Lá
pelas tantas de a Poética,
Aristóteles afirma que os poetas são gênios e que os loucos deliram. A loucura
tem sido, parece, o pão quotidiano que nos tem mantido de pé nesses últimos
tempos. A procura pelo certinho anda tão árdua e exaustiva que temos nos
tornado direitos demais. Não por outra razão acredito que a vida, os
acontecimentos, enfim, até mesmo a história caminha em movimentos pendulares.
Às vezes, com o soprar dos ares, o pêndulo avança - até mais da conta -, tanto
é que somos obrigados a presenciar a derrocada moral daqueles outrora chamados
príncipes do Império – hoje meramente ditos senadores (digitei pérfidos, o
adjetivo, ante de senadores, mas o pensamento não se ajustou à frase).
Mas
os delírios são de outra ordem: adentram à literatura, ou melhor, orbitam sua
periferia. Cortázar fala em cozinha literária. Algo, leitor, parecido com
deixar tinta no papel, alimento para o esquecimento. Pois bem, ao sair em busca
de alguns artigos para um aluno, descubro a facilidade dos buscadores da
internet. Vou lá e digito Pai Goriot,
minha palavra-chave. De pronto, uma explosão de resultados. Obra de finado,
digo, de gênio, nenhuma, nada, sequer uma iguaria! Mas, gororoba, bóia, rango,
ah, isso havia em abundância! Perfeita cozinha literária!
E
não é que no refrigerador da cozinha acho eu algo exótico? Um prato pequeno,
perdido atrás dos potes de condimentos e de muita salada metida a prato
principal. Um texto publicado no site
chamado Esteta e que compara o
futebolista Neymar à personagem Rastignac, de Balzac.
Segundo
o autor, o simples fato de o jogador ter se transferido para Paris é razão
suficiente para equipará-lo a Rastignac, personagem arrivista de Le Père Goriot. O autor do texto tem
como fio condutor a célebre frase da personagem balzaquiana: “À nous deux
maintenant!” (Agora, é entre nós dois!).
Vale
contextualizar o entrecho: ao final de Le
Père Goriot, Eugène de Rastignac, o jovem e ambicioso estudante, do alto do
cemitério Père Lachaise, vê a cidade de Paris e finalmente compreende o papel
da cidade, e é exatamente nesse instante que lança ao ar o célebre desafio.
Ora,
isso é muito pouco meu caro futeboleiro (acho que o neologismo é bem a cara do
texto dele – e, por que não, do meu?; às vezes me é impossível um certa dose de
autoironia!)! Poderias, afora ter insistido na tecla do arrivismo, escorregado
os dedos sobre aquela em que explicaria muito da sua associação, meu caro autor:
por exemplo, o fato de Balzac ter se inspirado em Thiers, jovem liberal, que
mais tarde se tornaria presidente da república. Todos sabemos, a política
produz o pior tipo de arrivista, não porque são arrivistas tout court, mas porque, para chegarem ao topo, associam-se a
pessoas da mais alta suspeição. Ademais, não me ocorre de Rastignac ter se
metido em tenebrosas transações (ao menos em Le Père Goriot), algo como sonegar milhões do imposto de renda em
dois países e, ainda assim, ter suas dívidas perdoadas por acordos escusos.
É
claro que nosso autor menciona o fato de Neymar ser avesso aos livros e, mesmo
depois de um bom tempo na Cidade Luz, mal balbuciar a língua de Molière. Isso
só prova a disparidade da comparação: se há algo que faz de Rastignac uma
personagem singular é o uso dos neurônios. Esse jovem lobo de dentes longos,
como se diz de um arrivista na França, tem constituição e essência bastantes substanciosas
que, honestamente, não resvalam na futilidade do nosso spécimen.
Trago
alguma arrogância na prosa? Vá lá, que seja! É lamentável que
pseudo-historiadores lancem mão do copia-e-cola no intuito de justificar a
pobreza de espírito que vejo no nosso homem da bola, cujas sinapses – para ele,
felizmente – produzem-se entre os pododáctilos. A meu ver o mocinho de Mogi das
Cruzes, que fazia e faz Chico Pinheiro papagaio, traz uma malandragem que não
cai bem em Rastignac, provinciano do sudeste da França disposto a conquistar
Paris. Ademais, Rastignac chega por lá pobre, ao contrário do tupiniquim e, cá
entre nós, se nosso historiador conhecesse um pouco do jeito francês de ser, ia
saber que do futebolista só querem as pernas e os pés, até mesmo porque quem o
paga são os árabes. Et voilà!
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