Revista Philomatica

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2019

Brumadinho: tragédia e teatro


Há exatos sete dias Brumadinho começou a viver sua semana mais trágica com o rompimento da barragem da Mina do Feijão. Isso não é novidade para ninguém, afinal, o povo se indignou e se indigna – mas só o povo. Centenas de pessoas mortas e desaparecidas. Não só a vida humana se perdeu na lama, mas também a vida animal. Dos animais que sobreviveram presos à terra molhada, pastosa e envenenada, poderíamos dizer que tiveram melhor sorte, porém, tudo foi momentâneo, a mão humana amiga interveio e ceifou-lhes a vida com alguns balaços disparados por fuzis da polícia, dando fim a sua já breve existência. Na mata atlântica, nos rios, o estragos é incomensurável. Eis a tragédia!
Agora o teatro: a tragédia acima, escrita pela corrupção e inépcia do poder público, a ganância do poder privado, e a indiferença das agências fiscalizadoras e do poder judiciário, hoje serve de pasto para grupelhos levantarem suas bandeiras e se apropriarem da dor e do sofrimento de estratos da população, usados como manobra na vergonhosa guerrinha político-ideológica.
Hoje, um site de notícias trouxe a seguinte manchete: “‘Homem branco fez terra vomitar’, diz líder de aldeia em Brumadinho”. Ao ler, transportei-me para aqueles filmes do velho oeste, tamanha a naturalidade expressa pela reportagem. Talvez, por isso, misturei sioux com tupinambá e ouvi um “mim não quer colar/ índio quer apito”. A dita reportagem diz que a aldeia indígena Naô Xohã estabeleceu-se às margens do Rio Paraopeba há pouco menos de dois anos. Questiono as profundidades das raízes que os cinquenta membros das etnias pataxó e pataxó hã-hã-hãe criaram nas terras recém ocupadas, que sequer são em Brumadinho, mas em São Joaquim de Bicas.
Se a reportagem pretendia mostrar a tragédia dos pataxós, o pouco ali escrito não chega a drama, é um arremedo de nada, mostra-se um teatro montado ao gosto do jornalista, que tem como coadjuvante a esposa do Hayô (o líder do grupo, que já descaracterizado, não se vê como cacique), a sra. Célia Angohoró. Sem qualquer ironia, ouço o sonoro Angohoró e processo o irresistível borogodó, algo que a ativista (assim a nomeia o jornalista) deve ter e mostrar, afinal, nessas ocasiões, para convencer, “líder” e “ativista” surgem paramentados para sessões fotográficas.
Mas a culpa não é do índio, o índio é a vítima. O índio precisa de respeito, não “jornalistas” que o façam objeto de suas causas e reportagens, esta, aliás, bastante infausta. Por isso, em defesa do índio e, quiçá, da conscientização do homem branco, ainda perdura como documento insigne a carta do cacique de Seattle, escrita em 1859 e endereçada ao presidente dos Estados Unidos, Francis Pearce, cuja frase “O que ocorrer com a terra recaíra sobre os filhos da terra. O homem não tramou o tecido da vida; ele é simplesmente um de seus fios. Tudo o que fizer ao tecido, fará a si mesmo.”

Imagem: Adriano Machado/Reuters


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