Revista Philomatica

sexta-feira, 17 de agosto de 2018

Você se arrepende de quê?


A justiça e a honestidade pairam sobre a Terra. Ao menos, sobre nosso torrão tupiniquim, haja vista a proximidade das eleições. Índices sociais e educacionais são edulcorados e se o gringo daqui se aproximar há de crer que somos uma Finlândia perdida nos trópicos. Vá lá: deixemos a canalha de lado. O que me vem ao espírito enquanto deito estas garatujas sobre a folha – que, de fato, não é folha, mas tornou-se hábito isto dizer do espaço em branco sobre a tela -, foi-me suscitado por um pequeno texto, bastante pessoal, de um amigo. Nele, meu amigo discorre sobre uma questão que lhe fora feita: se ele se arrependera de algo na vida. Para este meu amigo, o arrependimento foi ter ignorado uma luz que vira aos 20 anos, quando lera a regra de São Bento – Ora et Labora.
Meu amigo acredita que ao ignorar tal chamado perdeu a oportunidade de, no silêncio e no anonimato, galgar certa espiritualidade que, para além de algum estudo, lhe permitisse o exercício da contemplação silenciosa por meio da qual pudesse adentrar o mistério e o sentido das coisas (palavras dele, que transcrevo de modo parafrástico). O desejo arrependido de meu amigo implica o abandono das vaidades mundanas, sejam elas pessoais ou profissionais. Algo que não só a filosofia nos ajudaria entender, mas sobretudo a religião. Ainda que esta última tenha sido vilipendiada em demasia em nossos dias, que leitor não faria uma meia volta até os célebres versos do Eclesiastes, nos quais o pregador discorre sobre as vaidades: “Que proveito tem o homem, de todo o seu trabalho, que faz debaixo do sol?”
O mundo moderno nos aponta uma felicidade medida através da hierarquia (nas universidades os títulos são sintomáticos medidores da fogueira das vaidades) e do ruído. A contemplação silenciosa sonhada por meu amigo figura-se algo medieval, típica de claustros e monastérios, se comparada a este nosso mundo ruidoso, em que os discursos são analisados em exaustão, estripados em suas palavras, em se fala muito e pensa-se pouco, muito pouco.
Em nossos dias a solidão tem sido levada à condição de abandono, por isso renegada. A sociedade cria artimanhas para subtrair as almas dos eremitérios pessoais e espirituais: o casamento e a procriação tem sido sinônimo de convivência, mas também de convivialidade, de modo que desde pequenos somos condicionados não só a raciocínios especiosos e vazios, mas sobretudo a vivermos sobre o crivo de poderes repressivos e disciplinados. Explico-me: a convivência, o estar junto, por mais salutar que seja, não é algo unilateral, haja vista que até mesmo o escudo de Aquiles, que Homero descreve um dos lados com maestria, do outro, certamente havia rústicas enarmas para que o guerreiro pudesse sustentá-lo. E é de se crer que as enarmas pressionassem seus dedos.
Conviver nada mais é que a constatação de que somos dois, uma vez que diante do outro nossa consciência nos olha de fora e nos avalia o tempo todo, de modo que nos constituímos enquanto ser em presença física e em virtualidade - por mais que essa palavra pareça deslocada. Assim, a solidão é a condição sine qua non de – e para – a existência do homem no mundo, jamais um abandono. É na solidão que podemos – e somos – nós mesmos! É na solidão que podemos nos expandir, crescer! Na solidão não temos os a vigilância de outros sobre nós, portanto, deixamos de sofrer com o poder repressivo e, isto sim, é salutar! Também não partilhamos do poder disciplinar, aquele em que nós mesmos nos punimos, às vezes, na tentativa de sermos aceitos e de compartilharmos de igual para igual da convivência.
Por fim, a solidão que nos leva ao autoconhecimento, à descoberta de nós mesmos, de modo a podermos suportar o outro sem, talvez, sufocá-lo, ou nos deixarmos sufocar neste mundo de prosas e versos em demasia!

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