Ao
longo da semana, em conversa informal com um amigo, discutíamos sobre a
tolerância generalizada à corrupção, sobretudo casos em que os envolvidos estão
associados a alguma causa social. Teríamos algo como: “rouba, mas faz”, ou
ainda, “o fim justifica os meios”. A prosa, é preciso que eu diga, veio à tona
em razão do suicídio do reitor da Universidade Federal de Santa Catarina, em
Florianópolis. Rimos – acreditem! – com a generalização do crime; culpa, é
claro, de uma carnavalização que só a oralidade permite.
O
assunto é espinhoso, por isso, melhor procurar abrigo na ficção, já que a ideia
é falar de ladrões. Até mesmo os menos afeitos à leitura sabem que o Romantismo
elevou a um outro plano a apologia da subversão, cuja correspondência na
literatura francesa do século XVIII, por exemplo, era o desenvolvimento extremado
das filosofias libertinas e naturalistas. No XIX, portanto, o malfeitor, o gangster, o bandido, o pirata e outros,
tornam-se heróis de uma nova mitologia.
Basta
uma olhadela para a memória trazer de arrasto exemplos pródigos: na Alemanha, o
Karl Morr, de Schiller; na Inglaterra, o corsário de Byron, o Falkland, de
Godwin, o Cleveland, de Walter Scott; nos Estados Unidos, ainda que com certo
desvio, os Indígenas de Fenimore Cooper. A lista continua; é só uma questão de
exílio numa biblioteca qualquer para você descobrir muitos outros.
Entre
essas personagens, algumas obedecem aos seus próprios instintos, a maioria
justifica suas atitudes por meio de considerações de ordem metafísica e/ou moral,
tais nossos “representantes” na classe política, cujo Papa, a crítica,
felizmente não mitifica, mas o chama de “fator”. E, seja qual for o “fator”, na
maioria das vezes o que mais importa observar não é o fato de que ele concorre
a algo, mas sim o poder que tem para desestabilizar o jogo e mover as cartas em
proveito próprio.
Mas
voltemos à ficção: os heróis bandidos acima, todos, irmanavam-se no espírito de
aventura, ao contrário de nossos “políticos bandidos”, cuja especialidade,
parece-me, é nos excluir da aventura, surrupiando-nos o final feliz. No século
XIX, sobretudo entre os anos de 1820-1830, disseminou-se na França a voga das
histórias de ladrões, cujos episódios, quase sempre ingênuos, caíram na graça
de um público popular. Talvez venha daí nosso gosto em amar e idealizar
corruptos, reelegendo-os ad infinitum.
É
sob o signo da literatura popular que Balzac faz sua estreia. Por essa razão,
encontramos em suas obras de juventude criminosos fascinantes, ainda que
sumariamente desenvolvidos. Estes, mesmo que de longe, já nos anunciam o maior
e mais sedutor: Vautrin. Mas não adentremos à análise, falemos antes de um
livrinho escrito por Balzac (1826): Code
des Gens honnêtes.
Nele,
Balzac esboça a fisionomia do mundo dos ladrões, sempre por meio de observações
cínicas, herdadas do Século da Razão, e que serão retomadas por Rastignac,
célebre personagem arrivista. Com a palavra, Balzac:
“Os
ladrões formam uma república, que tem suas leis e costumes; eles não se roubam,
religiosamente prestam seus juramentos... Aprendemos assim a admirar esses ‘homens
raros’, que são ladrões de grande envergadura, esses psicólogos profundos que
sabem mentir com extrema habilidade, prever eventos, julgar o futuro. Esses
perfeitos comediantes podem usar qualquer disfarce e interpretar todos os
papéis; esses seres inspirados igualam-se ‘aos Homeros, aos Aristóteles, ao
autor trágico, ao poeta cômico, graças às virtudes da imaginação, a brilhante,
a divina imaginação’. Acredita-se que,
se ele empregasse para o bem o requinte e a perfeição com as quais faz seus
cúmplices, o ladrão seria um ser extraordinário”
Voilà,
talvez resida aí a razão pela qual grande parte do eleitorado insiste em
incensar bandidos, tomando-os por heróis; isto, até que submerjamos todos nas
águas profundas da corrupção ou que nos tornemos heróis – ou bandidos! Tudo
depende da banda em que você toca!
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P.S.: Qualquer semelhança com
seu candidato é mera coincidência.
Publicado originalmente em http://z1portal.com.br/category/miscellanea/
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