Revista Philomatica

quinta-feira, 3 de março de 2011

O Brasil Pitoresco, de Charles Ribeyrolles e a Exposição Retratos do Império e do Exílio

Nem só de letras vive o homem, mas de toda imagem que lhe atravessa os olhos. Era assim com Machado de Assis: nas crônicas "Ao Acaso", que escreveu regularmente no Diário do Rio de Janeiro entre os anos de 1864 e 1867, estão vários indícios da atração que lhe exercia a fotografia, sua história e os pioneiros dessa arte em terras tupiniquins.
Em 7/8/1864 o cronista relembra certo padre de nome Combes, que aportou no Rio de Janeiro em uma corveta francesa, L'Orientale, em janeiro de 1840, trazendo consigo uma máquina fotográfica. O padre, segundo o cronista, dirigiu-se para a hospedaria Pharoux e, na manhã do dia seguinte, 16 de janeiro, reproduziu três vistas - o Largo do Paço, a praça do mercado e o mosteiro São Bento. Três dias depois, a convite do Imperador, Combes repetiria sua experiência em São Cristovão. Talvez estes registros estejam entre os primeiros feitos na capital.
Pouco mais de duas décadas e a novidade do padre Combes já havia produzido mais de trinta casas especializadas em fotografia. A casa do Pachedo é descrita pelo cronista como a mais luxuosa da capital. Lá, diz ele, pode-se admirar a perfeição dos trabalhos e os rostos mais belos do Rio de Janeiro. Um mês depois, Machado cita Pôrto-Alegre que, referindo-se ao Pachedo afirma que "êle estava ficando um dos primeiros fotógrafos do mundo e que os seus trabalhos podiam competir com os melhores de Paris e de Berlim".
Anos antes, talvez tenha sido também por meio de um fotógrafo francês, Victor Frond, um antibonapartista radicado no Rio de Janeiro, com atelier à rua da Assembléia, 34, que Machado conheceu Charles Ribeyrolles. Frond, há meses tivera a ideia de publicar um livro chamado O Brasil pitoresco, edição bilingue financiada por meio de assinaturas e subscrições. Nos anúncios que publicara nos jornais, prometia trazer da Europa o material e o pessoal necessários para a confecção da obra. Para tanto, comprometia-se em viajar para a Europa especialmente para contratá-los e trazê-los. Porém, a viagem jamais se realizaria, pois fora impedido em razão da perseguição que lhe moveu o Chevalier de Saint-Georges, encarregado dos negócios da França no Brasil e representante de Bonaparte.
O fato é que em 7 de julho desembarcava no Rio de Janeiro, Charles Ribeyrolles, que estivera exilado em Guernesey, com Victor Hugo, e depois se transferira para Londres, onde enfrentava grandes dificuldades. Embora fosse pouco conhecido no Brasil, Ribeyrolles já havia publicado alguns livros, dentre eles, Le Sorcier de Rocamadour e Les Compagnons de la Mort. Em Londres havia publicado o panfleto Bagnes d'Afrique, talvez relato do período em que fora condenado a uma pena de prisão na África, razão pela qual seria imortalizado por Victor Hugo no poema "Pauline Roland", do livro Châtiments, coleção de poemas contra Napoleão, publicado na Bélgica, em 1853: "Bagnes d'Afrique! enfers qu'a sondé Ribeyrolles!".
O fato é que Machado se uniria ao grupo responsável pela tradução de Le Brésil Pittoresque, de Charles Ribeyrolles. Desse grupo fizeram parte Manuel Antônio de Almeida, Machado de Assis, Remígio de Sena Pereira, Francisco Ramos Paz e Reinaldo Franco Montoro. Não se sabe exatamente quem traduziu o que, o resultado, contudo, é uma tradução sofrível e com erros históricos.
Para Machado, a experiência talvez tenha sido decisiva por dois motivos: primeiro, porque o contato com o grupo moldou sua mentalidade liberal; depois, porque seus sentimentos monarquistas talvez tenham se consolidado em razão do contato com o escritor francês, que não era nada hostil à monaquia brasileira e ao Imperador, para isso basta ler em Brasil pitoresco os elogios a D. Pedro II e à monarquia. Dizia, por exemplo, que no Brasil o pensamento não era embargado e nem suspeitado pela polícia ou pela alfândega. E perguntava, logo respondendo: "Isso por quê? Porque D. Pedro II coloca a majestade não nos privilégios, não na sua pessoa, e sim no caráter e nas ações".
É possível que os sentimentos monárquicos de Machado tenham criado raízes mais profundas à essa época, tanto é que, em 1870, não assina o Manifesto Republicano, como fizeram seus amigos íntimos Quintino Bocaiúva e Salvador de Mendonça.
Machado conheceria ainda um outro fotográfo francês, Marc Ferrez, por quem seria fotografado (Veja-se postagem de 6/4/2010 - Era uma vez... ).
Condecorado Cavaleiro da Ordem da Rosa e elevado ao posto de fotógarfo da Marinha Imperial, Marc Ferrez tivera livre acesso à intimidade da família imperial brasileira. Boa parte dos seus registros feitos então pode ser visto na exposição Retratos do Império e do exílio, que ocupa o Instituto Moreira Salles com 150 fotografias pertencentes ao acervo do príncipe dom João de Orleans e Bragança, curador da mostra ao lado de Sergio Burgi, coordenador de fotografia do IMS.
Compõem a exposição retratos da família imperial brasileira, muitos inéditos (em especial do período do exílio após a proclamação da República), além de importantes imagens associadas a eventos que marcaram o Império, como as comemorações do fim da Guerra do Paraguai e a abolição da escravatura. Os visitantes poderão conferir registros de Marc Ferrez e Revert Henry Klumb, professor de fotografia das princesas Isabel e Leopoldina.
Os dois mantiveram uma relação muito próxima com a família imperial – fotografaram momentos de maior privacidade no interior dos palácios, registrando imagens menos formais, em que os retratados se relacionam com a câmera de uma forma direta e menos mediada pelas exigências do cargo e da vida pública. Também estarão na mostra imagens de Alberto Henschel, Joaquim Insley Pacheco, Luiz Terragno, Otto Hess, entre os diversos fotógrafos atuantes no Brasil que integram o acervo, além de imagens dos fotógrafos retratistas europeus Félix Nadar e John Jabez Edwin Mayall, entre outros.
Agora, é torcer para que a exposição venha para São Paulo.

RETRATOS DO IMPÉRIO E DO EXÍLIO
Quando:de 23/2 a 29/5. De terça a sexta, das 13h às 20h; Sábados, domingos e feriados, das 11h às 20h
Onde: Instituto Moreira Salles – Rio de Janeiro (Rua Marquês de São Vicente, 476, Gávea. Tel.: 0/xx/21/ 3284-7400
Quanto: entrada gratuita

Imagens: 1) Princesa Isabel e conde d'Eu no exílio, castelo d'Eu, Normandia, França, 1919; 2)Família imperial reunida no castelo d'Eu, Normandia, França, 1918. No primeiro plano, da esquerda para direita: d. Maria Francisca, em pé, e d. Elisabeth Dobrzenky de Dobrzenicz, sentada, tendo ao colo d. João Maria; ao seu lado, d. Isabel, futura condessa de Paris, e d. Pedro Gastão, ambos em pé; sentados, conde d'Eu e princesa Isabel, seguidos de d. Pia Maria, em pé, d. Luís, sentado, d. Luís Gastão e d. Pedro Henrique, príncipe do Grão-Pará, ambos em pé; no segundo plano, da esquerda para direita, em pé, estão d. Pedro de Alcântara, d. Antônio e d. Maria Pia, Foto atribuída a P. Gavelle/ Acervo Dom João de Orleans e Bragança, sob a guarda do IMS; 3) Charles Ribeyrolles e 4) Marc Ferrez, em 1870, aos 27 anos.
Nota: dados sobre a exposição extraídos do site http://www.cultura.rj.gov.br/.

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