Nascido na
década de 1950, o conceito de Pop Art
representa mais a atitude do artista em relação ao trabalho, que a obra de arte
em si. O conceito desafiou a tradição ao afirmar que elementos da cultura
popular produzidos em séries seriam equivalentes às Belas Artes, uma vez que o pop remove o material do seu contexto e
isola o objeto e/ou combina-o com outros objetos também populares, para a
contemplação. Algo como botar a Mona Lisa dançando funk em um morro carioca, arrisco. O ecletismo cultural leva ao
delírio os especialistas modernosos e todos replicam o novo à exaustão.
Falo o que
falo só para provocar a militância e a combatividade movidas à Che Guevara,
aquela estampa que vende bonés, camisetas, bolsas, canecas, chaveiros e,
acreditem, acessórios sexuais! Ao comemorar 50 anos da morte de Che, a imprensa
decidiu escarafunchar um pouco desse logo que vende de tudo. Anaïs Dubois, do Le Point, aproveitou sua estadia em
Buenos Aires e visitou Juan Martins Guevara, irmão do logo.
Sorridente, ele a recebeu em um pequeno
apartamento cujas paredes estão repletas de fotos do guerrilheiro. Entre elas,
destaca-se o célebre clique de Alberto Korda, fotógrafo de Fidel Castro, que
foi batizado de ‘guerrilheiro heroico’. E é aí que entra a pop art com sua genialidade: Andy Warhol surrupiou o clichê de Korda
e foi só um pulinho até que Che estampasse propagandas de vodcas, lavanderias e
carros, dando lá sua inestimável ajudazinha à máquina capitalista.
Fizeram
dele, Che, um desconhecido? Que nada! Juan Martim, o irmão, é taxativo ao
dizer: “Eu acho que é a foto que mais se parece com ele. Quando ele ri, sim, há
esse olhar malicioso, é aí que eu reconheço meu irmão Ernesto.” Embora Juan
Martim afirme que seu irmão foi de fato um provocador e não um ‘guerrilheiro
heroico’, não pude ignorar o tal olhar malicioso, vá lá, isto é o mesmo que ir
de Cuba a Nova York, ou vice-versa.
Quando foi
clicado, o Che sério da foto, com um olhar negro e profundo, assistia a um
tributo às vítimas de sabotagem do La
Courbe, navio belga que transportava armas e munições para a ilha, e cujo
trágico destino, é claro, foi imputado ao Tio Sam por Fidel Castro.
Korda estava encarregado, assim como
vários outros fotógrafos, de cobrir o acontecimento. Sobre a prancha do
fotógrafo, vê-se inúmeras outras fotos de Fidel Castro na tribuna, além de Simone
de Beauvoir e Jean-Paul Sartre, presentes ao acontecimento, e para os quais a
revolução cubana tinha um alto significado.
Esta foto romântica não teve muito
sucesso no início; Korda, em uma primeira seleção, separou-a, deixando-a de
lado por um tempo até publicá-la, em 1961, no jornal La Revolution, antes que caísse no esquecimento até a morte de Che,
em 1967. O editor italiano Giangiacomo Feltrinelli, que detém uma cópia do
clichê de Korda, imprime então um milhão de cópias da foto, que vende por cinco
dólares. É o nascimento do mito, lucrativo para muitos, menos para Korda, que
não leva um centavo pelo clique.
Por outro lado, Korda não tinha lá do
que reclamar, afinal, a propriedade intelectual era um conceito burguês que
Cuba só abraçaria em 1997, quando aderiu à Convenção de Berna, portanto, nenhum
problema em socializar a foto.
No entanto,
no final da vida, nos anos 2000, Korda sentiu-se meio incomodado com a campanha
da vodka Smirnoff que usava sua foto. “Como defensor dos ideias pelos quais Che
morreu, não me oponho à reprodução [da foto] por aqueles que desejam propagar
sua memória e a causa da justiça social em todo o mundo, mas sou
categoricamente contra a exploração da imagem do Che para a promoção de produtos
como o álcool, ou qualquer outro produto que denigra sua imagem”, diz Korda. Respeito
o movimento de Korda: afinal, por que criticá-lo por torcer um pouco a corda ao
tentar faturar uns míseros 50.000 dólares?
Afora isso, hora
ou outra a corda estoura: a filha de Korda que, parece-me, não é o engajamento
em pessoa, iniciou uma luta quixotesca contra todos aqueles que usam o clichê
de forma abusiva - e abusivo para ela é tudo -, publicidade ou usos comerciais,
restaurantes, editores e mesmo partidos políticos. É claro que à época não
fazia ideia da extensão dos tentáculos da internet.
Em 2008, uma decisão judicial entre
Diaz-Lopez, a filha, e o Front national,
partido de extrema-direita francês, que lançou mão da foto, provocou
controvérsia entre os profissionais de direitos autorais. Segundo a lei cubana,
a fotografia seria domínio público em 1987, mas a justiça francesa, preferiu
legislar a partir de uma lei da época em que Cuba era ainda colônia espanhola,
afinal, como perder a oportunidade de um pontapé legal em Marine Le Pen?
A canetada satisfez Diaz-Lopez, mas, se para os franceses a foto só
estará em domínio público em 2082, para o resto de todo um mundo mercantil em
que o social é ficção de herói, a despeito da legislação, Che é garantia de dividendos
e de bons produtos!
Publicado originalmente em http://z1portal.com.br/category/miscellanea/
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