Revista Philomatica

sexta-feira, 23 de fevereiro de 2018

Todynho, Vittar e algum equívoco


“O diabo mora nos detalhes.” Alguns, afirmam tratar-se de um provérbio inglês; outros juram que sua origem é alemã. Opiniões, pontos de vista? De minha parte, penso que o tinhoso mora mesmo é nos equívocos. Vejam só: muita gente ora a Dominus, ou Oração do Pai Nosso, utilizando “perdoai as nossas ofensas”; outros, por sua vez, optam por “perdoai as nossas dívidas”. Problemas de tradução: Mateus escrevendo em aramaico e Lucas em grego. Resumindo o intróito: traduz-se daqui, verte-se dali, entrevê-se o desentendimento do leitor, opta-se por um sinônimo que é quase a mesma coisa e o resultado é que toda a vez que o crente eleva seus olhos para monte em busca de socorro, a ideia de obrigação financeira se faz presente.
Também houve um tempo em que se prendia por dívidas. A coisa passa pela Grécia Antiga, Roma, Idade Média e chega até a Idade Moderna. No Brasil - tranquilize-se, leitor -, o art. 5º, LXVII da Constituição de 1988 preconiza que não haverá prisão civil por dívida.
Pura retórica! Traficantes e bandidos de colarinho branco, embora não leiam a Constituição, também não mandam os devedores para a prisão: são mais ágeis, encaminham-nos diretamente ao autor da Dominus. O fato é que essa questão já havia sido equacionada há tempos por meio de uma outra oração, o credo capitalista.
Ora, todos vivemos em função de mitos. Essa balela de realidade, fatos e veracidade são caminhos tortuosos que procuramos para fundar nossas crenças e, assim, fortalecermos nossas narrativas. É tudo tão claro, leitor! Alguma dúvida? Ah, obtuso leitor, nunca lançaste teu olhar para as ficções jurídicas?
Assim como o imaginário popular é capaz de produzir as maiores absurdidades e torná-las ideologias, crenças e verdades, essa mesma imaginação também criou a ficção jurídica. As grandes corporações da nossa era são invenções do credo capitalista, mas seria desonesto ignorar nesse credo capítulos e sermões das religiões teístas e, sobretudo, das religiões inspiradas e/ou baseadas em leis naturais como o nacionalismo, o nazismo, o comunismo e o liberalismo. Acredite, cada uma delas, à sua maneira, com seus escritos sagrados, seus livros proféticos, corroboraram para a construção das ficções jurídicas.
Essas ficções jurídicas, às quais cremos e servimos (você só compra um aparelho Apple, toma uma Coca-Cola, come um sanduíche do MacDonald’s porque está certo da garantia e qualidade de seus produtos, confia neles), cujos tentáculos alcançam lugares por nós sequer imaginados, destroem muito da retórica e do discurso multiculturalista em moda nas redes sociais e universidades, além de, é claro, mais uma vez, dar razão a Adorno, quando este diz que toda “ideologia é inverdade, falsa consciência e mentira”.
Tome-se por exemplo Pablo Vittar e Jojo Todynho, duas das celebridades mais queridas da militância técnica inflada de razonite que orbita a mídia e as redes sociais. Esses formadores de opinião não só dizem às desbragadas, mas escrevem páginas e mais páginas afirmando que os performáticos cantadores representam minorias excluídas pelo sistema e pela sociedade branca, hétero, elitista, capitalista e fascista. Não nego - e nem posso! O óbvio é ululante! O que não concordo é com a afirmação de que esse empoderamento é tão exponencial e significativo que obrigou até mesmo a Rede Globo a meter-se de joelhos.
Ora, eis aí o equívoco meu caro leitor, a nesga que abriga o belzebu. Será que essa gente toda não sabe que a Rede Globo é, de fato, uma ficção jurídica cujos tentáculos são verdadeiramente globais? Vittar e Todynho só caíram nas graças da massa porque a corporação assim o quis! Para ela, a corporação, Vittar e Todynho não são mais que graxa a lubrificar as engrenagens da máquina, para que ela gire continuadamente.
E como os performáticos cantadores alimentam os interesses da grande corporação? No processo, a corporação coloca todo o seu corpo em ação: primeiro, seus veículos de imprensa começam a insuflar o leitor aqui e lá sub-repticiamente, lançando seus nomes a esmo. Depois, elevam da massa os cantadores tornando-os identificáveis e, é claro, dada a origem, o meio e o gosto de ambos, atribuem a eles certa representatividade sobre a parcela da qual pretende arrebatar alguns caraminguás. Espalha-se a nova por meio de blogs, youtubers etc e tal. Próximo passo: as rádios da corporação soam alto e seguidamente a voz dos cantadores. Logo, quando já são garantia de alguma audiência, são levados aos diferentes programas e talk-shows da corporação. Está feito o produto que, por algum tempo, manterá suas engrenagens girando até que venha a próxima causa, o próximo representante.
A massa, distraída, acredita ter separado o joio do trigo e não se dá conta de quem a aliena e que se aliena. Por isso, achei curiosa a imagem da escola de Samba Tuiuti que, compartilhada à exaustão, reproduz mãos que manipulam e conduzem marionetes. Com olhar de míope, vi marionetes manipulando marionetes. Como escapar disso tudo?


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