Não
é segredo: vivemos dias de intenso falatório, alteridade, lugar de fala e otras cositas más. Nada contra, ao menos
podemos espernear, escancarar as mandíbulas, gritar e rir às desbragadas - quando
convém. Ocorre que os discursos tem-se tornado impositivos e na rinha para
definir o que é democrático e o que é fascista, ninguém dá o braço a torcer.
Ambos os lados querem vencer no grito – ou no tiro -, e tudo fica por conta do
gosto do freguês. Este, como se diz em jargão comercial, sempre tem razão, por
isso não discuto, aceito pura e simplesmente, ainda que a meninge pulse a ponto
de parecer explodir e/ou esmagar o encéfalo (aqui também tudo depende do ponto
de vista do leitor).
Mas
troquemos em miúdos toda essa farelagem: deu no Figaro; ontem, na França, Mélenchon (para quem não o conhece, Mélenchon
é um daqueles políticos que grudam como craca na crosta do navio e que, hora ou
outra tem sérias dificuldades em esconder seu proselitismo, misto de
oportunismo e corporativismo – ah!, esses “ismos”), diante da pergunta
embaraçosa de uma jornalista do sul do país, questão que por sinal desnudara
toda a sua incoerência e seu mal caráter, resolveu ridicularizá-la e, para
isso, destacou o sotaque sulista da moça.
“Qu'esseuh-que
ça veut direuh ? Quelqu'un a-t-il une
question formulée en Français? Et
à peu près compréhensible? (O que isso quer dizer? Alguém tem uma pergunta
em francês? Um pergunta que seja um pouco compreensível?). Voilà, pego de calças curtas, Mélenchon deixou cair a máscara e
revelou-se como é; o verniz craquelou! Em tempo: Mélenchon estava exasperado
face à visita da polícia à sede do partido nanico que ele representa e, de
quebra, como é comum nesses casos, virou-se contra os juízes, magistrados,
aliás, que defendera recentemente quando emitiram ordens para investigar seus
oponentes políticos. Mas isso é história de - e para - gauleses; o que vale
ressaltar são as ranhuras no verniz que cobre o caráter de Mélenchon, político
de esquerda que sempre militou em favor dos desfavorecidos e das minorias, algo
louvável, diga-se. Contudo, ao primeiro incômodo, esqueceu-se de sua origem
marroquina e ejaculou todo o seu preconceito, apontando o sotaque da
jornalista, salvo engano, de Marseille. Nobody’s
perfect, claro! Mas, no mundo da politicagem, pautado por causas que
sustentam discursos (e vice-versa) e garantem votos, isto é uma bela de uma
escorregadela que mostra, de fato, o que pensa Mélenchon sobre aqueles que não pensam
exatamente como ele. E não nos esqueçamos de que nos trópicos temos as mulheres de grelo duro! É sempre bom
lembrar!
E, já que falo dos trópicos, situação análoga de verniz
craquelado, ocorreu ao longo da semana. Regina Duarte, atriz reconhecidamente
de direita por seus posicionamentos políticos, deixou-se fotografar ao lado de
um dos presidenciáveis. Movimento do bumerangue? Ao voltar, veio todo
conspurcado de ódio, raiva, injúria, xingamentos e todo o mais que a
vilipendiação pode provocar. E tudo isso porque Regina Duarte resolveu-se
posicionar politicamente. Desprezada e injuriada pelo público e colegas de
trabalho (alguns, aliás, de caráter bastante discutível) que, num átimo,
apagaram o passado o passado da artista, condenando-a sumariamente ao
ostracismo, a atriz teve o apoio de alguns poucos corajosos que defenderam o
direito dela se posicionar, afinal, o que defendem os que a condenam, senão a
dita democracia?
Uma dessas corajosas foi Maitê Proença que, por sua, vez,
viu-se diante dos balaços atirados pelos democráticos. Maitê, em sua conta do Instagram, publicou um vídeo justaposto
a um pequeno texto cuja primeira frase deixa claro o pensamento da artista:
“Você não tem mais razão que o vizinho, tem apenas outra razão.” Ora, eis aí um
princípio de tolerância e de pluralidade de ideias. Na sequência a atriz exalta
a coragem da colega e o repúdio às agressões que recebera, além de ressaltar o
conservadorismo que impera no mundo desde os tempos ancestrais o afirmar: “O
mundo sempre foi conservador e nunca gostou de quem pensa diferente. Atenas se
enchia de motivos e guerreava com Sparta, japoneses com chineses, judeus com
palestinos, pretos com brancos, protestantes com católicos, e até crianças de
cinco anos fazem bullying com seus
coleguinhas que parecem diferentes.”
A frase da atriz foi lida ao gosto de seus opositores: os
comentários são tão agressivos quanto os destinados anteriormente a Regina
Duarte. Há internautas que afirmaram estar ela a defender torturadores e
matadores de homossexuais...
No frigir dos ovos, mais uma vez tem-se o craquelê do verniz,
qual seja, eu defendo a tolerância, o respeito, a diversidade, a alteridade e
uma convivência pacífica desde que você pense como eu, caso contrário,
democraticamente, você deve ser expurgado da sociedade e não importa se
tenhamos que expurgar vários, até que logremos todos de uma mesma ideia. Ao
menos assim não teremos qualquer autoritarismo e sequer tragédias, afinal, como
dizia o grande líder, “a morte de uma pessoa é uma tragédia; a de milhões, uma
estatística”.
Como concluir?
– “... ... ... ... ... ...”
Nenhum comentário:
Postar um comentário