Roda, roda, roda
Pé, pé, pé
Roda, roda, roda,
Caranguejo peixe é
O padre, cuja retórica era arrimo para uma multidão de internautas
desesperançados, resolveu tirar a trave dos olhos de seus fiéis seguidores,
mostrar-lhes que a verdade liberta, e não deu outra, rodou! Na fogueira das
vaidades, a hipocrisia que habita as almas girou, girou e padre rodou, rodou.
Condenado sumariamente por um aluvião de hipócritas, não teve como fincar o pé,
desistiu! Abandonou o Twitter. É possível que a roda viva, nas voltas que o
mundo dá, o traga de volta, mas, no momento, para o padre, tudo estancou de
repente.
O padre Fábio de Melo, aventurou-se emitir sua opinião a respeito das
beneméritas saidinhas com as quais são premiados pela justiça brasileira os
filicidas e parricidas. Como é senso comum que nem sempre a justiça se ocupa da
justiça, acredito que o padre tenha se sentido à vontade ao se expressar via
Twitter e deu no que deu. Internautas moralmente corretos, éticos, virtuosos,
honestos e escrupulosos apontaram o dedo para o padre, condenando-o por sua
falta de cristandade, afinal, se Jesus perdoou um ladrão segundos antes de seu
último suspiro, por que o padre faria diferente? Com mil raios! O padre não é
filho de Deus? Por que não perdoar um pai que espancou e depois atirou a filha
de cinco anos do sexto andar do prédio em que morava? A menina, claro, índole
difícil, não devia ser alguém com quem fosse fácil conviver, e o pai, pobre
pai, tomado pela pressão do dia a dia, certamente agiu em legítima defesa. O
resto, bem, o resto foi tudo intriga e armação da promotoria, razão pela qual
continua, injustamente encarcerado.
Vale lembrar que do episódio até nossos dias rodaram-se apenas 11 anos,
mas a memória, fraca, fez com que a turba se esquecesse de que, à época,
tentara ela mesma fazer “justiça” com suas próprias mãos, ignorando os preceitos
que agora cobra do padre. Este, por sua vez, afirmou: “Este lugar [a
internet, o Twitter] deixou de ser saudável pra mim”; isto, depois de expor sua
opinião e ter sido chamado de ‘justiceiro, canalha, desinformado, desonesto’
e otras cositas impublicáveis.
O padre, conhecido por suas tiradas bem humoradas não se deu conta de
que muitos dos seus sete milhões de seguidores, obtusos, só enxergam aquilo que
querem enxergar. É perda de tempo mostrar, provar, argumentar... Parte desses
fiéis - ignorou o padre - só é ética se tiver a certeza de que uma câmera paira
sobre suas cabeças como um onipresente anjo alado, caso contrário, subtrai,
surripia, rouba e trai, mostrando-se moralmente correta e altruísta.
Ora, é
sabido que as redes sociais é o espaço do fingido, do hipócrita, do mentiroso,
do desleal, do enganoso, do errado, do ilegal, do falso, do fraudulento, do
pérfido, do traiçoeiro, do fariseu, enfim, é
por esta fogueira de vaidades que o padre se deixou levar ao imaginar uma Ágora
a sua conta do Twitter, lugar em que pudesse dialogar com as diferenças e
estabelecer alguma dialética com certa natureza de seguidores que só povoa as
redes sociais porque divide as características que mencionei acima. Estes,
hipócritas, travestem-se de juízes dignos e impolutos, pessoas moralmente
íntegras, e, irrepreensíveis, “enfiam suas violas no saco” ou “enrolaram o rabo
e sentam em cima” - como dizia minha sagrada nonna - sempre
que algo é do seu interesse.
O
padre, não se dando conta disso, reuniu-se com improváveis, achou que tudo
fosse uma brincadeira de meninos, esquecendo de que mesmo a cantiga, serve-nos
de aviso, afinal, caranguejo só é peixe na enchente da maré. Trocando em
miúdos, só quando você fala aquilo que ele quer ouvir.
Publicado originalmente em https://www.z1portal.com.br/o-padre-fabio-de-melo-e-a-ciranda/
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