Um
pouco de paródia não faz mal a ninguém. Tampouco alguma ironia. O título, portanto,
remete à República das Letras,
designação que, desde a Renascença, congregava estudiosos que partilhavam
traços, escritos, língua, valores e ideais humanistas comuns. Hoje, nesse
torrão tupiniquim, chamemo-la de República
dos livros. Afinal, afirma o nosso Cointet (ao menos é isso que deduzo a
partir de uma série de réplicas destinadas ao sr. Luiz Schwarcz que pululam na
internet): “o livro no Brasil vive seus dias mais difíceis”.
Não
sou livreiro, mas entendo um pouco de livro, meu objeto de trabalho e razão de
muito do que faço; sei das dificuldades ao produzi-lo, as etapas a serem
vencidas (revisão, preparação de texto, editoração, produção da capa, impressão,
etc) e, sobretudo, os esforços para levá-lo até às mãos do leitor. Não tiro a
razão do sr. Schwarcz, mas, refletindo com meus botões, vimos nele um naco de
ingenuidade, senão duas presas lupinas.
Vejamos:
o sr. Schwarcz, é provável, um dia, talvez na adolescência, leu a obra que
Balzac dedicou ao livro, portanto, é de se admirar que tenha perdido as ilusões
a ponto de sugerir ao público uma rede de solidariedade em favor das grandes
livrarias e editoras e que tenha se esquecido dos pequenos como David Séchard. Sim,
porque me parece que o que mais alarmou o sr. Schwarcz foi o pedido de recuperação
da Saraiva e da Cultura, duas gigantes do ramo, não as formigas livreiras em
cujas costas sustentam caixas feito tartarugas.
Não
o culpo por ter se esquecido do drama de Séchard, que padeceu nas garras dos
Cointet. É claro, ele não está entre os Séchard de hoje, que carregam caixas de
livros de cima para baixo em feiras de livros para lucrar, às vezes, nem 10% e,
de quebra, expirar nas mãos gigantes das grandes livrarias e editoras.
Pequenos
livreiros, assim como o sr. Schwarcz, “têm no afeto aos livros a razão de
viver”, mas o têm à moda antiga, sem os holofotes das grandes negociações. A
maioria deles aposta em cada livro publicado muito do suor que escorre dos seus
rostos; não à toa leem o que publicam e, tal como Gide, ressentem-se de ver
desperdiçada a grande chance por terem ignorado os manuscritos de Proust que
porventura lhes caíram às mãos.
A
Saraiva e a Cultura, desculpe-me, sr. Schwarcz, talvez não tenham recebido o
seu recado para adentrar a rede de solidariedade. Exemplo disso talvez seja a
compra do site Estante Virtual pela
última; os leitores e habituais clientes da Estante
hão de ter notado a recente majoração no preço dos livros – é sabido que a Estante Virtual era uma congregação de
sebos do país, hoje, agregada a Cultura tem funcionado como uma Amazon mal ajambrada.
Pequeno
livreiro, o sr. Pedro Paulo Graczcki[1],
parece-me, exultou com a preocupação de Cointet ao afirmar que “o sr. Luiz Schwarcz,
da Cia das Letras, escreveu uma pseudocarta de amor aos livros [...] nos
ped[indo] algo que ele nunca teve: solidariedade e defesa de classe”, para,
parágrafos depois, concluir: “Quer saber? Bem feito!”
Ao ler as razões do sr.
Graczcki, pensei tratar-se de um ressentido, como encontrei alguns, mas este
senhor expõe suas dificuldades e vemos nelas a consequência das garras do
grande irmão, que mastiga as presas menores sem dó nem piedade. De todo o
lacrimejo do sr. Graczcki, ficou-me a dúvida do porquê de as grandes editoras
obterem um desconto de 100% de impostos e as pequenas apenas 7,8%. Falta de lobby? Eis aí, se a informação for
verdadeira, a deixa para o sr. Schwarcz iniciar de fato uma grande rede de
solidariedade. Vale ressaltar que conheço dois pequenos livreiros e ambos não
recebem das grandes livrarias há cerca de dois anos.
Por outro lado, há o
projeto de lei no 49, de 2015, de autoria de Fátima Bezerra (PT-RN)
- senadora que se esqueceu de um dia ter sido professora – que propõe uma
espécie de “lei do preço fixo”. A lei do preço fixo, parada no Senado,
parece-me, corre agora a passos de serelepe, depois que o lobby dos editores reuniu-se com o Temeroso. Sob escudo
eufemístico, Luiz Antônio Torelli, presidente da Câmara Brasileira do Livro –
CBL, diz tratar-se de uma regulamentação de desconto, os mesmos descontos que o
sr. Graczcki afirma que a Saraiva e a Cultura utilizam para destruir as
pequenas livrarias: “Eu vi muitos colegas mudando de profissão depois de 20,
30, 40 anos de estrada porque os descontos praticados pela Saraiva eram muito
superiores ao preço que vocês nos vendiam.”
Ocorre que agora em tempos
de vacas magras, os grandes resolveram juntar-se à canalha política para
defender seus interesses, afinal, apareceu a Amazon, que não só não atrasa o
pagamento aos livreiros, como também lhes oferece antecipação do pagamento e,
de quebra, tem um sistema de entrega que os outros parecem desconhecer. A
Amazon, agressiva, vende livros, corteja, seduz o leitor a comprá-los, oferece
descontos para entrega e/ou isenta o cliente do pagamento do frete na compra de
determinado valor, enfim, a empresa faz o que faz com qualidade e não joga o
ônus nas costas do leitor. Falta saber se ela trabalha com os pequenos.
Sobre lei a ser
implementada com a benção do lobby
das grandes editoras e livreiros, Carlos Carrenho, consultor da Publishnews, sustenta
que ela não só castiga quem é produtivo e eficiente e consegue ter preços mais
baixos, como tornará o preço médio dos livros populares e best-sellers mais caro, de modo que os livros populares subsidiarão
os livros intelectuais e voltados para um público de classe média alta.
Como se vê, Carrenho
desvela um jeito de raciocinar bem tupiniquim no mercado livreiro. Por fim, enquanto
o país não desenvolver políticas públicas para o incentivo à leitura, é o que
temos à frente, principalmente se figuras como a senadora Fátima Bezerra
(PT-RN) não se curar da amnésia e se lembrar de que um dia foi povo e foi
professora.
[1] https://www.diariodocentrodomundo.com.br/bem-feito-voces-nos-ferram-ha-anos-carta-de-um-pequeno-livreiro-a-luiz-schwarcz/?fbclid=IwAR0ocxNQezeR5I3MCLd8uVBOfyTMYnqHr5cw25i1K0WULkbnRTOi8F5L6tw
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