Depois
de cinco dias chuvosos, textos sobre o fenômeno climático inundam a internet.
Acabei, por acaso, correndo os olhos por um deles cujo título era “Por que o
barulho da chuva acalma e ajuda a dormir?”. Saber que os sons da natureza são
aconselháveis para momentos críticos, pois tranquilizam a alma, é de grande
valia. Embora o assunto me despertasse o interesse, não continuei a leitura.
Fui interrompido por vídeos, anúncios e mais anúncios; insisti, rolei a tela
até o final para ver a extensão do texto, encontrei um “continue lendo” em meio
a outros anúncios e, cansado dos ruídos que abafavam o barulho da chuva, parei.
Dei-me
conta de que não me importo com a extensão dos textos no formato livro, leio,
como dizia Hemingway, “de uma sentada só”, duas, três horas! Mas na tela do
celular ou do notebook, a paciência
me é pouca. O culpado, claro, acho que é o tal do merchandising. Conversando com meus botões, chegamos à conclusão de
que o assunto é mais sério (sempre dramatizamos as situações).
O
fato é que em todos os domínios, a sociedade atual vive um interregno, qual
seja, aquele momento em que abandonamos as regras antigas (ao menos afirmamos
isto) e ainda não temos nada que as substituam. Na melhor das hipóteses,
debatemo-nos com conjecturas geradas por especialistas – a maioria facebookianos oriundos das escolas de
filosofia e sociologia.
A
minha impaciência em ler o texto na tela tem um pouco a ver com o modo como ele
se mostra na atualidade: estilhaçado, desordenado. Antes, em tempos de menos
turbulência e ansiedade, tudo, o tempo era mais linear, progressivo. Hoje, não
bastasse aquela ideia de liquidez idealizada por Bauman, em que temos
dificuldade de firmar laços, já que a liquefação da consciência deixa para as
instituições a imposição de regras, condutas e sistemas simbólicos, nada nos
resta além de seguirmos um pouco como zumbis, já que nossa memória está
fragmentada.
Esta
memória em cacos nos oferece tudo o que lemos na internet, daí a nossa falta de
paciência em seguir um tempo linear. O resultado é a perda da memória.
Esquecemos das coisas à medida em que perseguimos qualquer hipertexto, qualquer
link, às vezes, esquecemo-nos até
mesmo daquilo que procurávamos quando havíamos decidido usar o celular ou o notebook.
Até
“ontem” a memória era indispensável para qualquer continuidade, para o
progresso e avanços futuros – até mesmo os pessoais. O futuro dependia da
memória. Hoje, ela nos desorienta, nos deixa perdidos. Dizem que na época áurea
do Império Romano, qualquer dos Césares possuía muito menos memória histórica e
informação que qualquer garoto de sete anos hoje!
Por
outro lado, nossa memória recente nos oprime: o horror das duas grandes guerras,
os genocídios perpetrados por ideologias, a ânsia de poder que produz miséria,
tudo isso nos culpabiliza.
Diante
disso, chego à conclusão de que não devo concluir a página. Quem leria? Os cem
leitores de Stendhal? Talvez os cinco de Machado? Não creio! Topo todos os dias
com estudantes de letras que nunca leram as Memórias.
Olho para fora e vejo a chuva. Busco fragmentos de memória, chuvas antigas,
reminiscências, lembranças. Desvio o olhar e resolvo ouvir a chuva. Os sons,
dizem, acalmam. Mas só ouço cacos, cacos de chuva!
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