Revista Philomatica

sábado, 17 de fevereiro de 2018

As penas da passista


Ana Beatriz Godói, bom dia! Não a conheço, por isso desculpo-me de antemão o envio desta carta aberta que, de certo modo, introduz-me no mundo das subcelebridades. Sou um simples professor, profissão marcada pelo desrespeito e a indiferença de toda uma sociedade que, hipócrita, não se incomoda em ver o grosso das verbas públicas serem destinadas a eventos carnavalescos e não à educação.
Mas não se incomode. Não vim aqui falar mal do palco em que você brilha por 65 minutos, uma vez ao ano. Poderia, é claro, trazer outros argumentos, fazer comparações, falar do palco dos professores, local em que permanecem, às vezes, dez, doze horas por dia e, ainda assim, são ofuscados pela mediocridade, a hipocrisia e a ignorância de uma sociedade afeita ao espetáculo, ao superficial, e que sequer sabe bem e direito o que seja de fato cultura.
Não vou falar disso. Você me chamaria de invejoso, afinal nem mesmo do mundo das “subs” faço parte. Reitero minhas desculpas por esse palavrório todo. Venho até você em razão da reportagem que acabo de ler na Folha de São Paulo[1]. Ali, publicaram uma foto sua, na qual exibe uma folha de papel que, suponho, seja o Bolhetim de Ocorrência contra a ativista Luísa Mell.
Vou começar pelo fim, afinal, seus argumentos primeiros são tão rasteiros e risíveis, que não valem a pena uma paradinha! Bem, ao final da reportagem lemos: “Se os animais são respeitados e o material tem procedência, qual a razão de polemizar? Não podemos admitir esse radicalismo. Estamos falando de cultura, de povos e de tradições. Não podemos deixar tudo isso para trás por conta do radicalismo e da opinião de subcelebridades.”
Ora, Godoizinha, sejamos honestos, espero que tenha sido seu advogado o autor do texto, caso contrário, lamento dizer que o que você exibiu em penas, faltou-lhe em neurônios e sinapses. Acho mesmo que a razão de você ter se irritado com Luísa Mell foi ela ter tocado em seu ponto nevrálgico, qual seja, a estampa. Considerando o que disse, despida das penas e retirada a maquiagem, pouco sobra além dos pífios argumentos que acredita sustentar sua ação judicial. Mas não desanime, é bastante provável que um magistrado compre sua causa, afinal, estamos no Brasil, onde a justiça é de fato cega e condena o menino por ter furtado uma bala, mas liberta o homem por ter roubado milhões.
Vamos lá, Godoizinha, minha passista celebridade (você não me deixou outra alternativa!), vejamos o que você disse:
1) “Se os animais são respeitados”: Go, em que planeta você vive, no Planeta de Vila Maria? Onde você ouviu que os animais são respeitados? Isso é o sinal mais evidente de estupidez, Go. Dissesse talvez que acreditava serem os animais respeitados, assim você sairia pela tangente. Mas afirmar, quando o óbvio está à vista? Sugiro que use seu celularzinho, vá ao Google, e procure por ‘maus-tratos aos animais’.
2) “o material tem procedência”: isso é de um prosaísmo que incomoda, Go! É óbvia a procedência. As penas que lhe deram o efêmero appeal eram a proteção, a pele de aves que foram torturadas, são o resultado de dor e sofrimento de animais indefesos! Imagine você como destaque, algo meio Wolverine, em que suas unhas tivessem que ser que ser removidas a sangue frio e trocadas por garras. Você poderia até se submeter ao martírio em proveito do espetáculo e do bem da escola, “da cultura, de povos e de tradições”, como você afirma. Mas veja, você tem o direito de escolha, as aves, os animais, NÃO!
3) “Não podemos admitir esse radicalismo.”: de qual radicalismo você fala? Até onde eu sei, a luta de Luísa Mell excede os 65 minutos. É diária, contínua! Trata-se de uma causa! Você acompanhou a polêmica relacionada à crueldade do transporte de bois vivos? Nâo? Mell estava lá, enquanto você sambava no pátio da escola! E você me vem com radicalismo?! Curioso, pergunto-me de qual cartilha retirou a palavra. É comum ressentidos, na falta de conhecimento, apelarem às cartilhas das ideologias de bolso, de lá extraírem palavras e frases e vomitarem à esmo, sem qualquer constrangimento. Na maioria das vezes, a técnica é acusar o outro daquilo que se é e se professa.
4) “Estamos falando de cultura, de povos e de tradições.”: cultura, povos, tradições? Ah, Godoizinha! Você é um sapiens! Por que se “rebaixar” e repetir feito um papagaio, parente daqueles que você ajuda a maltratar? Cultura, muitas vezes é resultado de sistemas de governo que criam, mantêm e incentivam hábitos no intuito de manipular robozinhos passistas, desviando-os dos verdadeiros problemas sociais. Quer saber um pouco da tradição do Carnaval? Leia e descubra o up que Getúlio Vargas deu para a sua causa e veja como tenho razão. Povos? Os povos se misturam, emigram, imigram, evoluem! Nada mais radical e conservador que bradar alguma causa trazendo a palavra povos como argumento. É pobre, Go! Mais, mais, Go! Mostra que você pensa! Mostra, Go! Tradição? Na Idade Média era tradição queimar bruxas, na África, ainda hoje algumas tribos tem a tradição da ablação do clitóris de jovens e etc etc. Portanto, por esse prisma a tradição é conservadora e radical, e não há nada mais desprezível que defender a crueldade apelando à tradição. É ignóbil, Godoizinha!
5) “Não podemos deixar tudo isso para trás por conta do radicalismo e da opinião de subcelebridades.”: não, Godoizinha, nós não! Talvez você não possa porque sentiu-se ofendida, afinal Luísa Mell arranhou-a na superfície desvendando, sem querer, o que você é por dentro - como popularmente nos referimos à índole de uma pessoa -, isto é, uma subcelebridade radical!
Nisso tudo, Mell ainda leva a melhor porque você a acusa de polemizar e, a meu ver, toda polêmica é salutar, afinal, estamos falando da crueldade aos animais, que você passista ajuda a perpetuar de forma egoísta e hipócrita. Dada a polêmica, talvez um dia possamos mudar isso tudo.
Grato!
Imagem: Iwi Onodera/UOL


[1] https://f5.folha.uol.com.br/celebridades/carnaval-2018/2018/02/madrinha-de-bateria-processa-luisa-mell-por-incitar-odio-em-rede-social.shtml

Um comentário:

  1. Como sempre, Dirceu, você arrasou! Disse tudo o que precisava e mais um pouco. O problema é que esse tipo de gente não vai entender sua mensagem. A mentalidade deles é muito estreita. Infelizmente, isso é Brasil.

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