Revista Philomatica

sexta-feira, 2 de agosto de 2019

Lições da África


Aos olhos dos países ricos europeus, Estados Unidos e Canadá, a África, a despeito de todos os beneméritos discursos dos líderes ocidentais, continua sendo vista com descaso, lugar fugidio de tribos e povos incultos, selvagens, pouco afeitos à inventividade coletiva e ao talento individual; a este, quando valorizado, atribui-se algum destaque em razão de seu caráter exótico. Não que os europeus não tenham visto - e vejam - a nós, brasileiros, da mesma forma. Ocorre que nós, quer queiram ou não, do alto de nosso espírito de colonizado, arrogantes, reputamo-nos colonizadores e sempre olhamos para a África a partir do olhar europeu, nunca fomos lá fuçar e tentar entender a África a partir de seus filhos.
Prova disso são as centenas de dissertações e teses defendidas nas universidades públicas brasileiras, cujo teor são as relações culturais, as literaturas africanas e as literaturas pós-colonialistas; seus autores, na maioria das vezes, não se deslocam para Angola, Moçambique, Cabo Verde etc., mas sim, vão a Lisboa, Coimbra, Paris... - é sempre mais prazeroso estudar os povos africanos à margem do Sena. Desse modo, em parte perpetuamos a ideia de uma África atrasada, longínqua e inacessível. Não generalizo, é claro, mas parte do que tenho visto hoje são produções pautadas por certo equívoco, resultado de pouca leitura e super valorizando as questões raciais como parâmetro para a criatividade, o talento, a aptidão e a capacidade. Dito isto, penso em qual seria a cor da literatura ou das literaturas. É claro que as literaturas refletem seus meios e a manufatura de um autor africano ou descendente terá traços e marcas próprias do seu espaço, das suas histórias e de seus traumas, enfim, da saga do povo africano. Mas é preciso reconhecer, é isso é polêmico, que muitos que se arvoram por esses estudos o fazem superficialmente, uma vez que os olhares - como disse - foram intermediados.
Mas deixemos os estudos literários de lado e tomemos o bonde das notícias. Vejam como o pensamento na Etiópia está a anos luz à frente do brasileiro: aqui, o governo defende abertamente o desmatamento das florestas e o sucateamento dos parques nacionais, empenhando-se em uma política retrógada que, se revertida, demorará décadas, oxalá século, para que a natureza e fauna se refaçam – o que não acredito, dada a ânsia de saúva que nos tomou a todos. Explico-me: nós, brasileiros, (generalizo, embora deva respeitar uns poucos que navegam contra a maré, pois é fato que a maioria ainda não se deu conta de que é um hospedeiro consumindo seu organismo - o planeta – de tão forma avassaladora cujo fim não é outro senão a morte de ambos) ainda não sabemos conviver com outras formas de vida, derriçamos tudo, flora, fauna, enfim, praticamos a política da terra arrasada.
Lá, na Etiópia, o governo adquiriu nova consciência em relação ao meio-ambiente, o que faz com que nos envergonhemos das notícias por nós produzidas nos últimos anos. Lá, na Etiópia, o governo está empenhado no reflorestamento do país. Estranho, não!? É possível que as boas ideias tenham aparecido lentamente, mas como nunca é tarde, a Etiópia propôs-se a plantar 4 bilhões de árvores para preservar seus recursos naturais e combater as mudanças climáticas. Também é possível que os etíopes tenham se dado conta disso às custas de muito sofrimento: quem não se lembra da Carestia de 1983-1985, na Etiópia? Essa fome em massa que exterminou 400.000 etíopes e impulsionou o concerto Liv-Aid, elevando a fome a status internacional e garantindo algum recurso aos etíopes. À época, se alguns acharam a ideia maravilhosa, outros discordaram, haja vista o acadêmico Alex de Waal ter afirmado que “a ajuda humanitária prolongou a fome, e com ela, o sofrimento humano”, talvez porque, ele próprio, jamais tenha sentido o estômago preso às costas.
Mas hoje os etíopes estão enxergando para além dos umbrais de suas portas. Na segunda-feira passada, segundo notícias da agência AFP, o governo dispensou os funcionários e organizou um esforço coletivo junto aos cidadãos para que pudessem plantar árvores, motivando assim o restante do país a fazer o mesmo. [Interrompa sua leitura, caro leitor, e compare as ações dos etíopes aos discursos e o não fazer nada dos brasileiros. Quanto aos europeus, estes são sensíveis à causa, mas plantam pouco ou coisa nenhuma!]
Feito isso, continue.
Depois de o governo etíope ter afirmado que cerca de 350 milhões de mudas de árvores foram plantadas, o porta-voz do primeiro ministro Abiy Ahmed afirmou: “Demonstramos a capacidade de as pessoas se unirem coletivamente.” De quebra, ressaltou que a campanha cujo objetivo é reflorestar áreas desmatadas ao longo das últimas décadas surgiu como uma boa oportunidade de solidarização entre os cidadãos, qual seja, plantar árvores tornou-se instrumento humanitário, algo que talvez seja óbvio para os indígenas, povos que têm por hábito o respeito à natureza e estão aqui por perto, mas tão perto, que os ignorarmos - e os matamos.
Por fim, se para os etíopes o desmatamento tornou-se um problema muito sério, para os brasileiros a consciência de que desmatar é algo nocivo à natureza está longe de se tornar uma questão quotidiana, haja vista o INPE ter anunciado hoje um aumento de 40% no desmatamento da Amazônia. É claro, há gente que desmereça o INPE, afinal...
Para concluir: a África é a mãe de muitas outras lições que o tempo e o espaço não me permitem retomá-las.



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