Era uma vez... A maioria das histórias infantis -
e mesmo alguns contos filosóficos, como os de Voltaire -, trazem como principal
constitutivo o fantástico; o cenário remete a reinos distantes; as narrativas
constroem-se a partir do imaginário; as personagens, envoltas em total
fantasia, deixam-se levar pelo capricho injustificável ou descontrolado da vontade ou da fábula,
sem base alguma em realidades concretas. Não raro, trata-se de um mundo de
total esquisitice e excentricidade, do qual desprende-se um fundo moral, provável
tentativa de moldar a personalidade da criança, para muitos, ainda tabula rasa.
Ainda que
Chapeuzinho tenha conseguido tirar a vovó da barriga do lobo, a Bela Adormecida,
livrar-se de Malévola e casar-se com o príncipe, Branca de Neve ver a rainha
pelas costas e, de quebra, juntar-se com outro príncipe, as três viveram
instantes de medo e terror, este, por sinal, matéria-prima de histórias de meninos
e homens.
O cenário
político que se desenhou a partir do primeiro turno das eleições presidenciais,
parece-me, só não traz o “cenário” de pitoresco, no mais, todos os outros
elementos estão lá e só nos resta saber qual fundo moral há de se tirar de tudo
isso.
Hoje, nas
redes sociais, nota-se verdadeira confrontação entre o Bem e o Mal, maniqueísmo
cuja natureza faz com que ambos os grupos atribuam a si o direito de opinião, o
“estar certo”. Nesse conflito cósmico entre o Reino da Luz e o Reino das
Sombras, penso, há muito mocinhos e mocinhas perderam a visão periférica e hoje
sequer enxergar um palmo à frente do nariz.
A aura
luminosa (ou sombria, depende do ponto de vista) fez com que ambos os lados
olhassem para seus próprios umbigos, edulcorassem a pílula e afirmassem a de suas
escolhas. Ambos veem um amanhã magnífico, belo e radioso caso consigam impor
suas convicções, contudo, ganhando ou perdendo, a “Aura” já conseguiu seu
objetivo alienante: todos se esqueceram da condição pútrida da fruta dentro da
casca!
De sobra,
o que se tem visto crescer como relva em campo orvalhado são as inimizades. No
intuito de defender suas posições políticas, amigos já não são mais amigos e,
de quebra, em suas justificativas, passam a considerar detalhes que um dia
foram os ingredientes da boa amizade, qual seja, as diferenças.
Hoje, o
reflexo das grandes forças ideológicas nocivas ao espírito afastam pessoas, de
modo que a amizade vê-se submetida à convicção. Imaturas, pessoas digladiam-se
por uma hipótese quase sempre – ou sempre – imperfeita e transitória. Arrisco
dizer que em um futuro bem próximo lamentar-se-ão das amizades perdidas em
razão de ideias já esquecidas. O obtusidade de hoje transforma a fantasia em
verdade, semeando o medo no reino das águas claras, conspurcando-o de lama.
Entre
amigos, não se tem mais a virtude da fidelidade! Deixamo-nos (e aqui me
incluo!) manipular e nem nos demos conta. Agora é tarde! O final, arrisco do
alto de meu ceticismo, será um ranger de dentes: a dor de sacrifícios
indesejados e de perdas desnecessárias. No lugar das sinceras amizades, o trago
amargo e ácido da verdade que todos teremos que engolir caso o Bem ou o Mal
vençam. Não haverá remanso para se contar histórias e o Era uma vez tornar-se-á tão real e inócuo que não nos sobrará nada
além de miseráveis tentativas - de sobreviver!
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