Revista Philomatica

sábado, 11 de janeiro de 2020

Textos que ninguém lê


A semana revelou mais um pouco da perversidade humana. O revelar-se recai em pura redundância, uma vez que até o mais obtuso dos humanos conhece a si próprio e aqueles que o rodeiam, portanto, sabe de que barro é feito e não ignora que em meio algumas pitadas de ética, bondade e retidão, a grosso modo, o que dá consistência à matéria são ingredientes à disposição em qualquer prateleira da esquina: hipocrisia, vilania, ganância, violência, covardia, estupidez e muito mais. A diferença entre esses itens e qualquer outro produto é a disponibilidade do cidadão em prová-los, principalmente porque por eles não se paga.
Por isso, é só por isso, covardes, violentos e gananciosos são os 41 homens que foram presos por patrocinarem rinhas entre cães em Mairiporã. Dentre eles, destacam-se um veterinário, um médico e um policial. No frigir dos ovos, a balança da justiça pendeu para a injustiça, que aos olhos da lei deve ser perpetrada sempre. Dos 41 espúrios, só um ainda continuava preso - e duvido que continue. O que esperar da humanidade em tempos em que todos se voltam para o nascimento do Cristo e, hipocritamente, pregam a bondade, a nobreza e a retidão de espíritos?
A perversidade dos homens em seu quotidiano ressoa na literatura. Machado de Assis, por exemplo, demonstrou genialidade incomparável ao tratar da essência do espírito humano sob o crivo da ironia. Shakespeare fez das intrigas palacianas o fermento para obras monumentais. Outros, mais contemporâneos, buscam na curiosidade do leitor pelo desconhecido, sua intemperança, seu desespero e suas atribulações o mote de suas obras e com isso se dão muito bem. Dan Brown e Paulo Coelho estão aí a faturar milhões de caraminguás e a encher suas burras!
Mas nem todo mundo lê. É claro, não devemos culpar o leitor, jamais, agindo como agem as facções políticas de nossos dias, que preferem a animosidade ao entendimento. Mas o fato é que não raro o escritor escreve para um leitor ideal, conjecturando que um dia será lido, por isso a premissa de que todo mundo que escreve, escreve para ser lido.
As razões de textos não serem lidos têm suas variantes e, às vezes, isso parte de uma autocrítica. Kurt Wolff em Memórias de um editor conta o périplo de Kafka que, antes de morrer, recomendou a seu amigo Max Bord que destruísse o que escrevera, pois o considerava de baixa qualidade. Felizmente, Max Brod o desobedeceu. Há casos, como de Emily Dickinson, que, reclusa, escrevia em cadernos e cuja obra só veio à luz por causa de amigos.
Dito isso, a caça aos leitores depende de marketing – e Paulo Coelho está aí como prova de que não estou mentindo. Leandro Karnal, Mário Cortella e Mark Manson com seu A sutil arte de ligar o foda-se, entre tantos outros, também estão aí para trazer respostas rápidas a problemas incômodos.
Não vou entrar na questão da literatura de massa, a despeito de as subcelebridades em suas redes sociais recomendarem o foda-se; penso em Kafka, não porque eu seja um leitor melhor que os outros, mas porque procuro algo que me fale ao espírito e não somente às partes baixas – sejam elas intelectuais ou físicas. No mais, reflito no porquê de ninguém lerem meus textos e eu insistir em escrevê-los a mim mesmo: li que textos na internet devem ser curtos, cheios de espaços, fotos, insistir nas palavras-chave que os sistemas lembrem quotidianamente e, o mais importante, devem ser curtos, bem curtos, sempre curtos. Curtíssimos.
Portanto, já passei da medida. As intersecções entre a vilania do homem, sua representação na ficção e o fato de ninguém querer ler textos que a elas se referem, se não ficou claro, definitivamente não leia Lukács ou Auerbach, mas veja TV ou leia qualquer livro que traga a palavra foda-se ou merda na capa, e isso por três razões: subcelebridades como Marília Mendonça e Juliana Paes os recomendam, editores dizem que são irreverentes e, o mais importante, a vida sob a máscara da ignorância é muito mais bela.
Portanto, se chegou até aqui leitor, considere-se “o cara”, pois terá sido um dos poucos ou quem sabe o único a ler essas garatujas. Sendo assim, recomendo A morte de Ivan Ilitch, de Tólstoi, ou Almas mortas, de Gógol.



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