Como
o mar não está para peixe, falemos de literatura, ou sua materialidade, que
seja! Hoje leio que editoras acabam de criar um bloco para negociar com as
grandes livrarias. Estas, por sua vez, vivem um momento sombrio, em meio ao
fechamento de lojas e pedidos de concordata. Quem já leu Ilusões Perdidas, este, um genial livro sobre o livro, há de saber
que a vida nunca foi fácil para os livreiros, que sempre pescaram lambaris em
água salgada.
A
culpa, creditam à ausência de público leitor. Não os culpo, afinal, não é
difícil constatar que o livro tornou-se um objeto estranho ao alunado. A má
administração? Vá lá, pode ser que tenha nisso sua contribuição, afinal, hoje
há muito gueri-gueri e livraria, sabemos, não é sex-shop ou grande magazine. Já não vemos aquelas livrarias em que
a figura central era o livreiro com toda a sua sabedoria conhecimento invejáveis
sobre autores, fábulas e personagens; verdadeiro crítico, este senhor que, não
raro, ignorava as vitrines de néon em proveito de um banquinho de madeira
puído, no qual se acomodava para trocar historietas com seus clientes habituais,
encantava leitores. A memória me leva ao passado e imagino Garnier a tagarelar
com os grandes de nossa literatura que flanavam pela Rua do Ouvidor. As
reminiscências, verdadeira rede de arrasto, não me deixam esquecer do livreiro
da Livraria Universal, ali na Francisco Glicério, ao lado do saudoso Hotel
Terminus, a me recomendar Vida e feitos
de Júlio César, obra que consumiu os caraminguás que havia poupado por mais
de dois meses; a João Amêndola, onde adquiri meu Raul Pompéia, a Anchieta...
todas, livrarias que se perderam na poeira do tempo e, com elas, seus grandes
livreiros.
O
fato é que não há culpados: a vida muda e isso é tudo! Houve o tempo dos
códices, dos incunábulos; veio a imprensa e a popularização do livro, veio a Encyclopédie, veio muita literatura da
boa, vieram as edições bem cuidadas, fetiches de colecionadores e orgulho das
bibliotecas, veio a crítica que, por sua vez, matou os autores e previu a agonia
e morte da literatura e, hoje, acreditem, vemos o fechamento de livrarias,
alunos de letras que odeiam livros e se insurgem contra Vargas Lhosa, Harold
Bloom e muitos outros, vomitando toda uma sapiência adquirida via scroll-down/scroll-up na grande obra facebookiana
cujo autor, como previra a crítica, faleceu! Não há culpados, repito.
Tornamo-nos uma sociedade pautada pelo visual, não temos paciência de ler meia
dúzias de linhas; hoje, leem-se os títulos e produzem-se longos discursos orais
cuja síntese é um tema na foto de perfil do facebook.
O
fato é que a tecnologia, assim como fizera à época de Gutenberg, transformou o
livro, a literatura, o que se lê e o jornalismo. Este último, parece-me, tem
recebido estocadas mortais, sobretudo em época de eleições. Em um só golpe,
padeceu a grande imprensa, antes chamada de golpista, e os marqueteiros, em
proveito de um treco chamado whatsapp, execrado
pelos jornais, televisões e toda a tropa que grita em favor da democracia. Para
o bem ou para o mal, ainda não sabemos, o aplicativo deu certa independência ao
cidadão, tirando-o das amarras alienantes impostas pelo poder e pelos órgãos de
imprensa. Ao menos superficialmente, parece-me, a notícia tem se disseminado
como rastilho de pólvora, sem as comportas impostas pelos grandes órgãos de
imprensa associados ao poder. Ainda que haja muita invencionice, só o fato de
você compartilhar a ideia sem ter que pedir aos Macedos, aos Saads e aos
Marinhos, ah, convenhamos, isso já é uma grande coisa!
A
literatura? Esta jaz na cama do hospital, em agonia, mas resiste! Desde que os
aspectos estéticos começaram a perder terreno em decorrência da banalização do
conceito de “literatura” (Perrone-Moisés), e o sexo passou a ser discutido na
narrativa de modo que toda uma leva de alunos está mais preocupada com o fiofó
da personagem que seu lugar no mundo, muita gente já foi visitá-la no hospital
e de lá saiu com um prognóstico nada positivo: Sartre, Blanchot, Todorov,
Derrida, Otávio Paz e agora, em nossos dias, toda uma tchurminha que produz dissertações e teses sobre nada, já que não
tem paciência ou não é capaz de ler textos que ultrapassem meia dúzia de
linhas. Talvez, por isso mesmo a literatura resiste, ainda em estado de agonia,
mas resiste!
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