Revista Philomatica

segunda-feira, 4 de novembro de 2019

Sexo lésbico, suruba e diversão: a estreia de Geyse Arruda na literatura



Há quem diga que coincidências não acontecem - e eu acredito - mas há momentos em que o universo parecer conspirar e aí você fica sem saber o que dizer, algo como a dinâmica da natureza explicada pela ciência, que os metafísicos insistem em atribuir ao criacionismo. Em busca do carro das ideias, dei de olhos com notícias sobre o lançamento do livro de Geyse Arruda. Sim, aquela moça que esqueceu a calcinha na gaveta e foi ovacionada ou assediada pelos colegas estudantes em uma universidade na cidade de São Paulo.
Há tempos escrevi sobre uma autora que passou dias trancada em uma jaula depositada em uma livraria, na tentativa de chamar a atenção do público e da imprensa para o livro que acabara de publicar. Não sei se a peça de marketing surtiu efeito, haja vista nem me lembrar do nome da literata. No caso de Geyse, o marketing é mais agressivo. O Prazer da vingança, da autora, é anunciado não com a foto de capa, mas com a foto da bunda da “escritora”. As aspas indicam alguma ironia, mas não é culpa minha, afinal, em meio aos contos eróticos, o leitor leva de brinde muitas fotos da bunda e peitos da “intelectual”.
No Instagram sim há a foto da capa e para ser coerente nela também Geyse exibe seu avantajado derrière. Como disse, o marketing é ousado, de modo que a autora alerta o leitor: “Vai começar a putaria boa...Vocês pediram e eu vou liberar meus contos eróticos: Serão mais de 100 páginas de histórias com fotos exclusivas feitas por mim em um Motel Suite Sadô, para ilustrar cada conto. Teremos spoiler: contos de masturbação, sexo virtual, sexo lésbico, suruba, inversão, shibari, Cuckold “Corno Manso” e muitoooo mais...”.
Haja vista desconhecer o que seja “shibari” e “Cuckhold Corno Manso”, penso que a obra não é de se jogar fora e traz algo didático. Instrutiva ou não, Geyse conseguiu o sucesso que muitos outros autores jamais conseguiram ou conseguirão, isto é, que a grande imprensa divulgue, em diferentes espaços, o seu trabalho. Dizer o quê? Azar o deles e delas que talvez tenham mais cérebro do que bunda!
O sucesso deve ser retumbante, dado os comentários dos internautas. Vá lá, seguem alguns: “Vai fluir”, “Sexy”, “Ancioso” (sic), “Aí sim enh... adoro vc”, “Temas interessantes e eu já escrevi algo assim também...”, “Só compro se tiver os contos eróticos da faculdade.” – e por aí vai. Há também os solidários, que sugerem títulos, como este internauta: “Um título interessante seria "50 tons de rosa". Nota-se pelos pitacos um leitorado contumaz, quiçá leitores semióticos.
Em resposta à ala conservadora, há internautas que se revoltam contra o país e sua hipocrisia: “Brasil, o país mais careta, arcaico, conservador hipócrita que pode existir. Deve ser por influência da Igreja Católica, apesar de achar que o Papa atual é menos conservador que nossa sociedade hipócrita. Sociedade que condena tudo em público e faz mais orgias do que os liberais na sua mente ou até nas escondidas. Parabéns Geisy, apesar desses que tem (sic) medo de sexo, eles serão os principais leitores de sua obra de arte. Continuem no eterno papai-mamãe, é bom também.” Está valendo! (Ah! O destaque ao “obra de arte” é de minha autoria.)
Como tratei das coincidências, volto a uma obra sem surubas, shitakis, sushis ou sashimis: Boêmios, de Dan Franck, em que o autor olha para a Paris do início do século XX revelando o quotidiano de figuras como Picasso, Alfred Jarry, Modigliani, Braque, Matisse, Breton, Max Jacob, Apollinaire, Aragon e tantos outros que não mostraram a bunda, mas, extravagantes, “organizavam festas inusitadas, puxavam o revólver e provocavam o burguês de mil maneiras”.
A quarta capa do livro de Franck traz o seguinte entrecho: “A obra está além dos problemas da ordem e dos costumes. Antes de qualquer outra coisa, o artista produz obras de arte. Picasso pode se vestir como quiser. Alfred Jarry pode puxar a arma tantas vezes quanto desejar (e ele o fez), Breton e Aragon podem ameaçar aqueles que desprezam, todas essas bravatas pouco significam se comparadas aos caminhos que eles traçaram. A arte moderna nasceu das mãos desses sublimes provocadores. De 1900 a 1930, eles não se contentaram apenas em levar essa vida de artistas que os tornou detestáveis para alguns e que muitos outros invejaram: acima de tudo, eles inventaram a linguagem do século.”
Eis porque não se deve julgar, odiar ou invejar Geyse ou Anitta. Nesse começo de século XXI elas estão a inventar uma nova linguagem em que a bunda fala, escreve e canta, coisa que nem Jarry, Picasso ou Modiagliani conseguiram. E isso, leitor, convenhamos, não é pouca coisa!

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