Ana Beatriz
Godói, bom dia! Não a conheço, por isso desculpo-me de antemão o envio desta
carta aberta que, de certo modo, introduz-me no mundo das subcelebridades. Sou
um simples professor, profissão marcada pelo desrespeito e a indiferença de
toda uma sociedade que, hipócrita, não se incomoda em ver o grosso das verbas
públicas serem destinadas a eventos carnavalescos e não à educação.
Mas não se
incomode. Não vim aqui falar mal do palco em que você brilha por 65 minutos,
uma vez ao ano. Poderia, é claro, trazer outros argumentos, fazer comparações, falar
do palco dos professores, local em que permanecem, às vezes, dez, doze horas
por dia e, ainda assim, são ofuscados pela mediocridade, a hipocrisia e a
ignorância de uma sociedade afeita ao espetáculo, ao superficial, e que sequer
sabe bem e direito o que seja de fato cultura.
Não vou falar
disso. Você me chamaria de invejoso, afinal nem mesmo do mundo das “subs” faço
parte. Reitero minhas desculpas por esse palavrório todo. Venho até você em
razão da reportagem que acabo de ler na Folha
de São Paulo[1]. Ali, publicaram
uma foto sua, na qual exibe uma folha de papel que, suponho, seja o Bolhetim de
Ocorrência contra a ativista Luísa Mell.
Vou
começar pelo fim, afinal, seus argumentos primeiros são tão rasteiros e
risíveis, que não valem a pena uma paradinha!
Bem, ao final da reportagem lemos: “Se os animais são respeitados e o material
tem procedência, qual a razão de polemizar? Não podemos admitir esse
radicalismo. Estamos falando de cultura, de povos e de tradições. Não podemos
deixar tudo isso para trás por conta do radicalismo e da opinião de
subcelebridades.”
Ora,
Godoizinha, sejamos honestos, espero que tenha sido seu advogado o autor do
texto, caso contrário, lamento dizer que o que você exibiu em penas, faltou-lhe
em neurônios e sinapses. Acho mesmo que a razão de você ter se irritado com
Luísa Mell foi ela ter tocado em seu ponto nevrálgico, qual seja, a estampa.
Considerando o que disse, despida das penas e retirada a maquiagem, pouco sobra
além dos pífios argumentos que acredita sustentar sua ação judicial. Mas não
desanime, é bastante provável que um magistrado compre sua causa, afinal,
estamos no Brasil, onde a justiça é de fato cega e condena o menino por ter
furtado uma bala, mas liberta o homem por ter roubado milhões.
Vamos
lá, Godoizinha, minha passista celebridade (você não me deixou outra
alternativa!), vejamos o que você disse:
1)
“Se os animais são respeitados”: Go, em que planeta você vive, no Planeta de
Vila Maria? Onde você ouviu que os animais são respeitados? Isso é o sinal mais
evidente de estupidez, Go. Dissesse talvez que acreditava serem os animais
respeitados, assim você sairia pela tangente. Mas afirmar, quando o óbvio está
à vista? Sugiro que use seu celularzinho, vá ao Google, e procure por
‘maus-tratos aos animais’.
2)
“o material tem procedência”: isso é de um prosaísmo que incomoda, Go! É óbvia
a procedência. As penas que lhe deram o efêmero appeal eram a proteção, a pele de aves que foram torturadas, são o
resultado de dor e sofrimento de animais indefesos! Imagine você como destaque,
algo meio Wolverine, em que suas unhas tivessem que ser que ser removidas a
sangue frio e trocadas por garras. Você poderia até se submeter ao martírio em
proveito do espetáculo e do bem da escola, “da cultura, de povos e de
tradições”, como você afirma. Mas veja, você tem o direito de escolha, as aves,
os animais, NÃO!
3)
“Não podemos admitir esse radicalismo.”: de qual radicalismo você fala? Até
onde eu sei, a luta de Luísa Mell excede os 65 minutos. É diária, contínua! Trata-se
de uma causa! Você acompanhou a polêmica relacionada à crueldade do transporte
de bois vivos? Nâo? Mell estava lá, enquanto você sambava no pátio da escola! E
você me vem com radicalismo?! Curioso, pergunto-me de qual cartilha retirou a
palavra. É comum ressentidos, na falta de conhecimento, apelarem às cartilhas
das ideologias de bolso, de lá extraírem palavras e frases e vomitarem à esmo,
sem qualquer constrangimento. Na maioria das vezes, a técnica é acusar o outro
daquilo que se é e se professa.
4)
“Estamos falando de cultura, de povos e de tradições.”: cultura, povos,
tradições? Ah, Godoizinha! Você é um sapiens!
Por que se “rebaixar” e repetir feito um papagaio, parente daqueles que você
ajuda a maltratar? Cultura, muitas vezes é resultado de sistemas de governo que
criam, mantêm e incentivam hábitos no intuito de manipular robozinhos
passistas, desviando-os dos verdadeiros problemas sociais. Quer saber um pouco
da tradição do Carnaval? Leia e descubra o up
que Getúlio Vargas deu para a sua causa e veja como tenho razão. Povos? Os
povos se misturam, emigram, imigram, evoluem! Nada mais radical e conservador
que bradar alguma causa trazendo a palavra povos
como argumento. É pobre, Go! Mais, mais, Go! Mostra que você pensa! Mostra, Go!
Tradição? Na Idade Média era tradição queimar bruxas, na África, ainda hoje algumas
tribos tem a tradição da ablação do clitóris de jovens e etc etc. Portanto, por
esse prisma a tradição é conservadora e radical, e não há nada mais desprezível
que defender a crueldade apelando à tradição. É ignóbil, Godoizinha!
5)
“Não podemos deixar tudo isso para trás por conta do radicalismo e da opinião
de subcelebridades.”: não, Godoizinha, nós
não! Talvez você não possa porque sentiu-se
ofendida, afinal Luísa Mell arranhou-a na superfície desvendando, sem querer, o
que você é por dentro - como popularmente nos referimos à índole de uma pessoa
-, isto é, uma subcelebridade radical!
Nisso
tudo, Mell ainda leva a melhor porque você a acusa de polemizar e, a meu ver,
toda polêmica é salutar, afinal, estamos falando da crueldade aos animais, que
você passista ajuda a perpetuar de forma egoísta e hipócrita. Dada a polêmica,
talvez um dia possamos mudar isso tudo.
Grato!
Imagem: Iwi Onodera/UOL
[1] https://f5.folha.uol.com.br/celebridades/carnaval-2018/2018/02/madrinha-de-bateria-processa-luisa-mell-por-incitar-odio-em-rede-social.shtml
Como sempre, Dirceu, você arrasou! Disse tudo o que precisava e mais um pouco. O problema é que esse tipo de gente não vai entender sua mensagem. A mentalidade deles é muito estreita. Infelizmente, isso é Brasil.
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