Revista Philomatica

sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

Língua viva

É sabido que a língua, a exemplo de um ser vivo, tem lá suas transformações. Nós, os humanos - satirizam, nascemos, crescemos, passamos por um momento de total confusão mental (nem todos!), nos casamos, procriamos e morremos. O ciclo da vida: começo, meio e fim. Pois bem, com as línguas dá-se o mesmo. Os hieróglifos egípcios estão aí como prova: desvendou-se seus significados, porém, a oralidade (a fonética) foi totalmente perdida, além do que, se você me trouxer um habitante qualquer que se comunique usando os tais hieróglifos, retiro tudo o que disse. O latim, idioma internacional no século XVII, hoje, está restrito a pequenos grupos que o falam mais por pura nostalgia que necessidade. Os motivos das mudanças são vários. A dinâmica segue a lógica inexorável do atual processo de globalização mundial, o que, naturalmente, traz suas implicações culturais. A homogeneização de mercados financeiros e a livre circulação de capitais, inclui-se aí, a estabilidade das moedas, tem seu correspondente cultural: padrões e comportamentos culturais se equalizam e a longo prazo, diferenças flagrantes que marcam determinadas culturais, passam a ser vistas como exóticas, mantidas apenas como parte da historicidade cultural, do folclore. Certo é que o exemplo não se ajusta tão bem, mas veja-se o caso dos índios pataxós, na Bahia. Hoje, tiveram sua área indígena demarcada pela FUNAI e tentam recriar os ritos de seus ancestrais, contudo, o que se vê, é um grupo de baianos desinibidamente cantando canções do grupo Ciclete com Banana, dançando a dança do tchan e outras cositas mais. Vi em um noticiário, uma adolescente da tribo que simplesmente desconhecia polvilho de araruta, diga-se, tubérculo que fazia parte da ração diária de seus antepassados. Mas revenons-en à nos moutons (o francês tem essa expressão para quando, numa conversa, a prosa toma outro rumo, aí, para voltar ao assunto anterior, é preciso voltar aos carneirinhos). Pois bem, o fato é que línguas ficam soberanas por determinados períodos da história, a exemplo do latim já comentado aqui, e depois deixam de existir como comunicação com a ruína desses impérios ou sobrevivem através de uma transformação, um esfacelamento, como o que ocorreu com as línguas neolatinas que, originaram, entre outras, o português nosso de cada dia. Hoje, parece, não mais é necessária a ruína de impérios, o mercado dita a regra: a globalização financeira e da tecnologia, dos meios eletrônicos e da comunicação, criam jargões específicos que poderão, creiam, ser usados por qualquer pataxó - deletar, orkut, facebook, you tube, twitter, spam... Mesmo as resistências ideológicas sucumbem à fidelidade de mercado. Mas tudo isso foi pra falar de algo que ocorre em círculos mais estreitos e que, de certa maneira, é resultado desse enorme turbilhão em que vivemos. Ontem, num ônibus ouvi o seguinte diálogo: __ E aí véi? ___Oh, mano, maió nóia onti. ___ E a mina lá? ___ Se sabe. Tá ligado, bati o maió Kaô na oreia dela (fim do diálogo). Me perguntei: que língua estão falando? Fiquei sem entender se ET eram eles ou eu. Acho que envelheci, assim como envelhecem as palavras. Pra divertir, segue uma lista que recebi com mudanças ocorridas desde os anos 70 até hoje, dias politicamente corretos e não raro, hipócritas:

ANTES e AGORA ; ANTES e AGORA
favela - comunidade ; empregada doméstica - secretária do lar
creme rinse - condicionador ; faxineira - diarista
obrigado - valeu ; É complicado. - É foda.
Vou verificar. - Vou estar verificando. ; collant - body
madureza - supletivo ; rouge - blush
vidro fumê - insufilm ; ancião, coroa - véi
Posso te ligar? - Posso te add? ; tingir uma roupa - customizar
bailinho e discoteca - balada ; dar no pé - vazar
japona - jaqueta ; embrulho - pacote
nos bastidores - making off ; lycra - stretch
cafona - brega ; tristeza - deprê
programa de entrevistas - talk show ; beque - zagueiro
reclame - propaganda ; rádio patrulha - viatura
calça cocota - calça cintura baixa ; atlético - sarado
paquerar, flertar - dar mole ; peituda - siliconada
oi, olá, como vai? - E aê? ; cópia, imitação - genérico
professor de ginástica - personal trainning ; curtir, zoar - causar
quadro negro - lousa ; babosa - aloé vera
Mamãe, posso ir? - Véiaaaaaa, fui! ; lepra - hanseníase
legal, bacana - maneiro, irado ; Ave Maria! - Affff!!!!
mulher de vida fácil - garota de programa ; caramba - caraca
legal o negócio - xapado o bagúio ; namoro - pegação
pasta de dente - creme dental ; laquê - spray
cansaço - stresse ; De montão! - Pra carai!
desculpe - foi mal ; derrame - AVC
Oi, tudo bem? - E aê, belê? ; chapa dos pulmões - raio-x do tórax
ficou chateada - ficou bolada ; médico de senhoras - ginéco
Sua benção, papai. - Qualé, coroa! ; superlegal - irado
Você tem certeza? - Fala sério aê! ; banha - gorgura localizada
primário e ginásio - ensino fundamental ; casa de fundo - edícula
preste atenção - se liga na bagaça ; bar no fim do expediente - happy hour
por favor - quebra essa ; costureiro - estilista
recreio - intervalo ; negro - afro-descendente
radinho de pilhas - ipod ; professora - tia, prof
manequim - modelo atriz ; aquele senhor - aquele tiozinho
retrato - foto ; Bela bunda! - Que popozão!
jardineira - macacão ; Amorrrrrrr!!!! - Bennhhêêêêê!!!!!
mentira - kaô ; saquei - tô ligado
Olha o barulho! - Ó o auê aí ó! ; Entendeu? - Copiou?
folhinha - calendário ; gafe - mico
fofoca - babado ; ha ha ha !!! - uhauuuuuuuuuuuu!
fotocópia - xerox ; bola ao cesto - basquete
brilho labial - gloss

E por aí vai.....

Foto: Página de livro antigo em latim - Google Images; SPQR é um acrônimo para a frase latina Senatus Populusque Romanus. A tradução é "O Senado e o Povo Romano".


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