Em
tempos em que se discutem exaustivamente ideologias de gênero e que a cabeça do
homem jaz como alvo sob o salto alto a lhe provocar enxaquecas, vale a pena
voltar um pouco no tempo e resgatar a “origem” das mudanças que o tornaram,
digamos, mais sensível. Sim, porque nem todo homem é um brutamontes como querem
uns e outros.
Comecemos
pela Primeira Guerra Mundial, evento que tornou difusa as fronteiras da
masculinidade e da feminilidade. Entre 1914 e 1918, podemos vislumbrar crises
que, justapostas, contribuem para o sfumato
de crenças e definições cujos contornos eram antes bem definidos. A primeira
delas é a morte do soldado heroico. A cultura de combate que imperava no século
XIX, por exemplo, era uma cultura em que se valorizava a guerra. A guerra era
uma prova de virilidade, um rito de passagem para o homem, uma questão de
honra, razão pela qual, ao longo deste século, pululavam os duelos. Enfim, o soldado
do início do século XIX era um soldado que combatia de pé e empunhava a espada
ou a baioneta do fuzil na vertical.
Contudo,
durante a Primeira Guerra já surgem os armamentos modernos e este soldado tem
que se prostrar, abaixar a cabeça para se desviar dos tiros das metralhadoras.
Ele, o soldado, não se mantém mais na vertical, algo que se traduz como um
golpe para a sua virilidade. Não estamos mais em frente de um soldado de
Napoleão, para quem a guerra era uma aventura, a glória, mas de um homem entrincheirado
em buracos em meio à lama, em situações catastróficas.
Outra
crise que desponta é a incapacidade de ordem moral e afetiva, já que retomar a
virilidade de antes tornara-se algo impossível, ao menos para parte dos
soldados que retornaram da guerra, a maioria, incapacitada, com rostos e corpos
desfigurados e que já não podiam mais reintegrar-se à sociedade, obrigando-se a
viverem em grupos separados. O sofrimento e o não-lugar dos heróis de guerra
possibilita um dos grandes momentos da psiquiatria que, nesta época, começa a
discutir os traumas psíquicos.
O
fenômeno demora a ser compreendido, vem a Segunda Grande Guerra e a figura do
soldado não servirá mais de ideal masculino; outras figuras vão surgir, em
parte artistas, ainda que, à época, parte a população ainda tenha como modelo
os grandes chefes militares. É nessa época que os gêneros são, digamos,
desiquilibrados. Diferentes formas de amor são forjadas entre os soldados:
relações homoeróticas, em razão de uma virilidade posta à prova e ao descaso;
relações maternais, em que oficiais exercem o papel de mãe para soldados em
situações de desespero, padecendo de sofrimentos físicos e psicológicos - e por
aí vai.
É
claro, havia as relações consentidas e aquelas não consentidas. O mundo militar
era (ou é) um universo de frustração sexual em que a violência sexual aflorava.
Para fugir do fronte, houve casos de soldados que se travestiram de mulher.
Paul Grappe, em 1915, chegou a ser condenado por deserção, mas escapou por uma
década, período em que viveu com sua mulher, sob falsa identidade.
Nesse
período também, o homem é substituído pela mulher no mercado de trabalho, algo
que propicia a emancipação da daquela. Não se pode ignorar, contudo, que logo
após a guerra o homem busca recuperar seus postos de trabalho. Esse movimento
pós-guerra produz o aumento da violência doméstica e conjugal, assim como um
número maior de divórcios, sobretudo porque o homem tem dificuldade de sair da
cultura de violência cultuada no fronte.
Tudo
isso, vale destacar, não desculpa qualquer violência, mas é fato que a guerra
alterou as representações de feminilidade e masculinidade, a ordem dos gêneros.
O aparecimento da garçonne (jovem que
usava cabelos curtos como os rapazes) na França dos anos 20 é um dos indícios
da transformação da relação entre os sexos.
Hoje,
tal é a fluidez dos gêneros que nada sobrou além de esperneios conservadores,
ranzinzice de quem jamais viverá uma Belle
Époque. Por isso, acostumem-se aos novos tempos de machos, pero no mucho!
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