“O
diabo mora nos detalhes.” Alguns, afirmam tratar-se de um provérbio inglês;
outros juram que sua origem é alemã. Opiniões, pontos de vista? De minha parte,
penso que o tinhoso mora mesmo é nos equívocos. Vejam só: muita gente ora a Dominus, ou Oração do Pai Nosso, utilizando “perdoai as nossas ofensas”;
outros, por sua vez, optam por “perdoai as nossas dívidas”. Problemas de
tradução: Mateus escrevendo em aramaico e Lucas em grego. Resumindo o intróito:
traduz-se daqui, verte-se dali, entrevê-se o desentendimento do leitor, opta-se
por um sinônimo que é quase a mesma coisa e o resultado é que toda a vez que o
crente eleva seus olhos para monte em busca de socorro, a ideia de obrigação
financeira se faz presente.
Também
houve um tempo em que se prendia por dívidas. A coisa passa pela Grécia Antiga,
Roma, Idade Média e chega até a Idade Moderna. No Brasil - tranquilize-se,
leitor -, o art. 5º, LXVII da Constituição de 1988
preconiza que não haverá prisão civil por
dívida.
Pura
retórica! Traficantes e bandidos de colarinho branco, embora não leiam a
Constituição, também não mandam os devedores para a prisão: são mais ágeis, encaminham-nos
diretamente ao autor da Dominus. O
fato é que essa questão já havia sido equacionada há tempos por meio de uma
outra oração, o credo capitalista.
Ora,
todos vivemos em função de mitos. Essa balela de realidade, fatos e veracidade
são caminhos tortuosos que procuramos para fundar nossas crenças e, assim,
fortalecermos nossas narrativas. É tudo tão claro, leitor! Alguma dúvida? Ah,
obtuso leitor, nunca lançaste teu olhar para as ficções jurídicas?
Assim
como o imaginário popular é capaz de produzir as maiores absurdidades e
torná-las ideologias, crenças e verdades, essa mesma imaginação também criou a
ficção jurídica. As grandes corporações da nossa era são invenções do credo
capitalista, mas seria desonesto ignorar nesse credo capítulos e sermões das religiões
teístas e, sobretudo, das religiões inspiradas e/ou baseadas em leis naturais
como o nacionalismo, o nazismo, o comunismo e o liberalismo. Acredite, cada uma
delas, à sua maneira, com seus escritos sagrados, seus livros proféticos,
corroboraram para a construção das ficções jurídicas.
Essas
ficções jurídicas, às quais cremos e servimos (você só compra um aparelho
Apple, toma uma Coca-Cola, come um sanduíche do MacDonald’s porque está certo
da garantia e qualidade de seus produtos, confia neles), cujos tentáculos
alcançam lugares por nós sequer imaginados, destroem muito da retórica e do
discurso multiculturalista em moda nas redes sociais e universidades, além de,
é claro, mais uma vez, dar razão a Adorno, quando este diz que toda “ideologia
é inverdade, falsa consciência e mentira”.
Tome-se
por exemplo Pablo Vittar e Jojo Todynho, duas das celebridades mais queridas da
militância técnica inflada de razonite que orbita a mídia e as redes sociais. Esses
formadores de opinião não só dizem às desbragadas, mas escrevem páginas e mais
páginas afirmando que os performáticos cantadores representam minorias
excluídas pelo sistema e pela sociedade branca, hétero, elitista, capitalista e
fascista. Não nego - e nem posso! O óbvio é ululante! O que não concordo é com
a afirmação de que esse empoderamento
é tão exponencial e significativo que obrigou até mesmo a Rede Globo a meter-se
de joelhos.
Ora,
eis aí o equívoco meu caro leitor, a nesga que abriga o belzebu. Será que essa
gente toda não sabe que a Rede Globo é, de fato, uma ficção jurídica cujos tentáculos
são verdadeiramente globais? Vittar e Todynho só caíram nas graças da massa porque
a corporação assim o quis! Para ela, a corporação, Vittar e Todynho não são
mais que graxa a lubrificar as engrenagens da máquina, para que ela gire
continuadamente.
E
como os performáticos cantadores alimentam os interesses da grande corporação? No
processo, a corporação coloca todo o seu corpo
em ação: primeiro, seus veículos de
imprensa começam a insuflar o leitor aqui e lá sub-repticiamente, lançando seus
nomes a esmo. Depois, elevam da massa os cantadores tornando-os identificáveis
e, é claro, dada a origem, o meio e o gosto de ambos, atribuem a eles certa
representatividade sobre a parcela da qual pretende arrebatar alguns caraminguás.
Espalha-se a nova por meio de blogs, youtubers etc e tal. Próximo passo: as
rádios da corporação soam alto e seguidamente a voz dos cantadores. Logo, quando
já são garantia de alguma audiência, são levados aos diferentes programas e talk-shows da corporação. Está feito o produto
que, por algum tempo, manterá suas engrenagens girando até que venha a próxima
causa, o próximo representante.
A
massa, distraída, acredita ter separado o joio do trigo e não se dá conta de
quem a aliena e que se aliena. Por isso, achei curiosa a imagem da escola de
Samba Tuiuti que, compartilhada à exaustão, reproduz mãos que manipulam e
conduzem marionetes. Com olhar de míope, vi marionetes manipulando marionetes. Como
escapar disso tudo?
Muito bem explicado, Dirceu, como é preparado esse bolo indigesto.
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