O
cenário político atual não tem sido promissor só à criatividade, mas sobretudo
à crença. A semana mostrou-nos ateus convictos, envaidecidos porque o discurso
Papal assemelha-se àquele repetido pela cartilha do partido. Vá lá, Marx está
aí e não me deixa mentir: a religião é o suspiro da criança, o ópio do povo.
Como
cada um acredita naquilo que quer, a cena política, repleta de malfeitores, de
uma hora para outra viu-se povoada por um sem-número de Robin-Hoods. Muitos dizem
tratar de burrice pura e simples dos eleitores, contudo, especialistas (sempre
os especialistas!) dizem que nosso cérebro está adaptado a extrair informações
do mundo e, nessa leitura particular que fazemos do mundo, há momentos em que
os dados objetivos são completamente ignorados.
Talvez
seja essa a razão de muitos eleitores acreditarem que a Terra é plana. É uma
questão de fé! A fé em um Salvador da Pátria. E, como dizia Voltaire, “a fé
consiste em crer nas coisas porque elas são impossíveis”. Assim, basta ver um
planisfério para muitos se esquecerem da esfericidade do globo. Nossos
presidenciáveis que em maioria só não frequentam as manchetes policiais porque
a grande impressa, ciosa de seus interesses, criou a “coluna política”,
desafiam a fé do eleitor. Afinal, completa Voltaire, “a fé consiste em
acreditarmos, não naquilo que nos parece verdadeiro, mas naquilo que se
apresenta como errado e falso ao nosso entendimento”. Só pela fé o cidadão pode
acreditar na seriedade e honestidade dos atuais presidenciáveis.
Vá
lá, o leitor não é de todo culpado, contudo é inegável sua fatia de
responsabilidade nesse processo espúrio. Golpe ou não golpe, a conversa de que
este ou aquele não me representa, faz parte de um discurso clichê tão rasteiro
e chué que só mesmo os crentes na platitude da Terra são capazes de
sustentá-lo, por isso faz-se necessária a ética ao escolher um provável candidato.
Mas, como dizia, a responsabilidade do eleitor está no fato de ele vislumbrar
certa vantagem adaptativa caso de seu candidato sair vencedor; hipoteticamente
suas chances aumentariam em relação àqueles que optaram pelo opositor.
Hipoteticamente, vírgula! As vantagens potenciais são muitas, sobretudo para
aqueles entranhados à máquina, conhecedores do mecanismo.
Maria,
professora universitária, não acredita que políticos tenham desviado do erário.
Para ela, tudo o que lemos são teorias conspiratórias. Maria acredita que se a
empresa do João superfaturou a obra para beneficiar políticos, não houve nada
de irregular, não se tirou caraminguá algum do pobre, não se deixou de
construir mais escolas e hospitais... E Maria é professora universitária!
Pensando
em Maria, não a condeno, prefiro buscar uma razão, digamos, científica, que
explique sua compreensão e opiniões. Afinal, Maria é professora universitária!
Talvez não tenha que chegar a tanto: arrisco que Maria, talvez, não seja
versada em media literacy. Reflito e
resolvo pedir ajuda aos meus botões; aquele que sempre me acorde nessas
situações resolve brincar comigo e diz: “Não esqueça, ela é...”. Interrompo-o e
digo: “Já sei, já sei...”. “Professora univ...”, corta-me ele”
Não
condeno Maria e vou à procura de uma explicação, mas o caldo entorna quando encontro
um outro professor, um tal de Whitmore, da Universidade de Kent, afirmando que
a tendência em acreditar naquilo que parece falso ao nosso entendimento é uma
necessidade que o cérebro tem de “receber informações confirmantes e que
harmonizem com o ponto de vista já pré-estabelecido do indivíduo”.
Em
que acreditas? Qual é a sua fé, Maria? Whitmore assegura que “na verdade, pode-se dizer que o cérebro está
programado para aceitar, rejeitar, confundir ou distorcer informação baseada
naquilo que é visto como aceitável ou ameaçador para suas crenças pessoais”.
Como disse, Maria é profess... Ah, deixa pra lá! Não,
não deixa... não! Não me conformo, minha garganta arranha "a tinta e os azulejos"... uma vontade de saber
se ela não se expõe a diferentes pontos de vista. Sei que é difícil, mas
praticar deliberadamente este exercício, penso, deve nos ajudar a moderar
nossas opiniões, a enxergarmos outros horizontes, a nos tornarmos menos
extremos, enfim, a construirmos um pensamento crítico aberto que nos leve a
questionar aquilo que nos disseram desde a infância - ou que nos disseram
quando nos deram a cartilha do partido para decorar. Maria, por favor, seja
cética, mulher! O ceticismo é salutar, Maria!
Mas deixemos Maria com suas teorias conspiratórias, o
FBI, a CIA! Devo deixá-la mesmo? Maria é professora... e uma pesquisa recente apurou
que de cada 3 jovens, 1 acredita que a Terra pode ser plana! O que andará
ensinando Maria???
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