O
site do periódico a favor do partido
publica hoje uma reportagem inusitada: “Famílias fazem sacrifício para filhos
estudar no exterior”. O lado positivo é que os chamados intercâmbios estão mais
acessíveis, não são mais só aqueles poucos eleitos que têm a oportunidade de,
digamos, conscientizarem-se dos contrastes entre o que o governo nos oferece em
matéria de educação, e o que está disponível nos ditos países de primeiro
mundo. O lado sombrio é ver o dono de uma renomada agência promotora de
intercâmbios afirmar: “É muito comum sabermos que o pai está vendendo o carro
dele para pagar o intercâmbio do filho, e é muito bonito ver isso.”
!!!
E continua o Sr. Garcia: Você vê que são famílias de poder econômico limitado, mas
o pessoal vê como investimento. Muitas vezes o pessoal trabalha, mora com a
família e vai juntando um dinheirinho, porque sabe que o idioma é mais
importante na empregabilidade do que fazer um curso universitário de qualidade
ruim ou fazer uma pós-graduação ou extensão universitária que não agrega nada.”
Segundo
o Sr. Celso Garcia, que lucra com o desespero do alunado (não o critico,
afinal, alguém sempre lucra, o governo lucra, a canalha de Brasília e do
judiciário lucram!), “a questão do idioma é sempre o ponto número um”. É claro,
ele precisa vender seu peixe.
Mas,
consultando os meus botões, há aquele cuja sabedoria me surpreende sempre; pois
bem, ele me sussurrou algumas perguntas: mas o Sr. Garcia não sabe que em seis
meses, um ano, poucos, muitos poucos, tornam-se fluentes em um idioma, seja ele
qual for, a ponto de isso por si só garantir a dita empregabilidade? Pois é,
replico em concordância ao que ele acabara de dizer: Eu mesmo, acrescento,
conheci alunos no exterior que não tinham sequer o conhecimento básico do
idioma e, chegando lá, precisaram começar do bê-á-bá, repetindo “Eu me chamo... Eu sou brasileiro.” Aquiescente,
ele rememora e concorda. E diga-se, acrescento, eram alunos que deixaram o
Brasil em busca de um doutorado em conceituadas universidades. Voltaram prontos
para o mercado de trabalho?, pergunto. Ele, escapando da casinha que o mantém
fixo na camisa, olha-me de soslaio e é como tivesse lançado um sorriso irônico
por entre as dobras do tecido.
O
Sr. Garcia faz parte de uma engrenagem colocada em movimento há tempos pelo
governo, cuja mobilidade não tem outro fim que o sucateamento da educação. Não
acho bonito ter que se desfazer dos míseros bens materiais que possui para
poder pagar um cursinho de língua na esperança de que isso seja garantia de bom
trabalho. Bom trabalho para quem? Para os empregadores? Vejam: hoje há empresas
que exigem do candidato fluência em inglês, conhecimentos de espanhol, além de
todos aqueles apetrechos criados pelos especialistas em recursos humanos,
enfim, tudo isso e otras cositas más em
troca de um mísero contracheque, às vezes, de dois salários mínimos. Resumo da
ópera: o carro vendido para o intercâmbio, nessa lógica, será readquirido
décadas depois!
Deixemos
o Sr. Garcia acumulando seus caraminguás com a ilusão dos tolos e vamos a um
absurdo mais palatável e não tão obsceno quanto a educação brasileira; falo d’A Cantora Careca, de Ionesco.
Hoje,
26 de abril de 2018, o teatro Huchette, em Paris, celebra seu 70o
aniversário com a obra de Ionesco, A
Cantora Careca, que detém um recorde de longevidade nos palcos, uma vez que
está em cartaz neste mesmo palco há nada menos que 61 anos.
Considerando-se
a recepção da peça quando de sua estreia, isto é um grande feito, pois, à
época, as críticas foram violentas. Mas falemos de Ionesco, esse gênio do
teatro do absurdo: nascido na Romênia, filho de pai romeno e mãe francesa,
Ionesco vive na França entre os anos de 1913 e 1925; termina seus estudos de
literatura francesa na Universidade de Bucareste e torna-se professor de
francês e crítico literário. Retorna a França para escrever uma tese que jamais
terminará, mas o que deixou é de uma monta inigualável: A Lição, As Cadeiras, Rinoceronte, O Rei está morrendo; ou seja cerca de trinta peças teatrais,
ensaios e alguns romances. E quem quer saber da tese?
A Cantora Careca,
sua primeira obra teatral, Ionesco qualificou-a de “teatro de escárnio”, cujo
subtítulo era “ante-peça”. A ideia lhe ocorreu depois de aprender inglês (algo
de extrema importância ainda hoje, ao menos para o Sr. Garcia!) com o método
Assimil: frases curtas, desarticuladas, clichês, tudo junto e misturado
resultando em um diálogo muito louco. O título original Inglês sem dificuldade, foi substituído por A Cantora Careca, em razão de um deslize de um ator durante o
ensaio.
Emblemática
obra do teatro do absurdo, o texto foi encenado por Nicolas Bataille em 1950.
Para Bataille, o ponto de partida da peça é “um casal que não tem nada a dizer
um ao outro depois de vinte anos de casamento, e um outro que não se reconhece
mais”. Diante disso, comentários frívolos, absurdos e incoerentes são trocados.
A
primeira apresentação deu-se em uma pequena sala no Quartier-Latin, no Théâtre
des Noctambules, em 11 de maio de 1950, às 18 horas. Mal recebida pelo público,
as apresentações foram interrompidas logo após a estreia (25 apresentações
foram canceladas).
Depois,
em 16 de fevereiro de 1957, a peça volta em cartaz no Théâtre de La Huchette,
em Paris, e finalmente conhece o sucesso. A
Cantora Careca continua em cartaz provando entre outras coisas, que o
teatro e as humanidades têm muito a dizer, e não só as “praticidades” como quer
o Sr. Garcia.
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