita: se ele se arrependera de algo na vida.
Para este meu amigo, o arrependimento foi ter ignorado uma luz que vira aos 20
anos, quando lera a regra de São Bento – Ora
et Labora.
Meu
amigo acredita que ao ignorar tal chamado perdeu a oportunidade de, no silêncio
e no anonimato, galgar certa espiritualidade que, para além de algum estudo,
lhe permitisse o exercício da contemplação silenciosa por meio da qual pudesse
adentrar o mistério e o sentido das coisas (palavras dele, que transcrevo de
modo parafrástico). O desejo arrependido de meu amigo implica o abandono das
vaidades mundanas, sejam elas pessoais ou profissionais. Algo que não só a
filosofia nos ajudaria entender, mas sobretudo a religião. Ainda que esta
última tenha sido vilipendiada em demasia em nossos dias, que leitor não faria
uma meia volta até os célebres versos do Eclesiastes,
nos quais o pregador discorre sobre as vaidades: “Que proveito tem o homem, de todo o seu trabalho, que faz
debaixo do sol?”
O mundo moderno nos aponta uma felicidade medida
através da hierarquia (nas universidades os títulos são sintomáticos medidores
da fogueira das vaidades) e do ruído. A contemplação silenciosa sonhada por meu
amigo figura-se algo medieval, típica de claustros e monastérios, se comparada a
este nosso mundo ruidoso, em que os discursos são analisados em exaustão, estripados
em suas palavras, em se fala muito e pensa-se pouco, muito pouco.
Em nossos dias a solidão tem sido levada à
condição de abandono, por isso renegada. A sociedade cria artimanhas para
subtrair as almas dos eremitérios pessoais e espirituais: o casamento e a
procriação tem sido sinônimo de convivência, mas também de convivialidade, de
modo que desde pequenos somos condicionados não só a raciocínios especiosos e vazios,
mas sobretudo a vivermos sobre o crivo de poderes repressivos e disciplinados.
Explico-me: a convivência, o estar junto, por mais salutar que seja, não é algo
unilateral, haja vista que até mesmo o escudo de Aquiles, que Homero descreve um
dos lados com maestria, do outro, certamente havia rústicas enarmas para que o guerreiro pudesse sustentá-lo.
E é de se crer que as enarmas pressionassem
seus dedos.
Conviver nada mais é que a constatação de que
somos dois, uma vez que diante do outro nossa consciência nos olha de fora e
nos avalia o tempo todo, de modo que nos constituímos enquanto ser em presença
física e em virtualidade - por mais que essa palavra pareça deslocada. Assim, a
solidão é a condição sine qua non de
– e para – a existência do homem no mundo, jamais um abandono. É na solidão que
podemos – e somos – nós mesmos! É na solidão que podemos nos expandir, crescer!
Na solidão não temos os a vigilância de outros sobre nós, portanto, deixamos de
sofrer com o poder repressivo e, isto sim, é salutar! Também não partilhamos do
poder disciplinar, aquele em que nós mesmos nos punimos, às vezes, na tentativa
de sermos aceitos e de compartilharmos de igual para igual da convivência.
Por fim, a solidão que nos leva ao
autoconhecimento, à descoberta de nós mesmos, de modo a podermos suportar o
outro sem, talvez, sufocá-lo, ou nos deixarmos sufocar neste mundo de prosas e
versos em demasia!
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