Revista Philomatica

quarta-feira, 12 de dezembro de 2018

Semana de horror


O título basta por si, leitor. Caso tenha corrido os olhos pelas notícias produzidas ao longo da semana, há de confirmar o dito de Guimarães, para quem a vida era um rasgar-se e remendar-se. Machado, cético, resmungava por cima dos ombros largos de Cubas que “a luta das cobiças obrigam a gente a calar os trapos velhos, a disfarçar os rasgões e remendos”; a caminho do portal que fará da campa o meu repouso, vejo tudo difuso e, tomado pela bílis do pessimismo, desacredito da natureza humana.
A descrença, contudo, a despeito dos interesses e principalmente quando se trata de escolher um lado, não nos deve deixar dúvida sobre qual dos lados escolher. Embora muitos hesitem, sempre escolho o lado dos mais fracos. O caso de crueldade animal que se passou no Carrefour esta semana é mais uma confirmação de que estamos próximos (talvez nem tanto, mas já estivemos muito mais longe) do dia em que matar uma animal será o mesmo que matar um dos nossos – não digo humanos porque a muitos da nossa espécie o adjetivo não se justapõe. 
Os requintes de crueldade com que mataram o pobre cão, somada à gratuidade da ação, faz-me desconfiar daqueles grandes homens da Renascença, que acreditavam ser o humanismo um ato de fé na natureza humana. O humanismo, hoje definido como uma doutrina que tem por objeto o desenvolvimento das qualidades do homem, parece-me, nunca considerou seu antitético, a perversidade e a crueldade constitutivas da alma humana. O que vimos essa semana nos domínios do Carrefour mostra-nos o engano de Rousseau. Não, não, nem sempre a sociedade é a responsável por “nossa” (entre aspas porque generalizo e refiro-me à parcela de homens psicopatas que habita os subterrâneos dos infernos e cuja psique é povoada pela violência, a crueldade, a tirania e o desrespeito à vida) degeneração; creio que há casos em que, por um desvio da natureza, a maldade é gerada no ventre de mães caridosas e, do mesmo modo que Schopenhauer afirma que a vontade em-si nos obriga a agir em função da procriação, também o caráter é forjado em um estado de não-ser, quando o indivíduo jaz ainda em mar infinito, à espera de tornar-se uma simples e visível gota d’água. Rousseau enganou-se: bon sauvage! Que balela! Grande parte da nossa espécie é composta de selvagens no sentido moderno do tempo, seres inescrupulosos e cruéis, tal como o segurança do Carrefour, o gerente do Carrefour, os funcionários do Centro de Zoonose de Osasco, que queimaram provas e omitiram-se em várias etapas de um processo que poderia punir os culpados e, sobretudo, os expectadores. Sim, nas fotos vi expectadores: seres passivos, covardes e coniventes, tão culpados quanto aqueles que fizeram o serviço sujo, seres que se omitiram ante à violência.
Mas a semana não foi só dos horrores do Carrefour, o horror também alçou voo e ganhou os ares. Abordado por um cidadão que, dentro de um avião expressou a vergonha que sentia por seus tão vis representantes, um medíocre representante do STF, chamou a polícia, exercendo a tirania que a lex dura lex lhe outorga. Poderia não tê-lo feito e mostrar um pouco da grandeza que acredita possuir. Porém, julgando-se intocável, não só o fez como, ao explicar seu feito, valeu-se da retórica jurídica, dizendo estar em defesa de uma instituição que representa o país. Ora! Nós, gotas visíveis que escapamos à regra rousseauísta (falo da perfeição teorizada pelo filósofo) não partilhamos da mesma perfídia representada por Vossa Excelência. Sabemos que a casa que o abriga hoje é alvo de todas as suspeitas, e a mesma procurada por ladrões, burocratas, indolentes e corruptos – alguns juízes – quando estão à procura de guarida.
O horror vivido por famílias que têm a vida dos seus ceifada pela violência das ruas já virou estatística. Isso não conta! O horror da violência contra a mulher e as crianças, isso também não conta. A violência contra idosos, isso também não conta. Já nos acostumamos. Talvez a morte do pobre e indefeso animal seja uma chacoalhão nessa nossa letargia. Felizmente descobrimos sob a casca grossa que tomamos como escudo uma fissura, pela qual respiram sentimentos e alguma humanidade.


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