
Ocorre
que Eva Todor partiu em 10/12/2017. As redes sociais têm dessas coisas. Ali,
sem qualquer risco que traz as generalizações, ninguém lê. Quando lê, lê as
manchetes, pouco se importando se a notícia é de hoje, ontem ou será a de
amanhã. O que interessa é repassar o que tomam por uma notícia quente e
fresquinha, com todo o oximoro de direito. Não é preciso dizer que o grosso
dessa lama toda são as chamadas fake news,
anglicismo desnecessário diante das nossas notícias falsas, calúnias e fofocas.
Também não é preciso dizer que no caso das notícias falsas, elas só são
propaladas porque interessam às forças envolvidas no exercício da defesa de suas
cabalas. Sabem como é, o ditado popular é impiedoso, nada resiste ao “onde há
fumaça há fogo”, e, nesse ponto, o adágio assemelha-se às notícias divulgadas
na internet, razão pela qual a expressão “cair na rede” equivale à marca de
ferro quente no dorso do gado ovelha.
Diante
do nada a partir do qual se produziram as notícias da semana, sobraram-me me os
livros. Corro os olhos pela estante e Aqueles
que queimam livros, de George Steiner, salta-me aos olhos. Cético e
pessimista, Steiner é um daqueles humanistas que questionam a contradição entre
a riqueza da cultura e do pensamento ocidental e sua capacidade de produzir
genocídios que assustariam até mesmo o mais ingênuo dos neandertais. Não por
outra razão, diante da incredulidade, Steiner começa seu livro com a afirmação:
“Aqueles que queimam livros, que banem e
matam os poetas, sabem o que fazem. O poder indeterminado dos livros é
incalculável.”
Contudo,
ao ressaltar o caráter dialético do livro, Steiner traz um sopro otimista ao afirmar
que “precisamente porque o mesmo livro e a mesma página podem ter efeitos
totalmente díspares sobre diferentes leitores”, cabe aos lúcidos a tarefa do
convencimento, já que nem a hermenêutica e nem a psicologia podem prever os
estragos que uma obra mal lida pode causar. Não por outra razão muito da
barbárie conhecida foi gerada no seio da alta cultura por homens letrados e
intelectuais que sistematizaram o horror e banalizaram a virtude, razão pela
qual o autor sustenta que “na experiência humana, não há fenomenologia mais
complexa do que aquela dos encontros entre o texto e percepção, ou, como
observa Dante, entre as formas da linguagem que ultrapassam nosso entendimento
e os níveis de compreensão em relação aos quais nossa linguagem é
insuficiente”.
Por
isso, se o livro e a literatura, por mais singelos que sejam, são a chama ínfima
que ilumina o espírito perdido na escuridão da ignorância e do fanatismo,
também pode ser a flâmula que alimenta o obscurantismo, tal a hibridez das
ideias que o objeto livro pode abrigar. Mas nem por isso devemos nos desanimar,
sobretudo diante do muito que tem sido produzido em nossos dias - falo das
obras efêmeras e oportunistas que, segundo Steiner, são de apelo fácil à
violência, à intolerância, à agressão social e política -, pois, acreditem, o
autor, otimista, afirma que os “livros são a chave de acesso para nos tornamos
melhores”; diante de tal afirmativa, é claro, não se pode esquecer o leitor,
este ser repleto de ilusões e desilusões, esperanças, desesperanças e
expectativas. Se a obra pode suscitar o mal, também pode ser paliativo ao
espírito e afugentar o mal: quem não se lembra de Primo Levi, que recitava
Dante a seu amigo Pikolo, em Auschwitz?
O
poder da leitura é inquestionável e os livros com suas alegorias e metáforas desconstroem
clichês e preconceitos, provocam discussões e nos elevam o espírito, até mesmo
diante do real que, ficcionalizado, ressuscitou Eva Todor, só para matá-la uma
vez mais e entristecer internautas incautos. Que venha 2021, quando então
poderemos prantear o novo luto de Eva Todor. E há incrédulos que não creem na
ressurreição do Cristo!
Publicado originalmente em https://www.z1portal.com.br/a-ressurreicao-e-morte-de-eva-todor/
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