É
provável que a geração funk ou
“nem-nem”, como querem alguns, jamais tenha imaginado que seus pais, em um dia
quente como os que tivemos recentemente, paravam em um bar qualquer e pediam um
copo d’água. O balconista pegava então um copo americano, daqueles produzidos
pela Nadir Figueiredo, colocava-o debaixo da torneira e oferecia ao sedento.
Não se cobrava nada! Matada a sede, dizia-se obrigado.
Hoje,
a água tem grife e vem em garrafas plásticas que, usadas, são descartadas e
emporcalham todo o planeta. Se você leitor for um bom observador, há de notar
que a água oriunda de fontes paulistas, mineiras etc, traz hoje nomes como
Coca-Cola, Nestlé e de outras multinacionais. A Coca-Cola, que envenena seu
organismo com aquele líquido maravilhoso para desentupir canos de pia e
desenferrujar chaves de fenda, está de olho no Aquífero Guarani.
Não
vou entrar no mérito da selvageria capitalista, mas que ela existe, ah, existe.
E isso não ocorre só com a água. O chocolate que você come para mandar sua
ansiedade às favas é produzido por um punhado de empresas que não só destroem o
meio ambiente, mas escravizam crianças em países como a Costa do Marfim e Gana.
A
Nestlé, que produz papinhas de neném e aquelas propagandas de leite em pó com
famílias felizes como as de margarina (outra droga que lhe enfiam goela
abaixo), no mercado da água, estima-se que sozinha lucra 26 bilhões com a venda
de água mineral.
Ai
vem a pergunta: a água é um direito humano ou deve ser propriedade de um grande
negócio, diga-se, especializado em rapinagem?
A Nestlé tem a resposta na
ponta da língua. O manda chuva da empresa, Peter Brabeck, gravou um vídeo há
tempos em que era bastante duro com os movimentos e pessoas que defendem o
consumo de alimentos orgânicos, o equilíbrio do homem e da natureza e o direito
de uma pessoa ter acesso à água. Com a
palavra Brabeck: “A água é, naturalmente, o recurso básico mais importante do
mundo hoje. A questão é se devemos privatizar o suprimento normal de água para
a população. Existem duas opiniões diferentes sobre isso. A primeira opinião,
que eu acho extrema, é representada por ONGs, que dizem que a água é um direito
público. Isso significa que, como ser
humano, você deve ter acesso à água. É uma solução extrema. E a outra
opinião diz que a água é um alimento como outro qualquer. E como qualquer
produto alimentício, ele deve estar no mercado. Pessoalmente, acho melhor dar a
qualquer alimento um valor de mercado...”
Nessa lógica rapace, talvez
o ar deva ser propriedade de grandes empresas. Há pouco rimos às desbragadas
com o episódio do “estocamento de vento”, mas nos esquecemos de considerar a
voracidade dos grandes conglomerados.
Em sua investida contra o
movimento orgânico, o capataz da Nestlé afirmou que depois de 15 anos comendo
alimentos geneticamente modificados, até agora não foi relatado sequer um caso
de doença entre os americanos por comê-los. Não mesmo?! Na sanha pelo vil
metal, Brabeck continua: “Hoje as pessoas acreditam que tudo o que vem da
natureza é bom. Isso representa uma enorme mudança porque até recentemente nós
sempre aprendemos que a natureza pode ser implacável. O homem está agora em
condições de fornecer um equilíbrio à natureza. Mas, apesar disso, julgamos que
tudo o que vem da natureza é bom.”
A declaração é perturbadora,
mas a ganância explica. Tome-se a Vale como exemplo, as tragédias de Mariana e
Brumadinho: a vida e os rios foram mortos, mas garantiu-se o lucro.
Finalizar como? A meu ver,
de duas maneiras: de um lado, concluindo que o Sr. Peter Brabeck é um ser
radioativo, perigoso; de outro, boicotando as marcas que ele representa. Acho
que já é um bom começo. E, para resistir, lembremo-nos da fala do cacique de
Seattle, que mencionei semana passada:
“Como é que se pode comprar ou vender o céu, o calor da terra?
Essa ideia nos parece estranha. Se não possuímos o frescor do ar e o brilho da
água, como é possível comprá-los? Cada pedaço desta terra é sagrado para o meu
povo. Cada ramo brilhante de um pinheiro, cada punhado de areia das praias, a
penumbra da floresta densa, cada clareira e inseto a zumbir são sagrados na memória
e experiência do meu povo.”
Temos muito o que aprender: a começar pela perda de nossa arrogância.
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